São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2008

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Crescimento e desindustrialização


O desenvolvimento será "sustentado" enquanto nossas reservas não começarem a novamente cair

OS JORNAIS estão cheios de notícias agradáveis sobre a economia brasileira. O crescimento do PIB em 2007 foi superior a 5%, a dívida externa financeira zerou, a indústria está crescendo. A ortodoxia convencional conclui desses fatos, primeiro, que a política macroeconômica é correta; segundo, que não existe doença holandesa; terceiro, que afinal voltamos a nos desenvolver de forma sustentada.
Esses são três equívocos: a indústria cresce, mas a economia se desindustrializa devido à doença holandesa não neutralizada, e o equilíbrio das contas externas está novamente sendo perdido.
O crescimento não é conseqüência da política macroeconômica adotada, mas do enorme aumento das exportações e da política de salário mínimo e do Bolsa Família. Esses dois fatos elevaram respectivamente o mercado externo e interno, contrabalançando o tripé convencional "câmbio apreciado, juro alto e ajuste fiscal frouxo". As exportações foram puxadas pelo aumento dos preços das commodities, enquanto o mercado interno crescia graças a uma política de distribuição.
Nesse quadro, o crescimento industrial ocorre enquanto a doença holandesa se agrava. Não há contradição nessa frase. Afirmar que no Brasil não há doença holandesa quando vemos forte e sustentada apreciação do real sem grande prejuízo para as exportações é o mesmo que dizer que não há aumento das chuvas embora os rios estejam transbordando. O Brasil, graças a seus recursos abundantes e baratos, sempre teve doença holandesa, mas a neutralizava por meio de sistema de tarifas de importação e subsídios à exportação; desde 1990/92, deixou quase inteiramente de neutralizá-la, ocorrendo, em conseqüência, apreciação efetiva do real. A partir de 2002, a doença se agravou devido à melhoria das relações de troca que viabilizou uma taxa de câmbio ainda mais apreciada sem prejuízo para a exportação das commodities.
A desindustrialização está em marcha, mas é gradual, porque a gravidade da doença holandesa brasileira, medida pela diferença entre a taxa de câmbio que equilibra a conta corrente e a taxa de câmbio necessária para o desenvolvimento industrial, não é tão grande quanto a existente nos países grandes exportadores de petróleo. É gradual também porque tarifas de importação ainda protegem algumas indústrias, não lhes permitindo exportar, mas reservando-lhes o mercado interno. O gráfico confirma o que a teoria prevê. Desde 1990/92, quando deixamos de neutralizar a doença holandesa, a participação no total das exportações dos bens manufaturados e semimanufaturados não pára de cair. A indústria de transformação naturalmente cresceu nesse período, mas muito menos que a produção de bens básicos, e em grande parte graças ao mercado interno.
E quanto ao "desenvolvimento sustentado"? Estará sustentado enquanto os preços das commodities estiverem altos; enquanto o aumento do déficit em conta corrente não for explosivo, como já é o aumento das importações; e enquanto nossas reservas não começarem a novamente cair.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da FGV, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br


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