São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2002

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ANOS DE REFORMA

Capital externo aumentou eficiência do país, mas não expandiu a capacidade produtiva ou exportadora

Múltis crescem 146% na década liberal

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

A desnacionalização da indústria brasileira deu um salto na década de 90. O capital estrangeiro, que correspondia a 36% do faturamento dos 350 maiores grupos do país em 91, passou para 53,5% no final de 99. A participação estrangeira no faturamento das maiores empresas do país subiu 146% entre 91 e 99.
O investimento estrangeiro contribuiu para tornar mais eficientes as empresas brasileiras, mas não ajudou o país a expandir o seu mercado interno e a aumentar sua participação no externo.
É o que mostra levantamento do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) sobre o perfil das empresas líderes no Brasil. Segundo o estudo, o capital externo cresceu mais no setor de serviços. O investimento estrangeiro mais substituiu o nacional do que expandiu a capacidade produtiva do país, colaborou para aumentar o déficit externo e não contribuiu para tornar o país um grande exportador de manufaturados.
"O capital estrangeiro se espalhou de forma abrangente e, apesar de ter modernizado alguns setores, não ajudou o Brasil a crescer no mercado internacional", afirma David Kupfer, autor do estudo e coordenador do Grupo Indústria e Competitividade da UFRJ. Para crescer lá fora, as empresas teriam de aumentar sua capacidade industrial. A política de juros, de câmbio e as várias crises enfrentadas pelo país acabaram barrando essa expansão.

A polêmica da exportação
O governo incentivou a desnacionalização, pois uma de suas metas era aumentar o fluxo de divisas. "Era a fome com a vontade de comer", diz Mariano Laplane, coordenador do Núcleo de Economia da Indústria e da Tecnologia da Unicamp.
O apoio dos estrangeiros, segundo Laplane, foi importante para modernizar vários setores da economia. "Mas o fato é que o grande salto nas exportações de produtos com maior valor agregado não ocorreu ainda."
Levantamento feito pelo Núcleo de Economia da Unicamp mostra que os estrangeiros não têm ajudado a balança comercial brasileira. A participação das empresas estrangeiras nas exportações dos 500 maiores grupos do país caiu de 53,2% em 97 para 47,6% em 2000. No caso das importações, o salto foi de 63,1% para 64,9%.
"Remessa de lucros, pagamento de royalties e transferências de tecnologia têm custo para o país. Só que os estrangeiros aumentam também a capacidade de exportar", diz Maurício Mesquita, economista do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Na sua análise, o Brasil não pode se dar ao luxo de barrar a entrada de capital estrangeiro. Se esse capital avançou demais ou não, é algo que pode ser discutido neste momento. Mesquita acha que o país deveria ter, porém, um núcleo de empresários brasileiros que domine alguns setores.

Perfil industrial não muda
O trabalho da UFRJ nota também que, na desnacionalização, o perfil da indústria brasileira não se alterou. Em 96, o faturamento da indústria básica representava 25,4% da receita total dos 350 maiores grupos do país. Em 99, 26,8%. Na indústria difusora de tecnologia os percentuais foram de 19,1% e 18%, respectivamente.
A desnacionalização da indústria brasileira foi rápida e muito intensa, na visão dos empresários que se reúnem no Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). "O ideal é a vinda do capital estrangeiro com crescimento do nacional", afirma Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do instituto.
A indústria brasileira foi forçada a se render ao capital estrangeiro, diz, em muitos casos, porque foi estrangulada por juros altos e pelo câmbio desfavorável para as exportações. Pelos estudos do Iedi, o dinheiro de fora trouxe tecnologia, mas não aumentou o investimento global na economia. "É preciso agregar investimentos e não substituí-los."
As características das empresas estrangeiras, pelo levantamento do Iedi, são: grandes importadoras, exportam moderadamente e remetem grandes lucros e dividendos para as matrizes.
Roberto Faldini, diretor do Departamento de Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), diz que a miscigenação de investimentos é uma tendência mundial.
"Pode ser encarado de duas formas: ameaça ou fortalecimento da indústria brasileira. Se as condições macroeconômicas são favoráveis, o país só tem a ganhar."
É consenso entre os economistas consultados pela Folha que o avanço do capital externo no Brasil contribuiu para aumentar o déficit das transações correntes do país nos últimos anos.

Duas ondas estrangeiras
A entrada do capital estrangeiro tem duas fases ao longo da década de 90. De 91 a 96, o dinheiro veio atraído pelas privatizações. Foi o período da transferência de empresas estatais para privadas. A partir de 96, o dinheiro de fora vem para aquisições e fusões.
"A entrada das multinacionais no país mostrou que as empresas brasileiras não eram competitivas. E, com isso, as nacionais acabaram se tornando alvos mais fáceis de aquisições", diz Kupfer.
Do setor de serviços, o financeiro (leia-se bancos) foi o que registrou o maior avanço do capital estrangeiro -de 8% em 91 para 21,3% em 99. Depois vêm os serviços de infra-estrutura -crescimento de 16,9% para 32,2%-, e outros serviços, como transporte, comunicação social e comércio, de 7,8% para 27,1%.



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