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Stones encontram abrigo fiscal na Holanda
País tem legislação tributária que favorece grupos e empresas que ganham royalties e atrai cada vez mais artistas
Bandas como Rolling Stones e U2 deixam de pagar dezenas de milhões de dólares por ano ao transferirem ganhos ao país
Frank Franklin II -10.mai.05/Associated Press
![](../images/b1002200701.jpg) |
O guitarrista Keith Richards e o cantor Mick Jagger, dos Stones, que transferem ganhos à Holanda para pagar menos impostos |
LYNNLEY BROWNING
DO "NEW YORK TIMES", EM AMSTERDÃ
No segundo trimestre de
2006, Keith Richards, guitarrista dos Rolling Stones conhecido pelo apego à diversão e pelo rosto vincado de rugas, caiu
de uma árvore em um hotel numa praia de Fiji, batendo a cabeça contra o tronco.
Richards foi transportado de
avião à Nova Zelândia, onde um
cirurgião conduziu um tratamento de emergência para impedir que seu cérebro sofresse
um inchaço perigoso. Embora o
acidente o tenha forçado a cancelar parte dos shows programados para o terceiro trimestre, Richards, 62, sobreviveu
sem maiores danos à queda.
"Não foi meu primeiro contato com a morte", ele disse
mais tarde à revista "Rolling
Stone". "Acho que a lição que
aprendi foi não me sentar mais
no alto de uma árvore."
O que dois dos outros Rolling
Stones, Mick Jagger e Charlie
Watts, aparentemente aprenderam com a experiência de Richards foi que era hora de pensar em seus herdeiros. Para isso, os velhos roqueiros optaram
por um discreto contador holandês, Johannes Favie, cuja
companhia, o Promogroup, os
vêm ajudando a minimizar sua
carga tributária há 30 anos.
E assim, em agosto, de acordo com documentos mantidos
no Handelregister, o registro
comercial da Holanda, o Promogroup ajudou os três músicos a estabelecer duas fundações privadas, sediadas na Holanda, que permitirão que seus
herdeiros recebam os ativos
que eles controlam sem precisar pagar impostos quando os
três vierem a morrer.
Os outros abrigos tributários
que o Promogroup ajudou o
trio a criar na Holanda já deram
frutos consideráveis. Ao longo
dos últimos 20 anos, os músicos pagaram só US$ 7,2 milhões em impostos sobre o faturamento de US$ 450 milhões
que eles canalizaram via Amsterdã. Isso representa uma alíquota tributária da ordem de
1,5%, muito abaixo dos 40% vigentes no Reino Unido.
Os Stones estão longe de ser
as únicas celebridades que protegem seu patrimônio na terra
das tulipas, moinhos e Rembrandt. O U2 transferiu ativos
lucrativos para Amsterdã, assim como outros cantores pop
e atletas conhecidos, todos os
quais usaram ou continuam a
usar os benefícios fiscais conferidos pelo código tributário holandês, de acordo com um advogado tributarista que pediu
que seu nome não fosse revelado, devido a acordos de confidencialidade com clientes.
Gravadoras
Entre as empresas do setor
de entretenimento e de outros
ramos que extraem benefícios
generosos do regime tributário
holandês, estão a gravadora
EMI, uma das gigantes do setor, e a CKX, que controla participações no programa "American Idol", no espólio de Elvis
Presley e nas atividades de David Beckham, astro do futebol.
Quando o assunto é atrair patrimônio de celebridades que
desejam se proteger contra os
impostos, as ilhas Cayman e
outros paraísos fiscais caribenhos clássicos estão perdendo
prestígio, de acordo com especialistas tributários. Embora
paraísos fiscais "offshore" à
moda antiga -com clima quente, peixes tropicais, holdings
criadas por encomenda (e sediadas em caixas postais) e
transparência ou regulamentação muito limitadas- ainda
atraiam dinheiro, os interessados que os procuram, dizem tributaristas e executivos financeiros do ramo do entretenimento, são os fundos de hedge
e grupos de capital privado, que
desejam proteção contra impostos sobre os seus enormes
lucros.
Mas, para lucros derivados
de propriedades intelectuais, a
Holanda se tornou o paraíso
fiscal predileto. Com celebridades emprestando seus nomes e
imagens a linhas de roupas, licenciando suas canções de sucesso para uso publicitário,
procurando papéis em Hollywood e se envolvendo em outras empreitadas que geram receita tributável significativa, o
sistema holandês, que não tributa os royalties, oferece proteção muito conveniente.
