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RUBENS RICUPERO
Mão de gato
Nos últimos anos, inverteu-se a equação: agora, mais de 73% do aumento das emissões provêm dos emergentes
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SE NÃO mudar de atitude no
aquecimento global, o Brasil
vai ser a mão de gato para que a
China tire suas castanhas do fogo da
pressão internacional.
Os chineses devastam setores inteiros de nossa indústria, ameaçam-nos até no mercado de aço, devido
ao predatório desenvolvimento que
praticam. Representam com a Índia
quatro quintos do aumento previsto
no consumo de carvão.
De 2000 para cá, a China explica
por que o dióxido de carbono aumentou quatro vezes mais que nos
anos 90 (2,9% anuais contra 0,7%),
de acordo com estudo de fins de outubro da National Academy of
Science dos EUA!
Diante disso, como pode o Brasil
sustentar que a isenção de metas de
redução de emissões deve continuar
a se aplicar aos países em desenvolvimento em bloco, sem nenhuma
distinção, favorecendo a China em
igualdade de condições com o Haiti?
De 1750 até hoje, os industrializados provocaram 70% do acúmulo de
gases estufa na atmosfera. Daí decorre o princípio da "responsabilidade comum, mas diferenciada", isto é, recaem nos ricos ônus maiores.
Nos últimos anos, inverteu-se a
equação: agora, mais de 73% do aumento das emissões provêm dos
emergentes.
Tem razão, assim, a ministra Marina Silva quando afirma: "Responsabilidade diferenciada não quer dizer nenhuma responsabilidade".
Qual é, porém, a responsabilidade
brasileira se não aceitamos nenhuma meta fiscalizável nem mesmo
nas queimadas, das quais somos o
vilão-mor?
Se quiser voltar a ser facilitador de
consenso, como na Rio 92 e em Kyoto, o Brasil deveria se orientar pelos
seguintes princípios:
1º) sua posição tem de ser "diferenciada" tanto em relação aos ricos, sobretudo os EUA, maiores culpados, como aos emergentes como a
China e a Índia, que poluem com o
carvão e agravam cada dia mais o
problema. Em vez de optar pelo bloco dos "sujos" em energia, o país deve ser mediador de acordo-ponte
entre os dois lados;
2º) temos de reconhecer responsabilidade pelas queimadas, inclusive na colheita da cana, comprometendo-nos com metas de redução;
3º) é tempo de abandonar a oposição solitária a todos os países detentores de florestas nativas que desejam incluí-las em algum mecanismo
de mercado, com vistas a facilitar o
pagamento de compensações internacionais pelos serviços ambientais
prestados pelas florestas;
4º) o Brasil deve praticar seu discurso, evitando isolar-se, como no
passado, dos vizinhos mais próximos e inspirar-se na política de consultas públicas à sociedade civil praticadas pela Argentina.
Criticada pela comunidade científica e ambientalista nacional e internacional, a posição brasileira é hoje um dos entraves à adoção de combate efetivo e urgente à maior ameaça
ao planeta.
Nossa política não evolui devido à
"resistência... (do) espírito pouco
inovador de antigos e venerandos
funcionários", diríamos parafraseando o barão do Rio Branco a respeito da oposição do visconde de Cabo Frio à retificação dos limites com
o Uruguai em 1909.
Os funcionários não serão agora
tão antigos, apesar de não serem
menos venerandos. Com a perspicácia que não lhe falta, o ministro das
Relações Exteriores, Celso Amorim,
saberá retificá-los, adotando política proativa e responsável, digna do
povo brasileiro. Nenhuma outra se
ajustaria tão bem aos interesses do
país e do mundo, dando incomparável prestígio à justa candidatura do
Brasil ao Conselho de Segurança da
ONU.
RUBENS RICUPERO , 70, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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