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São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2003

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TELEFONIA

Para Ralph Heinrich, do CPqD, mudanças tecnológicas recentes são responsáveis pela falta de roaming na Oi e TIM

Tecnologia segrega usuários de celulares

LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os usuários de celulares das operadoras Oi e TIM vivem uma espécie de segregação no Brasil. Se viajarem para Estados como Goiás ou Mato Grosso, seus aparelhos simplesmente não funcionarão, pois não há hoje operadoras que usam sua tecnologia GSM para fazer a interconexão (roaming). Essa situação é completamente oposta à que existia antes do segundo semestre de 2002, quando todos os celulares (com tecnologia CDMA ou TDMA) tinham interconexão no país graças à plataforma analógica, ainda hoje embutida nesses aparelhos.
A vinda do GSM ao Brasil parece, portanto, um recuo para quem quiser pensar em uma política nacional de telecomunicações.
Ralph Heinrich, 48, diretor de serviços tecnológicos de laboratório do CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações), considera, porém, que essa situação era inevitável. Isso porque as mudanças tecnológicas foram muito grandes nos últimos anos. O CPqD, antiga empresa de pesquisas da Telebrás, é atualmente uma companhia que, entre suas atividades, fornece softwares para operadoras fixas e de celulares. Na entrevista abaixo, concedida à Folha, Heinrich afirma que agora só o mercado pode novamente criar uma unidade nacional em telecomunicações.
A entrada do GSM, por outro lado, estimulou fabricantes, como a Telit, que investiu R$ 20 milhões em uma linha de montagem no interior de São Paulo de aparelhos para o novo sistema. A expectativa da Telit é a de que os negócios com GSM superem os de celulares CDMA e TDMA. Os aparelhos GSM têm chip destacável, que permite ao usuário trocar de celular sem perder dados.

Folha - Os celulares de operadoras que utilizam a tecnologia GSM não têm roaming em determinados Estados. Isso não é incompatível com uma política nacional de telecomunicações?
Ralph Heinrich -
É. Mas acontece que o Brasil viveu muitas fases na implantação da telefonia móvel que resultou nessa incompatibilidade de serviço. Em meados dos anos 90, pouco antes de sua privatização, a Telebrás decidiu segmentar sua operação celular. Havia na época uma disputa entre as tecnologias TDMA e CDMA. Eram fornecedores de TDMA e CDMA jogando pedra no outro, como acontece hoje entre os fornecedores GSM e CDMA. Vale lembrar que o TDMA transmite as ligações em três instantes de tempo, enquanto o CDMA trabalha de maneira contínua. Já o GSM é praticamente igual ao TDMA, mas trabalha com oito instantes na transmissão. Bom, em meados dos anos 90, a Telebrás decidiu não optar pelo CDMA ou TDMA. Cada empresa de celular da Telebrás, como a Telesp ou Telerj, pôde optar por uma ou outra tecnologia. O sistema analógico, que já existia e vinha embutido no CDMA e TDMA, garantiu o roaming nacional. Isso é uma peculiaridade brasileira. Além da Europa, que adotou o padrão GSM, não existem outros países com roaming nacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas estão acostumadas a deixar o celular no aeroporto e alugar outro na cidade onde desembarcarem.

Folha - O Brasil, portanto, não está dando um passo para trás com o fim do roaming nacional?
Heinrich -
Entendo que não. Essa mudança é consequência das grandes mudanças que ocorrem nas tecnologias. Na época que a Telebrás decidiu liberar o uso do CDMA e TDMA, não se sabia se uma tecnologia iria morrer ou não. Hoje o TDMA é uma tecnologia praticamente morta. Imagine o que teria acontecido se o Brasil tivesse optado apenas pelo TDMA.