À medida que se dirigem a
Amsterdã, as celebridades estão se inspirando nas táticas
adotadas pelas grandes empresas, que também empregam
abrigos tributários na Holanda
para ajudar a reduzir ou eliminar os impostos sobre royalties
referentes a patentes, outra
propriedade intelectual.
"Os caribenhos estão pensando nos lucros de transações
financeiras, não nos royalties,
de modo que os países europeus de menor porte, como a
Holanda, precisam ser criativos, em termos financeiros",
disse David Pullman, executivo
de banco de investimento em
Nova York que atende a artistas
e esportistas. "Eles procuram
os clientes de maior destaque, e
não querem ser vistos como lugares escusos, à moda das pequenas nações caribenhas."
Muitas das grandes empresas multinacionais do planeta,
entre as quais Coca-Cola, Nike,
Ikea e Gucci, estabeleceram
holdings na Holanda nos últimos anos, para aproveitar vantagens tributárias bastante parecidas às obtidas pelos Rolling
Stones e pelo U2. Um outro fator de atração é o fato de que o
Ministério das Finanças da Holanda recentemente declarou
que está disposto a promulgar
com antecedência decisões
que, em termos práticos, legitimam as proteções tributárias.
A Sun Microsystems, gigante
dos computadores e software
dos EUA, opera companhias de
holding na Holanda e demonstra franqueza quanto aos motivos. Até recentemente, no site
da Agência de Investimento
Estrangeiro da Holanda, em
www.nfia.com, a Sun oferecia
o seguinte endosso às confortáveis leis tributárias do país:
"Encaremos os fatos: perguntem a uma empresa estrangeira
por que, de fato, ela está aqui, e
quase todas responderão que é
devido às vantagens tributárias. A combinação entre esse
fator e a estabilidade política do
país, sua força de trabalho capacitada e poliglota e sua infra-estrutura estável de transportes e telecomunicações é por
tudo isso que estamos aqui".
A Holanda abriga cerca de 20
mil "empresas de caixa postal",
a gíria empregada por aqui para
designar as empresas de fachada estabelecidas por companhias e indivíduos estrangeiros
que as empregam para reduzir
os impostos que pagam sobre
royalties, dividendos e juros, de
acordo com relatório do Centro
de Pesquisa de Empresas Multinacionais (Somo), uma organização sem fins lucrativos sediada em Amsterdã que monitora as práticas empresariais de
grandes grupos. Em termos
mundiais, cerca de 1.165 empresas usam a Holanda como
refúgio tributário para reduzir
ou eliminar os impostos que
deveriam pagar sobre royalties
e patentes, diz a Somo.
O relatório, que critica a
transformação da Holanda em
paraíso fiscal, diz que o número
de " "empresas de caixa postal"
vem crescendo rapidamente
nos últimos anos" e que as proteções tributárias solapam os
esforços dos governos de todo o
mundo para "garantir a criação
de um campo competitivo limpo, no qual cada país receba
proporção justa dos impostos
que lhe são devidos em função
de atividades comerciais empreendidas em seu território".
Bono
Muitas vezes mencionado
como candidato ao Prêmio Nobel da Paz ou, talvez menos seriamente, à presidência do
Banco Mundial, Bono, 46, o vocalista e líder do U2, já viajou
pela África em companhia de
importantes funcionários do
governo dos Estados Unidos
para fiscalizar as campanhas
contra a Aids e convive com financistas e governantes ao discursar contra a pobreza mundial no Fórum Econômico
Mundial, de Davos.
A riqueza do U2 também é
bastante viajada e, como os
Rolling Stones, o grupo descobriu modos sofisticados de encontrar abrigos internacionais
para seu dinheiro. Quando a Irlanda anunciou, no segundo
trimestre de 2006, que reduziria acentuadamente os benefícios fiscais que o país vinha
dando a músicos, pintores, escritores e escultores, a proposta representava ameaça ao U2,
que fez da Irlanda sua base financeira por quase três décadas. Os roqueiros, nascidos e
criados em Dublin, construíram sua fortuna com base em
canções de sucesso e, parcialmente, nas leis irlandesas que
perdoam os impostos devidos
sobre os royalties.
