São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

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COMÉRCIO EXTERIOR

Valor equivale à perda que os exportadores brasileiros podem ter se país vizinho desvalorizar o peso

Argentina "quebrada" tira US$ 1 bi do Brasil

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os exportadores brasileiros terão sérias dificuldades para receber mais de US$ 1 bilhão se a Argentina desvalorizar o peso (a moeda local) neste mês, segundo estimativas conservadoras do mercado.
"Muitos dos pequenos e médios exportadores podem não suportar e quebrar", afirma o presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro. "É uma situação muito ruim e não sabemos até onde pode ir."
Os dirigentes de bancos com forte atuação no financiamento ao comércio exterior também estão preocupados. Eles temem que seus clientes no Brasil, por não conseguirem receber dos argentinos, atrasem ou simplesmente não paguem os empréstimos.
Praticamente todas as vendas ao exterior hoje são feitas a prazo e contam com algum tipo de financiamento. No caso das exportações para a Argentina, segundo bancos ouvidos pela Folha, quase 100% do crédito é concedido por meio de operações de ACC e ACE (as principais modalidades de financiamento à exportação).
No lugar de receber somente quando os compradores lhes pagam, os exportadores antecipam os recursos nos bancos por meio desses instrumentos.
Hoje, a maior parte das operações de ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio) e ACE (Adiantamento de Cambiais Entregues) tem prazo de 180 dias. De acordo com projeções da área de financiamento ao comércio exterior de grandes bancos privados, cerca de 60% das operações feitas a partir de julho vencerão de janeiro de 2002 em diante.
De julho a novembro, as exportações para a Argentina somaram US$ 1,877 bilhão. Se para todas essas vendas foram realizadas operações de ACC e ACE, cerca de US$ 1,126 bilhão (60%) vencerá a partir de janeiro de 2002.
Ou seja, se a Argentina desvalorizasse o peso e decretasse moratória amanhã, os exportadores brasileiros teriam grandes dificuldades para receber esse dinheiro.
E desse número (US$ 1,126 bilhão) não constam as exportações feitas neste mês. Portanto US$ 1 bilhão de crédito a receber a partir de janeiro é uma estimativa conservadora.

Calote
No atual modelo cambial argentino (1 peso vale 1 dólar), as empresas têm dívidas e receitas em dólar. Se o governo decidir desvalorizar o peso e mudar o regime para um sistema de taxas flutuantes -alternativa citada pelos economistas como a mais provável-, haverá o descasamento no fluxo de caixa das empresas.
Provavelmente, o peso sofrerá forte depreciação. Assim, a receita das companhias -em moeda local- despencará. Mas as dívidas em dólar serão as mesmas.
Até a taxa de câmbio se estabilizar, muitas empresas, no mínimo, suspenderão o pagamento de suas dívidas externas. Outras certamente vão entrar em situação falimentar e darão o calote nos seus fornecedores.

Seguro
Em condições normais de mercado, muitos exportadores poderiam se proteger da inadimplência com seguro de crédito.
No entanto, segundo o presidente da AEB, o risco de vendas para a Argentina aumentou tanto nos últimos meses que ficou difícil para as empresas conseguirem contratar seguro. E mesmo assim, apenas as grandes companhias obtêm esse tipo de cobertura.
"O total das exportações para a Argentina com seguro de crédito é muito baixo hoje", diz Castro.
No caso de grandes companhias exportadoras, não receber o pagamento de vendas para a Argentina pode ser somente um prejuízo a mais a ser lançado no balanço.
"Mas o pequeno exportador, se não tiver dinheiro em caixa, pode quebrar", ressalta o presidente da AEB.
Castro receia que, se o calote argentino ocorrer, muitas empresas de pequeno e médio portes podem desistir de exportar. "Não só aquelas que já vendem para a Argentina, mas também as que planejam exportar, por medo de também sofrer perdas."
Na sua opinião, uma situação como essa poderia reduzir a base exportadora brasileira.

Bancos
Com a diminuição das exportações para a Argentina, naturalmente as operações de ACC e ACE caíram ao longo do ano.
Mas essas modalidades de financiamento são muito representativas para os bancos na área de crédito.
Em caso de calote generalizado na Argentina, a situação mais complicada entre as instituições financeiras seria a do Banco do Brasil. O BB responde sozinho por 20% do mercado de ACC e ACE. E é uma das poucas instituições que trabalham com empresas de menor porte. Ou seja, justamente aquelas que têm a maior probabilidade de não pagar o crédito se não receberem de seus clientes.

Bancos abertos
Os argentinos formaram filas ontem nos bancos, que decidiram abrir as portas excepcionalemente para dar assessoria aos clientes e permitir a abertura de novas contas. Apenas em algumas instituições era possível sacar dinheiro no caixa.


Colaborou a Redação

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