Folha - Por que afinal o TDMA naufragou?
Heinrich -
Os fabricantes decidiram parar a fabricação de equipamentos de infra-estrutura para TDMA há dez anos, por questões mercadológicas. O CDMA se firmou como uma tecnologia mais conveniente. Agora as operadoras brasileiras, tanto as que usam GSM, CDMA ou aquelas que terão de deixar de usar o TDMA, estão trabalhando para ter uma cobertura nacional, com aquisições de empresas etc.
A TIM é a única empresa com licença para cobertura nacional. Mas ainda não está presente em vários Estados e cidades. Existem lugares onde ela está ainda presente com a tecnologia TDMA. Mas no futuro ela vai cativar o assinante dizendo: "olha, você viaja e fala com todo o Brasil com meu serviço nacional de GSM".

Folha - Quer dizer, a cobertura nacional ficou a cargo das empresas? Não seria um papel do Estado?
Heinrich -
Ficou a cargo das empresas. Acho a melhor solução. Se estivéssemos num modelo estatal, como a Telebrás, talvez fosse o caso, por uma questão de investimento de dinheiro público, fazer uma opção tecnológica. A disputa de hoje entre as tecnologias CDMA e GSM será decidida pelo mercado. Elas podem coexistir também. Vale lembrar o caso da disputa tecnológica entre o VHS e Betamax como padrão para o videocassete, nos anos 70. Ambos eram excepcionais. Mas o VHS foi empacotado em um modelo de negócios mais interessante e ganhou mercado. O Betamax desistiu, acabou morrendo. Uma tecnologia excepcional, mas o mercado disse não.

Folha - O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, enviou recentemente uma carta à Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] determinando que ela permita que as empresas e as tecnologias se desenvolvam livremente. O consumidor sai ganhando com isso?
Heinrich -
Sim. São as leis de mercado. A tecnologia não é algo determinante para um negócio, mas é um dos fatores importantes do modelo como um todo. Da mesma forma que um celular GSM tem aquele cartãozinho [chip] com dados do usuário que pode ser instalado em outro terminal, o CDMA tem outras características. As duas tecnologias têm ferramentas diferentes para transmissão de dados etc. Se a Oi e a TIM optaram pelo GSM, elas avaliaram os preços dos fornecedores e o que poderiam fazer com os equipamentos daquela plataforma para gerar serviço e dinheiro. A BrasilCel [joint venture da Telefônica com a Portugal Telecom] fez o mesmo com o CDMA.

Folha - A determinação da Anatel para que a nova geração de celulares funcione em 1,8 GHz (o que beneficia o GSM), deve ser então revista, a fim de que as operadoras possam optar pelo CDMA em 1,9 GHz?
Heinrich -
O CDMA poderia funcionar em 1,8 GHz, mas os fabricantes internacionais investiram em plataformas para 1,9 GHz e não mudarão para atender só o Brasil. Seria um gasto enorme. A posição do ministro Miro Teixeira, de querer permitir que as tecnologias se desenvolvam livremente [liberando o 1,9 GHz para o CDMA", parece democrática.

Folha - A terceira geração de celulares, que permite assistir vídeos, por exemplo, vai dar certo?
Heinrich -
O WCDMA, tecnologia de terceira geração do CDMA, e o UTMA, que é a versão do GSM, conversam entre si. Ambas utilizam o CDMA como base. Com isso não haveria problemas de roaming. Essas tecnologias, porém, não conversam com as atuais. E não há certeza que o consumidor vai querer pagar por celulares de terceira geração, que serão mais caros.

Folha - O sr. prevê um forte aquecimento nos negócios de telecomunicações neste ano?
Heinrich -
As operadoras estão neste primeiro semestre acertando parcerias e verificando os preços das tecnologias para fazer a grande mobilização no segundo semestre. Acredito que existe um bom mercado a ser conquistado pelas operadoras nas classes C e D. Mas é preciso que haja produtos baratos. Uma idéia que ainda não foi adotada é criar um celular que seja ao mesmo tempo pós e pré-pago. Os preços das ligações variariam conforme o horário. As chamadas pós-pagas são muito mais baratas que as pré-pagas.


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