|
Texto Anterior | Índice
ANÁLISE
"Matrimônio" nada soma
MARIO MARCONINI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nosso interesse, do Brasil
e do Mercosul, em manter e
até aprofundar as boas relações
com o Estado venezuelano, não
deveria ser uma questão difícil:
um grande mercado, um vizinho
estratégico e um país tradicionalmente amigo. Complicadas são as
duas questões que advêm naturalmente da atual "precipitada"
conjuntura dos acontecimentos.
Seria de nosso interesse fazê-lo
por meio do atual governo em Caracas? Seria a admissão da Venezuela como membro pleno do
Mercosul a melhor forma de atingir tais objetivos?
Do ponto de vista econômico,
não é claro o que uma admissão
plena -ainda que fosse possível
de uma forma instantânea como
parece pretender o presidente
Chávez- agrega que não pudesse ser agregado de uma forma
bem menos ambiciosa, espalhafatosa e confusa.
Caso quiséssemos de fato aprofundar as relações comerciais,
buscar mais comércio, abrir nossos mercados de forma recíproca,
bastaria apenas aprofundar o
compromisso de se chegar a uma
área de livre comércio que já existe entre a Venezuela e os membros do Mercosul.
Caso quiséssemos mais infra-estrutura, melhores "eixos de integração", mais coordenação no
desenvolvimento da América do
Sul, bastaria, uma vez mais, se
comprometer a fazê-lo.
Caso quiséssemos mais querosene de aviação, óleo diesel ou coque de petróleo não calcinado (os
três itens perfazem um quarto de
nossas importações da Venezuela), por exemplo, precisaríamos
apenas comprá-los, talvez baixando alíquotas de importação em alguns casos. Em nenhum desses
casos faltaria a admissão plena da
Venezuela.
A seara política é, no entanto, a
que abriga os maiores riscos. Três
palavras são relevantes nesse contexto: a imagem, a posição e o eixo. Quanto à imagem, não há dúvida de que para um bloco que já
sofre cronicamente de credibilidade, um "matrimônio" pleno
com um país cujo líder é conhecido por bravatas, exageros e, por
falta de melhor palavra, populismo, não representa mais, e sim
menos, clareza de propósito.
A posição do Mercosul se tornará bastante clara com a presença
do presidente Chávez: a de que
não queremos lidar com os Estados Unidos e, que, aliás, de alguma forma "agüentamos" viver em
clima de confronto com nosso
maior parceiro comercial, para
onde 92% de nossas exportações
são de produtos de alto valor
agregado, país origem de mais de
um quarto do estoque de investimentos diretos estrangeiros. De
"lambuja", poderemos ser vistos
como um país que prefere uma
Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas, anti-Alca) a uma
Alca (Área de Livre Comércio das
Américas), com toda a confusão
conceitual, política e econômica
que uma "Alternativa Bolivariana
para as Américas" comporta.
Finalmente, o eixo. Nossa relação com a Argentina de Kirchner
não tem sido das melhores. O
neopopulismo portenho, acoplado a nossa "hesitação estratégica", nos tem freqüentemente colocado em situações difíceis. Aparentemente, a admissão plena da
Venezuela também consta do rol
de influências argentinas nas dificuldades externas do bloco. Em
política, nada se prevê -tudo se
engole. Não há dúvida de que o eixo Brasília-Buenos Aires, tradicionalmente o pólo de sustentação do Mercosul, poderá ser afetado na medida em que a Venezuela "opte" por um ou outro lado. Em outras palavras, além de
tudo, o Brasil ainda poderá "sobrar" no processo.
Mario Marconini é consultor de Relações
Internacionais e ex-economista da OMC
(Organização Mundial do Comércio).
Texto Anterior: Bloco terá Parlamento a partir de 2006 Índice
|