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TELEFONIA
Para Ralph Heinrich, do CPqD, mudanças tecnológicas recentes são responsáveis pela falta de roaming na Oi e TIM
Tecnologia segrega usuários de celulares
LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os usuários de celulares das operadoras Oi e TIM vivem uma espécie de segregação no Brasil. Se viajarem para Estados como Goiás ou
Mato Grosso, seus aparelhos simplesmente não funcionarão, pois
não há hoje operadoras que usam
sua tecnologia GSM para fazer a
interconexão (roaming). Essa situação é completamente oposta à
que existia antes do segundo semestre de 2002, quando todos os
celulares (com tecnologia CDMA
ou TDMA) tinham interconexão
no país graças à plataforma analógica, ainda hoje embutida nesses
aparelhos.
A vinda do GSM ao Brasil parece, portanto, um recuo para quem
quiser pensar em uma política nacional de telecomunicações.
Ralph Heinrich, 48, diretor de
serviços tecnológicos de laboratório do CPqD (Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento em Telecomunicações), considera, porém, que
essa situação era inevitável. Isso
porque as mudanças tecnológicas
foram muito grandes nos últimos
anos. O CPqD, antiga empresa de
pesquisas da Telebrás, é atualmente uma companhia que, entre
suas atividades, fornece softwares
para operadoras fixas e de celulares. Na entrevista abaixo, concedida à Folha, Heinrich afirma que
agora só o mercado pode novamente criar uma unidade nacional
em telecomunicações.
A entrada do GSM, por outro lado, estimulou fabricantes, como a
Telit, que investiu R$ 20 milhões
em uma linha de montagem no interior de São Paulo de aparelhos
para o novo sistema. A expectativa
da Telit é a de que os negócios com
GSM superem os de celulares
CDMA e TDMA. Os aparelhos
GSM têm chip destacável, que permite ao usuário trocar de celular
sem perder dados.
Folha - Os celulares de operadoras
que utilizam a tecnologia GSM não
têm roaming em determinados Estados. Isso não é incompatível com
uma política nacional de telecomunicações?
Ralph Heinrich - É. Mas acontece
que o Brasil viveu muitas fases na
implantação da telefonia móvel
que resultou nessa incompatibilidade de serviço. Em meados dos
anos 90, pouco antes de sua privatização, a Telebrás decidiu segmentar sua operação celular. Havia na época uma disputa entre as
tecnologias TDMA e CDMA.
Eram fornecedores de TDMA e
CDMA jogando pedra no outro,
como acontece hoje entre os fornecedores GSM e CDMA. Vale
lembrar que o TDMA transmite as
ligações em três instantes de tempo, enquanto o CDMA trabalha de
maneira contínua. Já o GSM é praticamente igual ao TDMA, mas
trabalha com oito instantes na
transmissão. Bom, em meados
dos anos 90, a Telebrás decidiu
não optar pelo CDMA ou TDMA.
Cada empresa de celular da Telebrás, como a Telesp ou Telerj, pôde optar por uma ou outra tecnologia. O sistema analógico, que já
existia e vinha embutido no
CDMA e TDMA, garantiu o roaming nacional. Isso é uma peculiaridade brasileira. Além da Europa,
que adotou o padrão GSM, não
existem outros países com roaming nacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas estão
acostumadas a deixar o celular no
aeroporto e alugar outro na cidade
onde desembarcarem.
Folha - O Brasil, portanto, não está dando um passo para trás com o
fim do roaming nacional?
Heinrich - Entendo que não. Essa
mudança é consequência das
grandes mudanças que ocorrem
nas tecnologias. Na época que a
Telebrás decidiu liberar o uso do
CDMA e TDMA, não se sabia se
uma tecnologia iria morrer ou
não. Hoje o TDMA é uma tecnologia praticamente morta. Imagine
o que teria acontecido se o Brasil
tivesse optado apenas pelo
TDMA.
Folha - Por que afinal o TDMA naufragou?
