São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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Marco da descoberta de petróleo vira favela

No local do 1º poço do país, na Bahia, cerca de 1.500 pessoas convivem com a miséria tendo sob os pés até 1 milhão de barris do produto

Para a ANP, poços em Lobato, na periferia de Salvador, só voltarão a ser utilizados se a comunidade apresentar um projeto

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Crianças de Lobato, na Bahia, local do 1º poço de petróleo do país e onde outdoor da Petrobras cita "sonho da auto-suficiência'


JANAINA LAGE
ENVIADA ESPECIAL A SALVADOR E AO RECÔNCAVO BAIANO

Petróleo é sinônimo de riqueza no mundo, mas não em Lobato, bairro da periferia de Salvador, no qual foi descoberto o primeiro poço de petróleo no país. Tendo sob os pés até 1 milhão de barris, cerca de 1.500 moradores de Lobato convivem com saneamento precário, desemprego e pobreza.
A descoberta de petróleo em Lobato ocorreu no final da década de 30, já durante a campanha pela nacionalização dos bens do subsolo. Um dos seus expoentes, o escritor Monteiro Lobato, antecipou, na ficção, a descoberta de petróleo no Brasil no livro "O Poço do Visconde", editado em 1937. Na época, os técnicos do governo ainda negavam a existência do chamado "ouro negro", como era conhecido à época, no país.
No livro, o personagem Visconde de Sabugosa estuda geologia e encontra petróleo no Sítio do Picapau Amarelo. O óleo passa a ser explorado pela "Companhia Donabetense de Petróleo" no poço "Caraminguá nº 1". Visconde afirma que no dia em que o Brasil tivesse petróleo, ele não veria mais "milhões de brasileiros descalços, analfabetos, andrajosos -na miséria".
A realidade acabou se mostrando menos rósea do que a ficção. O local considerado o marco zero na descoberta de petróleo no país -batizado com o sobrenome do escritor que o antecipou- tornou-se uma comunidade pobre, com taxa de criminalidade elevada e que há seis anos pede a construção de um posto de saúde.
Do papel que desempenhou no impulso à indústria petrolífera do país pouco restou em Lobato: uma réplica de um cavalo (equipamento usado para bombear petróleo), uma placa de cimento onde ficava o primeiro poço e um painel da Petrobras que diz: "Aqui começou o sonho da auto-suficiência".
Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo), ali ainda existem de 500 mil a 1 milhão de barris de petróleo. Os poços só voltarão a ser usados se a comunidade apresentar um projeto. Questionada sobre a possibilidade, a líder comunitária Adélia Lima, 54, afirma que "isso é coisa para a Petrobras". Segundo ela, o petróleo de Lobato deve continuar como "reserva para explorar no futuro".
Hoje a estatal é responsável por projetos de educação e constrói um restaurante para a comunidade. Segundo Lima, os moradores se organizaram para recuperar a história do lugar e atrair a atenção do governo.
"O abandono é impressionante. A favela começou a se formar na década de 70, depois que a produção de petróleo foi interrompida", disse. Segundo a associação de moradores, cerca de 1.500 pessoas vivem no entorno do primeiro poço. O bairro tem cerca de 20 mil pessoas, segundo a associação.
Em 1939, Lobato era uma fazenda. As suspeitas de que poderia haver petróleo no local começaram quando se descobriu que um grupo de pescadores usava uma "lama preta" para acender os candeeiros.
Os moradores afirmam que sete casas chegaram a ser construídas em cima de locais onde existiam poços de petróleo. Na casa da estudante Joelma Castro, 18, o poço fica entre o quarto e a cozinha. "Nós cimentamos tudo para ficar embaixo do piso. Há uns dois anos ainda saía petróleo", disse. Ela afirma que nunca cogitou negociar o petróleo que tinha sob os pés. "Não queremos vender a casa."
O engenheiro Manoel Inácio Bastos começou a fazer coletas nos anos 30 em Lobato. Procurou o presidente Getúlio Vargas em 1932 para mostrar a ocorrência de óleo. A perfuração do poço foi feita em 1939, logo após a criação do Conselho Nacional de Petróleo. A partir daí a exploração de petróleo ganhou fôlego na Bahia e permitiu a descoberta de outros campos no Recôncavo Baiano.


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