São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

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País deve desvalorizar e dolarizar, afirma chileno

JOSÉ ALAN DIAS
DO PAINEL S.A.

Com a ruptura do regime de câmbio fixo, a Argentina vai se apegar à dolarização oficial da economia não por livre vontade, mas porque não restam opções.
Ex-economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina, hoje professor da Ucla (Universidade da Califórnia), o chileno Sebastian Edwards, 48, diz que todas as iniciativas do governo e da classe política argentina nos últimos anos estimularam a dolarização da economia, quando deveria ter ocorrido o contrário.
Sem saída, diz ele, o governo precisa dolarizar, mas não sem antes promover uma desvalorização de cerca de 40% na moeda argentina. ""De que adianta dolarizar se não tornar os preços atrativos? Não teria como concorrer com Chile e Brasil."
Para Edwards, países emergentes e com nível médio de ingresso de capitais, como a Argentina, deveriam manter sistema de câmbio flutuante. ""Sou partidário de um sistema similar ao existente no Brasil. Aliado à austeridade fiscal, concede aos países a flexibilidade para enfrentar os choques adversos da economia globalizada."
A Argentina não pode desvalorizar e adotar o câmbio flutuante por três motivos, afirma Edwards: quebraria o Estado e setor privado, por conta das dívidas atreladas ao dólar, e infligiria contratos firmados na moeda americana. ""E precisamos ser realistas. Há um acordo de todas as classes políticas contra a desvalorização."

Folha - Qual foi o grande erro do modelo econômico/cambial da Argentina?
Sebastian Edwards -
Um dos problemas essenciais da Argentina é o de haver esquecido que com o sistema cambial bimonetário, baseado em uma caixa de conversibilidade, era essencial manter contas fiscais ordenadas. O que aconteceu à Argentina é que chegou ao teto de sua dívida e teve que fazer um ajuste, que é muito difícil justamente pelo tipo de câmbio fixo que mantém.

Folha - O que pode ocorrer agora? O congelamento dos depósitos para estancar a corrida aos bancos já não foi o último indicativo de que o sistema de câmbio fixo acabou?
Edwards -
É muito difícil que em 90 dias [o prazo do congelamento dos depósitos" o problema esteja parcialmente solucionado. Hoje em dia, todas as pessoas estão esperando ao 91º dia para ir aos bancos retirar todo seu dinheiro. Portanto o que se fez foi postergar uma corrida bancária por 90 dias. Na verdade, a Argentina precisa aceitar que não pode pagar sua dívida e entrar em negociação com seus credores.

Folha - Mas o governo fez isso, ao propor uma troca oficialmente voluntária de títulos da dívida interna e externa. Mesmo que a troca seja bem-sucedida, não há garantia de sobrevida para o regime...
Edwards -
De minha parte, acredito que a maneira que o governo encontrará será uma dolarização total da economia, sobre a qual já se avançou enormemente, basta ver as medidas para dolarização dos depósitos e dos empréstimos de pessoas físicas e empresas.

Folha - Há economistas que defendem que exista uma desvalorização antes da dolarização...
Edwards -
Esse é um caminho possível. A pergunta é: de quanto deveria ser a desvalorização? Há quem fale de 20%. Parece-me que se optar por essa saída, deveria ser implementada uma desvalorização maior, de cerca de 40%, porque 20% não seria suficiente.

Folha - Que tipo de regime o senhor defende para a Argentina?
Edwards -
Em geral, para países emergentes, sou partidário de um sistema de câmbio flutuante, muito similar ao que existe hoje em dia no Brasil. É um modelo adequado, que funciona bem, e que, com a austeridade fiscal correspondente, concede aos países a flexibilidade suficiente e necessária para enfrentar os choques adversos da economia globalizada.
Na Argentina o fato é que ao longo dos anos tomou-se medidas que dolarizaram a economia como um todo. Numa economia dolarizada, onde a maioria das dívidas estão expressas em dólares, um tipo de câmbio flutuante é muito arriscado, especialmente um tipo de câmbio em que a moeda irá se depreciar fortemente. É perigoso porque as dívidas não serão possíveis de ser pagas, o que coloca em perigo a cadeia de pagamentos e o sistema financeiro.

Folha - Cavallo não pode promover uma desvalorização parcial, indexando as dívidas a uma terceira moeda, como os Lecops, que posteriormente se converteria em nova moeda nacional?
Edwards -
Houve algum movimento nesta direção. Todavia está muito distante. Por exemplo, os bancos não estão autorizados a abrir contas em Lecops ou patacones. O problema da Argentina é que está se esgotando o tempo.
Todas as saídas, a dolarização limpa, a utilização de uma terceira moeda, a desdolarização da economia deveriam ter sido feitas em um momento em que houvesse algum espaço de manobra. Hoje em dia, estão se acabando os espaços, os graus de liberdade. O que manifestaram as autoridades é que o mais importante para elas era salvar a paridade de 1 por 1.

Folha - Não se poderia baixar medidas para desdolarizar a economia?
Edwards -
O problema dessa opção é que muitos dos contratos em dólares são contratos privados, firmados entre pessoas e empresas. Politicamente é complicado e legalmente, muito difícil, tomar uma decisão que afeta as características dos contratos privados. Para piorar, a Argentina do ponto de vista político é um país paralisado. Não há vontade política para tomar decisões que deveriam ser tomadas.

Folha - O que seria menos custoso e que além disso poderia tirar a economia da depressão que se estende por quatro anos. Dolarização ou desvalorização?
Edwards -
Todas as opções têm seus risco. Repito que o primeiro a ser feito é simplesmente reconhecer que não se pode pagar a dívida, deixar de pagá-la e entrar em negociação com os credores. Depois disso, deveria ser feita uma desvalorização seguida de dolarização. Uma desvalorização de 30% a 40%, que permitiria ter certos espaços para lograr mais crescimento. De que adiantaria dolarizar se não pudesse concorrer com países mais competitivos e de sistema mais desenvolvidos como Brasil e Chile?

Folha - Em um de seus artigos, o senhor afirma que não há nenhuma evidência de que os países que dolarizam suas economias tornem-se desde o ponto de vista fiscal mais prudentes e apresentem crescimento substancial da renda per capta das pessoas do que os países que têm sua própria moeda. A Argentina não estará condenada a anos de estagnação se dolarizar?
Edwards -
Por minhas investigações concluí que os países dolarizados não andam melhor que aqueles que têm câmbio flutuante. Panamá é um caso. O déficit fiscal panamenho deste ano é enorme e o do ano que vem será um dos mais altos da América Latina. Mas sempre há exceções.
No caso da Argentina não vejo muitas alternativas, além da que defendo, desvalorização e dolarização. Há uma decisão, que inclui todas as correntes partidárias de não desvalorizar e deixar flutuar o câmbio pelo temor de um retorno à hiperinflação. É preciso ser realista. As medidas tomadas nos últimos meses sugerem que a flutuação da moeda na Argentina está descartada.



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