Heinrich - Os fabricantes decidiram parar a fabricação de equipamentos de infra-estrutura para
TDMA há dez anos, por questões
mercadológicas. O CDMA se firmou como uma tecnologia mais
conveniente. Agora as operadoras
brasileiras, tanto as que usam
GSM, CDMA ou aquelas que terão
de deixar de usar o TDMA, estão
trabalhando para ter uma cobertura nacional, com aquisições de
empresas etc.
A TIM é a única empresa com licença para cobertura nacional.
Mas ainda não está presente em
vários Estados e cidades. Existem
lugares onde ela está ainda presente com a tecnologia TDMA. Mas
no futuro ela vai cativar o assinante dizendo: "olha, você viaja e fala
com todo o Brasil com meu serviço nacional de GSM".
Folha - Quer dizer, a cobertura nacional ficou a cargo das empresas?
Não seria um papel do Estado?
Heinrich - Ficou a cargo das empresas. Acho a melhor solução. Se
estivéssemos num modelo estatal,
como a Telebrás, talvez fosse o caso, por uma questão de investimento de dinheiro público, fazer
uma opção tecnológica. A disputa
de hoje entre as tecnologias
CDMA e GSM será decidida pelo
mercado. Elas podem coexistir
também. Vale lembrar o caso da
disputa tecnológica entre o VHS e
Betamax como padrão para o videocassete, nos anos 70. Ambos
eram excepcionais. Mas o VHS foi
empacotado em um modelo de
negócios mais interessante e ganhou mercado. O Betamax desistiu, acabou morrendo. Uma tecnologia excepcional, mas o mercado disse não.
Folha - O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, enviou recentemente uma carta à Anatel [Agência
Nacional de Telecomunicações] determinando que ela permita que as
empresas e as tecnologias se desenvolvam livremente. O consumidor
sai ganhando com isso?
Heinrich - Sim. São as leis de mercado. A tecnologia não é algo determinante para um negócio, mas
é um dos fatores importantes do
modelo como um todo. Da mesma forma que um celular GSM
tem aquele cartãozinho [chip]
com dados do usuário que pode
ser instalado em outro terminal, o
CDMA tem outras características.
As duas tecnologias têm ferramentas diferentes para transmissão de dados etc. Se a Oi e a TIM
optaram pelo GSM, elas avaliaram
os preços dos fornecedores e o que
poderiam fazer com os equipamentos daquela plataforma para
gerar serviço e dinheiro. A BrasilCel [joint venture da Telefônica
com a Portugal Telecom] fez o
mesmo com o CDMA.
Folha - A determinação da Anatel
para que a nova geração de celulares funcione em 1,8 GHz (o que beneficia o GSM), deve ser então revista, a fim de que as operadoras possam optar pelo CDMA em 1,9 GHz?
Heinrich - O CDMA poderia funcionar em 1,8 GHz, mas os fabricantes internacionais investiram
em plataformas para 1,9 GHz e
não mudarão para atender só o
Brasil. Seria um gasto enorme. A
posição do ministro Miro Teixeira, de querer permitir que as tecnologias se desenvolvam livremente [liberando o 1,9 GHz para o
CDMA", parece democrática.
Folha - A terceira geração de celulares, que permite assistir vídeos,
por exemplo, vai dar certo?
Heinrich - O WCDMA, tecnologia de terceira geração do CDMA,
e o UTMA, que é a versão do GSM,
conversam entre si. Ambas utilizam o CDMA como base. Com isso não haveria problemas de roaming. Essas tecnologias, porém,
não conversam com as atuais. E
não há certeza que o consumidor
vai querer pagar por celulares de
terceira geração, que serão mais
caros.
Folha - O sr. prevê um forte aquecimento nos negócios de telecomunicações neste ano?
Heinrich - As operadoras estão
neste primeiro semestre acertando parcerias e verificando os preços das tecnologias para fazer a
grande mobilização no segundo
semestre. Acredito que existe um
bom mercado a ser conquistado
pelas operadoras nas classes C e D.
Mas é preciso que haja produtos
baratos. Uma idéia que ainda não
foi adotada é criar um celular que
seja ao mesmo tempo pós e pré-pago. Os preços das ligações variariam conforme o horário. As chamadas pós-pagas são muito mais
baratas que as pré-pagas.
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