No ano passado, o U2 detinha
um patrimônio líquido de cerca
de US$ 908 milhões, de acordo
com a lista anual de pessoas
mais ricas do jornal britânico
"Sunday Times".
Em junho do ano passado,
quando as vantagens tributárias da Irlanda estavam a um
passo de expirar, o U2 seguiu o
conselho de Paul McGuinness,
que há muito tempo administra os negócios da banda, e
transferiu seu ativo mais lucrativo -um catálogo de composições com sucessos como "Where the Streets Have No Name" e
"It's A Beautiful Day"- da empresa de McGuinness, em Dublin, para o Promogroup, no coração da velha Amsterdã.
A sede do Promogroup fica
em uma casa de tijolos construída quatro séculos atrás para
abrigar mercadores de escravos
e comerciantes de especiarias.
Favie não respondeu a repetidos pedidos de entrevista. Até
agora, sua empresa não apresentou nenhuma informação
formal sobre o influxo de fundos vindos da U2 Ltd., a empresa holandesa que detém o controle sobre o catálogo da banda.
Em um bairro de Amsterdã
conhecido como "a milha das
finanças", não muito longe da
sede do Promogroup, empresas
holandesas como a TMF, EQ
Management Services e Fortis
Intertrust também atendem a
clientes endinheirados e apreciadores das vantagens exclusivas de um paraíso fiscal.
Em seu site, a Fortis alardeia
que seus clientes são "os maiores compositores, artistas e
personalidades como músicos
clássicos, artistas pop, DJs e
modelos". A empresa diz que se
especializa em oferecer "exploração de imagem eficiente em
termos tributários", entre outros serviços.
"Muitas das pessoas que trabalham em esportes sensíveis a
patrocínios estão procurando
esse tipo de serviço, como tenistas, jogadores de futebol",
disse Frank Lhoest, especialista em propriedade intelectual
na Fortis. O governo holandês
também está envolvido, e vem
negociando uma extensa rede
de tratados tributários com
países de todo o mundo que
tornam mais fácil transferir dinheiro de empresas holandesas
a subsidiárias estrangeiras e
criar mais incentivos fiscais.
"Para os músicos de fora dos
Estados Unidos que recebem
parte substancial de sua renda
de fontes de royalties não-americanas, o uso dos acordos de licenciamento cruzado vigentes
na Holanda ajuda a obter significativa economia de impostos", disse Jeffrey L. Rubinger,
do escritório Holland & Knight,
de Fort Lauderdale, Flórida.
As vantagens oferecidas pela
Holanda são simples. Royalties
transferidos ao país ou pagos a
uma holding holandesa estão
isentos de impostos. Ainda que
a alíquota nominal de imposto
paga pelas empresas do país seja de 30%, analistas dizem que
outras vantagens tributárias
conferidas reduzem essa carga
de maneira significativa.
"Para 90% das pessoas que
agem assim, a motivação para o
uso dessas estruturas é minimizar ou evitar impostos", disse Ton Smit, tributarista da Tax
Consultants International, empresa de Roterdã que atende a
celebridades, esportistas e empresas multinacionais.
Tolerância
Historicamente, a Holanda
sempre olhou para fora, construindo elos comerciais mundiais e criando a primeira Bolsa
de Valores do mundo, no século
17. Essa postura gerou generosidade, abertura e clemência,
que se tornaram lendárias. A
prostituição e algumas drogas
são regulamentadas, mas legais. Os benefícios sociais bancados pelo Estado são substanciais. O governo oferece créditos fiscais até mesmo a estudantes de bruxaria.
"Isso não é motivado apenas
por impostos. Trata-se da nossa cultura... Os holandeses são
comerciantes em todo o mundo", disse Smit.
Alguns especialistas vêem
um lado mais sombrio na transformação da Holanda em paraíso fiscal requisitado. Em 2000,
a OCDE (Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) apontou o
país como um dos cinco maiores paraísos fiscais entre as nações industrializadas e condenou seu governo por estimular
a "concorrência tributária" internacional, ou seja, a busca pela menor tributação.
A Holanda reforçou certas
regras, exigindo mais substância de empresas abertas no país
com o propósito único de reduzir ou eliminar impostos. Mas
analistas dizem que os problemas persistem.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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