São Paulo, terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ALCA

Americanos querem negociar com 13 países a fim de forçar concessões do Mercosul

EUA ameaçam Mercosul com acordos

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Os EUA estão prontos para iniciar negociações com um grupo de 13 países das Américas, para fechar acordos plurilaterais ambiciosos nas áreas de serviços, compras governamentais, propriedade intelectual e investimentos. O anúncio foi feito sábado, em conferência telefônica com jornalistas, por um graduado funcionário do setor de comércio dos Estados Unidos, com o compromisso de que seu nome não fosse revelado.
O recado tem um objetivo claro: pôr pressão sobre o Brasil e o Mercosul, a fim de forçá-los a fazer concessões nas estancadas negociações da Área de Livre Comércio das Américas. "Penso que [os acordos plurilaterais] poderiam ser um estímulo útil para todos", disse o funcionário.
Os delegados brasileiros que participaram da frustrada reunião de negociações em Puebla, na semana passada, não se assustaram com a informação, ao lembrar que os EUA já têm acordos com a maioria dos 13 países.
De fato, Canadá e México já formam com os EUA o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), que cobre todas as áreas mencionadas como objeto de desejo dos norte-americanos.
Os países centro-americanos acabam de assinar idêntico acordo com Washington, o que já aconteceu com o Chile. Só não têm acordos, mas estão negociando, os países andinos (Colômbia, Peru e Equador), além da República Dominicana e do Panamá, que fecham o grupo de 13 países mencionado pelo funcionário.
A expectativa dos EUA é dar a partida nas negociações plurilaterais após a próxima reunião do CNC (Comitê de Negociações Comerciais), que entrou em recesso na sexta-feira, para ser reiniciada em princípio na primeira semana de março, sempre em Puebla.
Acordos plurilaterais ambiciosos compõem o segundo trilho da nova Alca, desenhada na Conferência Ministerial de Miami, em novembro. O primeiro trilho é um "conjunto comum de direitos e obrigações" válido para os 34 países das Américas (excluindo Cuba). O segundo (o dos acordos plurilaterais) não é obrigatório.
O Mercosul quer um primeiro trilho ambicioso em matéria de acesso a mercados, o jargão diplomático para a redução e/ou eliminação das tarifas de importação, tanto para bens agrícolas como não-agrícolas. Mas não tem a menor ambição nas outras áreas, como serviços, compras governamentais e investimentos.
Na interpretação dos EUA, foi essa a causa do impasse da reunião de Puebla.
"Eles [o Mercosul] querem um alto nível [de ambição] em agricultura, em que querem disciplinas sobre apoio doméstico e eliminação de subsídios à exportação. E, em acesso a mercado para bens industriais e de consumo, eles querem cobrir todos os itens da lista. Sempre dissemos que estávamos prontos para negociar todos os itens, mas, francamente, se eles não oferecerem significativa melhora em acesso a mercado para serviços, por que deveriam esperar conseguir tudo em bens?", perguntou o funcionário.
A visão americana dos acordos plurilaterais é mais que ambiciosa: querem o OMC-plus.
Ou seja, ir além dos acordos na Organização Mundial do Comércio, em áreas como serviços, investimento e propriedade intelectual, hipótese que o Brasil rejeita.
Na área de propriedade intelectual, por exemplo, o funcionário dos EUA diz que os acordos deveriam levar em consideração "todos os avanços em tecnologia digital dos últimos dez anos".
O Brasil, ao contrário, quer que seja respeitado o acordo sobre propriedade intelectual firmado na Rodada Uruguai, encerrada há dez anos, antes, portanto, dos avanços citados pelo funcionário.
A declaração de Miami diz que as negociações do conjunto comum de obrigações e dos acordos plurilaterais devem ser simultâneas, mas o negociador ressalva: "Sentimos que eles não precisam começar ao mesmo tempo".
"Se pudermos avançar nos plurilaterais antes de termos completado tudo no conjunto comum, não há o que nos impeça de fazê-lo, e penso que seria um estímulo útil para todos" é o recado dos EUA, que torna mais complicada a tarefa de evitar que o que foi chamado de "recesso" se transforme de vez em "fracasso".


Texto Anterior: Governo Lula gera 645 mil postos
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.