São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2002

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ANOS DE REFORMA

Participação de empresa estrangeira nas exportações caiu de 53,2% em 1997 para 47,6% em 2000, diz Unicamp

Capital externo não fez país exportar mais

DA REPORTAGEM LOCAL

O capital estrangeiro, ao contrário do que se previa, não transformou o Brasil em um grande exportador de produtos manufaturados. Os investimentos externos aumentaram a eficiência das empresas, mas a maior produtividade não resultou em saldos comerciais elevados para o país.
A análise é de Mariano Laplane, coordenador do Núcleo de Economia da Indústria e da Tecnologia da Unicamp. A idéia, diz ele, era tornar a indústria nacional eficiente e trazer competição para a indústria estrangeira, que estava acomodada.
"Com o apoio do capital externo, a intenção era transformar o Brasil num grande exportador de produtos manufaturados. E isso até agora não aconteceu."
Levantamento do Núcleo de Economia da Unicamp mostra que a participação das empresas estrangeiras nas exportações dos 500 maiores grupos do país está até em queda. Era de 53,2% em 97. Em 2000, estava em 47,6%.
Ao mesmo tempo, as empresas estrangeiras estão aumentando a participação nas importações. Das compras externas dos 500 maiores grupos do país, a fatia dos estrangeiros subiu de 63,1% para 64,9%. Esse percentual era de 53,8% em 92.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Laplane.

Folha - Quais são as intenções das empresas estrangeiras quando optam por investir no Brasil?
Mariano Laplane -
É difícil saber quais são as verdadeiras intenções, mas podemos observar o comportamento delas. Quem veio para o setor de serviços veio para aproveitar o mercado interno. Quem veio para o setor industrial pode ter várias intenções. Uns querem explorar recursos naturais, transformá-los e exportá-los. Outros, que importam mais do que exportam, querem ir também para a América Latina. Outras empresas vieram para disputar os mercados interno e externo, como a indústria automobilística. Há casos em que receberam da matriz a missão de concentrar a produção no Brasil para abastecer outras regiões.

Folha - As empresas estrangeiras que compraram empresas brasileiras aumentaram investimentos no país? A produtividade das fábricas subiu em relação ao que era?
Laplane -
A grande maioria das empresas passou por processo de racionalização, enxugou pessoal. A produtividade, portanto, aumentou. Em alguns casos houve até aumento da capacidade instalada.

Folha - A desnacionalização das empresas brasileiras, mais forte no período de 96 a 99, está relacionada com o aumento do déficit em transações correntes?
Laplane -
Geralmente a empresa estrangeira racionaliza a produção e depois passa a importar equipamentos. Muitas importam muito e não exportam quase nada. Isso tem impacto negativo na balança comercial, sem contar que elas remetem lucro e dividendos. Essa situação tem tudo a ver com o câmbio [favorável às importações" e com a falta de política industrial. O país poderia ter uma política para negociar com as empresas estrangeiras. Era preciso ter um tratamento mais favorável para o produto nacional.

Folha - Por que as empresas nacionais migraram mais para o setor de serviços ao longo da década?
Laplane -
Porque essa atividade está menos exposta à concorrência estrangeira. Em alguns setores nem existe concorrência por serem concessões públicas, como operar rodovias. Alguns bancos (Itaú, Bradesco e Unibanco) têm resistido bem até agora ao avanço dos estrangeiros.

Folha - A abertura da economia brasileira em 90 pretendia modernizar a indústria local, considerada atrasada, e trazer concorrência para a indústria estrangeira, que estava acomodada. Isso aconteceu?
Laplane -
Parte do que se esperava ocorreu. As empresas se modernizaram não só em termos de tecnologia, mas até no setor de supermercados houve grande aumento de eficiência. Mas o que não aconteceu foi o grande salto das exportações de manufaturados que se esperava. O Brasil continua sendo um grande mercado doméstico, que absorve boa parte da produção industrial.

Folha - O que é possível fazer para que o Brasil exporte mais?
Laplane -
Se o país quiser mesmo se tornar um grande exportador, como a China, vai ter de dobrar a sua capacidade industrial em grande parte dos setores. E, para isso, precisa de muito investimento.

Folha - Mas houve investimentos em alguns setores nos últimos anos...
Laplane -
Só que alguns setores que investiram, como a indústria automobilística e a eletroeletrônica, acabaram se dando mal. A pancada dos juros freou o crescimento. No início dos anos 90 havia uma expectativa de crescimento, que não se efetivou. Boa parte da indústria, no entanto, não acreditou nas estimativas de expansão da economia e, por isso, não investiu em aumento da capacidade produtiva. Investiu em modernização e, em alguns casos, até enxugou a capacidade.

Folha - O que era esperado com a abertura da economia, mas não aconteceu?
Laplane -
Foi o aumento brutal das importações. Em princípio, a expectativa era que haveria mais importação de máquinas e componentes -vetores da modernização. Todo mundo achava que, com a abertura da economia, as peças compradas aqui seriam substituídas por importadas, mais baratas e com maior qualidade.

Folha - Qual a sua sugestão diante dessa situação?
Laplane -
O que precisa existir no Brasil é um pacto entre o setor público e o privado em favor do crescimento. Se houvesse gente interessada mesmo nisso agora, a economia brasileira seria outra daqui a cinco ou seis anos.
(FÁTIMA FERNANDES)

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