São Paulo, sexta-feira, 09 de dezembro de 2005

Texto Anterior | Índice

ANÁLISE

"Matrimônio" nada soma

MARIO MARCONINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nosso interesse, do Brasil e do Mercosul, em manter e até aprofundar as boas relações com o Estado venezuelano, não deveria ser uma questão difícil: um grande mercado, um vizinho estratégico e um país tradicionalmente amigo. Complicadas são as duas questões que advêm naturalmente da atual "precipitada" conjuntura dos acontecimentos. Seria de nosso interesse fazê-lo por meio do atual governo em Caracas? Seria a admissão da Venezuela como membro pleno do Mercosul a melhor forma de atingir tais objetivos?
Do ponto de vista econômico, não é claro o que uma admissão plena -ainda que fosse possível de uma forma instantânea como parece pretender o presidente Chávez- agrega que não pudesse ser agregado de uma forma bem menos ambiciosa, espalhafatosa e confusa.
Caso quiséssemos de fato aprofundar as relações comerciais, buscar mais comércio, abrir nossos mercados de forma recíproca, bastaria apenas aprofundar o compromisso de se chegar a uma área de livre comércio que já existe entre a Venezuela e os membros do Mercosul.
Caso quiséssemos mais infra-estrutura, melhores "eixos de integração", mais coordenação no desenvolvimento da América do Sul, bastaria, uma vez mais, se comprometer a fazê-lo.
Caso quiséssemos mais querosene de aviação, óleo diesel ou coque de petróleo não calcinado (os três itens perfazem um quarto de nossas importações da Venezuela), por exemplo, precisaríamos apenas comprá-los, talvez baixando alíquotas de importação em alguns casos. Em nenhum desses casos faltaria a admissão plena da Venezuela.
A seara política é, no entanto, a que abriga os maiores riscos. Três palavras são relevantes nesse contexto: a imagem, a posição e o eixo. Quanto à imagem, não há dúvida de que para um bloco que já sofre cronicamente de credibilidade, um "matrimônio" pleno com um país cujo líder é conhecido por bravatas, exageros e, por falta de melhor palavra, populismo, não representa mais, e sim menos, clareza de propósito.
A posição do Mercosul se tornará bastante clara com a presença do presidente Chávez: a de que não queremos lidar com os Estados Unidos e, que, aliás, de alguma forma "agüentamos" viver em clima de confronto com nosso maior parceiro comercial, para onde 92% de nossas exportações são de produtos de alto valor agregado, país origem de mais de um quarto do estoque de investimentos diretos estrangeiros. De "lambuja", poderemos ser vistos como um país que prefere uma Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas, anti-Alca) a uma Alca (Área de Livre Comércio das Américas), com toda a confusão conceitual, política e econômica que uma "Alternativa Bolivariana para as Américas" comporta.
Finalmente, o eixo. Nossa relação com a Argentina de Kirchner não tem sido das melhores. O neopopulismo portenho, acoplado a nossa "hesitação estratégica", nos tem freqüentemente colocado em situações difíceis. Aparentemente, a admissão plena da Venezuela também consta do rol de influências argentinas nas dificuldades externas do bloco. Em política, nada se prevê -tudo se engole. Não há dúvida de que o eixo Brasília-Buenos Aires, tradicionalmente o pólo de sustentação do Mercosul, poderá ser afetado na medida em que a Venezuela "opte" por um ou outro lado. Em outras palavras, além de tudo, o Brasil ainda poderá "sobrar" no processo.


Mario Marconini é consultor de Relações Internacionais e ex-economista da OMC (Organização Mundial do Comércio).

Texto Anterior: Bloco terá Parlamento a partir de 2006
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.