São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

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A NOVELA DO CALOTE

Economista Eduardo Cúria quer liberação do câmbio

"Pai" da conversibilidade defende desdolarização

FABRICIO VIEIRA
DE BUENOS AIRES

O economista argentino Eduardo Cúria afirma ter a receita para o país abandonar o agonizante regime de conversibilidade da forma menos traumática possível para o país. O primeiro passo seria a desdolarização, ou seja, transformar dívidas, contratos, tudo o que estiver atrelado ao dólar na economia, em pesos. Depois, deixar o câmbio flutuar livremente. Cúria foi vice-ministro da Economia no primeiro ano do governo Carlos Menem (1989-1999) e é atribuída a ele a criação do regime de conversibilidade, pelo qual um peso vale um dólar. Menem teria recusado o projeto, reaproveitado por Domingo Cavallo, que levou a fama e o ônus de criador, em 1991.

Folha - Depois de uma década, o regime de conversibilidade está em xeque. Os defensores da dolarização crescem a cada dia. Há os que defendem a desvalorização do peso como necessária para o país recuperar competitividade. O senhor acredita que o governo do presidente Fernando de la Rúa consegue sustentar o regime até quando?
Eduardo Cúria -
A conversibilidade está em fase terminal. Restou apenas discurso, hipótese. Diferentes cotações para o dólar em relação ao peso se espelharam pelas ruas nos últimos dias. Cadê o "1 peso vale 1 dólar"? Não existe mais nem nos bancos nem nas casas de câmbio...

Folha - A dolarização da economia seria a opção mais viável neste momento?
Eduardo Cúria -
Pelo contrário. Desdolarizar é a saída. O governo tem de converter todas as dívidas, os contratos, os depósitos, tudo para pesos. E depois deixar o peso flutuar. Se não fizer isso logo, acabará cedendo à desvalorização que vem sendo imposta pelo mercado. E, se isso acontecer, muitas empresas, muitos argentinos que estão endividados em dólares, quebrarão. Quem ganha em pesos também vai ter um prejuízo muito grande.

Folha - O ministro da Economia, Domingo Cavallo, afirmou na última semana que a dolarização não depende do governo. Está nas mãos da população, que, por meio do Plano de Conversibilidade, ficou livre para escolher entre o peso e o dólar.
Eduardo Cúria -
O problema é que os dólares do Cavallo não existem. As pessoas não conseguem encontrar a moeda nem nas agências bancárias. Que opção é essa que diz Cavallo?

Folha - E a liberação do câmbio? Haveria um período intermediário para implementar a flutuação do peso?
Eduardo Cúria -
Não. O peso deveria passar a flutuar como o real atualmente. Mas seria um erro tentar montar sistemas de bandas cambiais [um teto e um piso que limitam a flutuação da moeda", como o Brasil fez em 99. O Brasil já mostrou que as bandas são um fracasso, pois só abrem espaços que potencializam a especulação.

Folha - O ministro da Economia discute no momento com o Fundo Monetário Internacional (FMI) formas de liberar o desembolso de US$ 1,26 bilhão que era esperado para este mês. Novos ajustes fiscais para o Orçamento de 2002 fazem parte dessas discussões. Acredita que modificar o sistema cambial evitaria esses novos reajustes?
Eduardo Cúria -
Não são possíveis novos ajustes fiscais. O único resultado de uma atitude dessas será o agravamento da recessão que engole o país há mais de 40 meses. O problema é que o governo está apavorado e perdeu todo o apoio. John Taylor [subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos" já disse que não convém a ninguém mais se meter na desgastada relação entre o governo e o FMI.


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