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País deve desvalorizar e dolarizar, afirma chileno
JOSÉ ALAN DIAS
DO PAINEL S.A.
Com a ruptura do regime de
câmbio fixo, a Argentina vai se
apegar à dolarização oficial da
economia não por livre vontade,
mas porque não restam opções.
Ex-economista-chefe do Banco
Mundial para a América Latina,
hoje professor da Ucla (Universidade da Califórnia), o chileno Sebastian Edwards, 48, diz que todas as iniciativas do governo e da
classe política argentina nos últimos anos estimularam a dolarização da economia, quando deveria
ter ocorrido o contrário.
Sem saída, diz ele, o governo
precisa dolarizar, mas não sem
antes promover uma desvalorização de cerca de 40% na moeda argentina. ""De que adianta dolarizar se não tornar os preços atrativos? Não teria como concorrer
com Chile e Brasil."
Para Edwards, países emergentes e com nível médio de ingresso
de capitais, como a Argentina, deveriam manter sistema de câmbio
flutuante. ""Sou partidário de um
sistema similar ao existente no
Brasil. Aliado à austeridade fiscal,
concede aos países a flexibilidade
para enfrentar os choques adversos da economia globalizada."
A Argentina não pode desvalorizar e adotar o câmbio flutuante
por três motivos, afirma Edwards:
quebraria o Estado e setor privado, por conta das dívidas atreladas ao dólar, e infligiria contratos
firmados na moeda americana.
""E precisamos ser realistas. Há
um acordo de todas as classes políticas contra a desvalorização."
Folha - Qual foi o grande erro do
modelo econômico/cambial da Argentina?
Sebastian Edwards - Um dos
problemas essenciais da Argentina é o de haver esquecido que
com o sistema cambial bimonetário, baseado em uma caixa de
conversibilidade, era essencial
manter contas fiscais ordenadas.
O que aconteceu à Argentina é
que chegou ao teto de sua dívida e
teve que fazer um ajuste, que é
muito difícil justamente pelo tipo
de câmbio fixo que mantém.
Folha - O que pode ocorrer agora?
O congelamento dos depósitos para estancar a corrida aos bancos já
não foi o último indicativo de que o
sistema de câmbio fixo acabou?
Edwards - É muito difícil que em
90 dias [o prazo do congelamento
dos depósitos" o problema esteja
parcialmente solucionado. Hoje
em dia, todas as pessoas estão esperando ao 91º dia para ir aos
bancos retirar todo seu dinheiro.
Portanto o que se fez foi postergar
uma corrida bancária por 90 dias.
Na verdade, a Argentina precisa
aceitar que não pode pagar sua dívida e entrar em negociação com
seus credores.
Folha - Mas o governo fez isso, ao
propor uma troca oficialmente voluntária de títulos da dívida interna e externa. Mesmo que a troca
seja bem-sucedida, não há garantia de sobrevida para o regime...
Edwards - De minha parte, acredito que a maneira que o governo
encontrará será uma dolarização
total da economia, sobre a qual já
se avançou enormemente, basta
ver as medidas para dolarização
dos depósitos e dos empréstimos
de pessoas físicas e empresas.
Folha - Há economistas que defendem que exista uma desvalorização antes da dolarização...
Edwards - Esse é um caminho
possível. A pergunta é: de quanto
deveria ser a desvalorização? Há
quem fale de 20%. Parece-me que
se optar por essa saída, deveria ser
implementada uma desvalorização maior, de cerca de 40%, porque 20% não seria suficiente.
Folha - Que tipo de regime o senhor defende para a Argentina?
Edwards - Em geral, para países
emergentes, sou partidário de um
sistema de câmbio flutuante, muito similar ao que existe hoje em
dia no Brasil. É um modelo adequado, que funciona bem, e que,
com a austeridade fiscal correspondente, concede aos países a
flexibilidade suficiente e necessária para enfrentar os choques adversos da economia globalizada.
Na Argentina o fato é que ao
longo dos anos tomou-se medidas que dolarizaram a economia
como um todo. Numa economia
dolarizada, onde a maioria das dívidas estão expressas em dólares,
um tipo de câmbio flutuante é
muito arriscado, especialmente
um tipo de câmbio em que a moeda irá se depreciar fortemente. É
perigoso porque as dívidas não
serão possíveis de ser pagas, o que
coloca em perigo a cadeia de pagamentos e o sistema financeiro.
Folha - Cavallo não pode promover uma desvalorização parcial, indexando as dívidas a uma terceira
moeda, como os Lecops, que posteriormente se converteria em nova
moeda nacional?
Edwards - Houve algum movimento nesta direção. Todavia está
muito distante. Por exemplo, os
bancos não estão autorizados a
abrir contas em Lecops ou patacones. O problema da Argentina é
que está se esgotando o tempo.
Todas as saídas, a dolarização
limpa, a utilização de uma terceira
moeda, a desdolarização da economia deveriam ter sido feitas em
um momento em que houvesse
algum espaço de manobra. Hoje
em dia, estão se acabando os espaços, os graus de liberdade. O
que manifestaram as autoridades
é que o mais importante para elas
era salvar a paridade de 1 por 1.
Folha - Não se poderia baixar medidas para desdolarizar a economia?
Edwards - O problema dessa opção é que muitos dos contratos
em dólares são contratos privados, firmados entre pessoas e empresas. Politicamente é complicado e legalmente, muito difícil, tomar uma decisão que afeta as características dos contratos privados. Para piorar, a Argentina do
ponto de vista político é um país
paralisado. Não há vontade política para tomar decisões que deveriam ser tomadas.
Folha - O que seria menos custoso
e que além disso poderia tirar a
economia da depressão que se estende por quatro anos. Dolarização
ou desvalorização?
Edwards -Todas as opções têm
seus risco. Repito que o primeiro
a ser feito é simplesmente reconhecer que não se pode pagar a
dívida, deixar de pagá-la e entrar
em negociação com os credores.
Depois disso, deveria ser feita
uma desvalorização seguida de
dolarização. Uma desvalorização
de 30% a 40%, que permitiria ter
certos espaços para lograr mais
crescimento. De que adiantaria
dolarizar se não pudesse concorrer com países mais competitivos
e de sistema mais desenvolvidos
como Brasil e Chile?
Folha - Em um de seus artigos, o
senhor afirma que não há nenhuma evidência de que os países que
dolarizam suas economias tornem-se desde o ponto de vista fiscal
mais prudentes e apresentem crescimento substancial da renda per
capta das pessoas do que os países
que têm sua própria moeda. A Argentina não estará condenada a
anos de estagnação se dolarizar?
Edwards - Por minhas investigações concluí que os países dolarizados não andam melhor que
aqueles que têm câmbio flutuante. Panamá é um caso. O déficit
fiscal panamenho deste ano é
enorme e o do ano que vem será
um dos mais altos da América Latina. Mas sempre há exceções.
No caso da Argentina não vejo
muitas alternativas, além da que
defendo, desvalorização e dolarização. Há uma decisão, que inclui
todas as correntes partidárias de
não desvalorizar e deixar flutuar o
câmbio pelo temor de um retorno
à hiperinflação. É preciso ser realista. As medidas tomadas nos últimos meses sugerem que a flutuação da moeda na Argentina está descartada.
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