São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 2006

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ECONOMIA GLOBAL

BC do país anuncia mudança e deve começar a subir taxas; investidores podem querer repatriar investimentos

Japão abandona juro zero e preocupa mercado

Issei Kato/Reuters
Consumidoras japonesas caminham diante de farmácia com preços promocionais, em Tóquio


MARTIN FACKLER
DO "NEW YORK TIMES", EM TÓQUIO

Será que o Japão dará início a uma onda mundial de vendas nos mercados financeiros?
Os economistas desconsideram esses temores e os classificam como alarmistas. Mas a decisão do Banco do Japão (BoJ, o banco central japonês), ontem, por sete votos a um, de abandonar a política monetária extremamente frouxa que vinha mantendo há cinco anos gerou preocupações quanto a possíveis conseqüências para a economia mundial.
A decisão do BoJ foi vista como um primeiro passo em direção a uma alta nas taxas de juros de curto prazo japonesas, que estão perto de zero, e parecia refletir a confiança do banco quanto à sua capacidade de controlar a deflação.
Mas, como nenhum dos grandes bancos centrais mundiais adotou política monetária tão frouxa no passado, ninguém sabe qual é o melhor mecanismo para encerrar o ciclo de maneira suave. Alguns economistas dizem que tomar a decisão de encerrar o ciclo de política monetária frouxa pode ter sido a parte mais fácil do processo; agora, o banco precisa evitar ondas de choque que poderiam abalar a economia do país, que atravessa recuperação, e os mercados mundiais.
"São águas nunca dantes navegadas por um banco central", disse R. Glenn Hubbard, da Universidade Columbia (NY) e especialista em operações de bancos centrais. "Substituir a política causando o mínimo de perturbação será um exercício complicado."
O mundo vem esperando por essa decisão porque o aperto na política monetária do Japão porá fim a um dos grandes períodos de financiamento a baixíssimo custo na história moderna. A política foi adotada em 2001 como medida de emergência para inflacionar os preços e oferecer sustentação aos bancos do país, que estavam à beira do colapso. Mas ela também exerceu um efeito colateral inesperado: transformou o Japão numa imensa fonte de dinheiro a custo zero para o resto do mundo.
Com taxas de juros perto de zero por mais de cinco anos, os investidores japoneses, dos aposentados aos grandes bancos, adquiriram ações e papéis estrangeiros em busca de retornos mais elevados. Os mercados mundiais também receberam certo estímulo do chamado "carry trade", sob o qual investidores captavam dinheiro a custo baixo no Japão para investi-lo em outros países.
O medo é que esse fluxo possa se reverter subitamente caso os juros comecem a subir. Isso poderia causar problemas aos mercados internacionais porque japoneses talvez decidam começar a vender ações e títulos estrangeiros para repatriar seu capital.
Embora a maioria dos economistas considere essas preocupações exageradas, eles reconhecem que têm certa base, já que o Japão é grande comprador de papéis estrangeiros. Eles também alertam para o fato de que a ansiedade pode fazer com que as preocupações se tornem realidade, caso investidores nervosos comecem a agir preventivamente e decidam retirar seu dinheiro de determinados mercados financeiros.
"Existe um risco de que as pessoas reajam de maneira excessiva", disse Richard Jerram, economista da Macquarie Securities em Tóquio. "A carona de cinco anos pode estar chegando ao fim, ou pelo menos há esse medo."
O conselho de política monetária do BoJ definiu a mudança de sua política de "relaxamento quantitativo" após dois dias de reunião em Tóquio. Seu efeito prático era fornecer imenso volume de dinheiro aos bancos japoneses para ajudá-los a eliminar os prejuízos causados por maus empréstimos acumulados durante a década de 1990.
A política também mantinha as taxas de juros de curto prazo perto do zero na esperança de pôr fim a uma espiral de queda de preços. Preocupações quanto a um aperto monetário são uma constante no Japão desde que os juros de longo prazo no mercado de títulos japoneses começaram a subir, em meados de janeiro.
Um motivo para toda a ansiedade quanto ao comportamento dos investidores japoneses é a dimensão de suas posições no exterior. Os indivíduos e empresas japonesas detinham ativos externos no valor de US$ 915 bilhões, no final de 2004, segundo os dados oficiais mais recentes. E o ritmo do investimento externo japonês vinha crescendo bastante.
A decisão do banco também pode ter conseqüências sérias para a economia japonesa, com PIB de US$ 6,4 trilhões. Os críticos alertam para a possibilidade de que uma alta muito rápida dos juros sufoque a atual recuperação.
O BoJ temia que manter a política monetária relaxada por período prolongado demais pudesse gerar superaquecimento na economia em recuperação e possivelmente causasse inflação ou uma bolha nos mercados de ações.
Toshihiko Fukui, presidente do BoJ, afirmou repetidamente que gostaria de adotar uma política monetária mais "normal" tão logo os preços ao consumidor mostrassem alta sustentada, sinalizando o fim da deflação. Agora essa situação parece ter se tornado realidade, depois que os preços ao consumidor subiram em janeiro, pelo terceiro mês seguido.


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