São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Argentina fica mais perto da dolarização

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Há três cenários para o futuro da Argentina: conversibilidade, desvalorização cambial e dolarização. O menos provável é a manutenção do estado atual, o regime de conversão entre peso e dólar. O debate e a especulação dividem-se entre a desvalorização e a dolarização.
Ao longo das últimas semanas ganhou força a hipótese da desvalorização cambial. Muita gente passou a acreditar que o próprio FMI estaria mais inclinado a patrocinar essa saída. Afinal, o Fundo ficou desmoralizado quando patrocinou a manutenção da âncora cambial brasileira pouco antes de o sistema ir para os ares.
Mas não se trata de uma questão puramente técnica. Do ponto de vista econômico, seja qual for a preferência dos tecnocratas em Washington, a saída dependerá de um ajuste fiscal prévio. Mas, para fazer um ajuste fiscal num contexto de recessão, é preciso um grau de sacrifício político que os políticos e a população Argentina já não parecem dispostos a suportar.
Fazer um ajuste fiscal significa criar confiança na capacidade do governo argentino de pagar suas dívidas. No entanto o ministro Domingo Cavallo já colocou o país em regime de reestruturação da dívida. Ele está, portanto, seguindo uma lógica inversa à do Fundo e, de modo geral, do pensamento econômico ortodoxo. Na visão conservadora, o ajuste fiscal é uma condição necessária para o refinanciamento. Na abordagem mais recente de Cavallo, só o refinanciamento poderia criar condições para um ajuste fiscal.
O movimento político nos últimos dias, na Argentina, aponta na direção de preparar o país para esse roteiro de forçar a reestruturação da dívida como condição para recompor a capacidade de ajuste fiscal. Se essa mobilização tiver sucesso, até a hipótese de continuar tudo como está voltará a fazer sentido.
Os governadores argentinos e a liderança justicialista têm respondido à convocação do presidente De la Rua à unidade nacional, mas colocam como condição a defesa dos interesses locais contra o interesse dos credores. No Congresso, os peronistas colocaram em primeiro plano a exigência de defesa das reservas e pagamentos de salários e aposentadorias.
Mas há pelo menos três fatores que favorecem o cenário da dolarização. O primeiro é de natureza geopolítica: haveria um impacto profundo de uma dolarização na Argentina na perspectiva de criação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Na semana passada, é oportuno sublinhar, o governo Bush obteve uma importante vitória no Congresso na sua estratégia rumo ao "fast track".
O segundo fator é de natureza política. Logo depois da crise cambial brasileira, o ex-presidente Carlos Menem passou a defender a dolarização. Processado, mantido em prisão domiciliar, há poucas semanas Menem voltou à liberdade e, nos últimos dias, tornou-se um interlocutor emergencial de De la Rúa. É bom lembrar que ele é o presidente do Partido Justicialista e está decidido a voltar à Casa Rosada.
Finalmente, há o fator técnico. Embora o rumor de que o FMI favoreceria a desvalorização cambial tenha circulado com força nos últimos dias, há também alguma simpatia pelo modelo da dolarização (há um documento didático com uma análise dos aspectos positivos e negativos da dolarização feita por técnicos do Fundo em
www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2000/03/berg.htm).
No balanço geral, o cenário mais provável ainda é o de reestruturação da dívida como passo prévio para a dolarização.


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