São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Quem controla as agências reguladoras?

GESNER OLIVEIRA

O governo Lula deverá apresentar sua proposta de Lei Geral das Agências Reguladoras na segunda-feira. A retomada do crescimento de forma sustentada requer o aperfeiçoamento do atual modelo, mas se corre o risco de grave retrocesso institucional.
A questão central reside na forma de controle a que as agências estarão submetidas. Embora tenha evoluído em relação às primeiras manifestações sobre o tema, o governo ainda não se livrou de uma visão centralizadora de mera subordinação das agências ao Executivo.
Os anteprojetos submetidos à consulta pública em 2003 reduziam o poder das agências mediante quatro mecanismos principais. Primeiro, ao estabelecer contratos de gestão subordinados à política governamental. Segundo, ao criar uma comissão interministerial que deveria acompanhar e avaliar o trabalho das agências, configurando na prática uma instância superior.
Terceiro, ao criar um ouvidor supostamente responsável pela qualidade de atendimento da agência, mas, na prática, um subordinado do presidente da República com poderes para interferir nos trabalhos técnicos. E, por fim, ao transferir o poder concedente das agências para os ministérios setoriais.
Mesmo depois de receber quase três centenas de sugestões e críticas aos anteprojetos, a maioria das quais propondo maior independência e fortalecimento dos reguladores, o governo deu a entender no início desta semana que a proposta ainda poderia ser piorada.
Cogitou-se eliminar a estabilidade e o mandato fixo dos presidentes das agências, bem como criar um esdrúxulo sistema de prêmios e punições às entidades reguladoras de acordo com o grau de cumprimento das metas dos contratos de gestão.
A gravidade de uma reforma centralizadora das agências transcende o sabido efeito econômico de inibição ao investimento. Um sistema de monopólios privados sem regulação independente pode ser ainda mais perverso do que o monopólio estatal do passado. A centralização em instâncias políticas dos ministérios de decisões cruciais para mercados de utilidades públicas dominados por operadores privados é um convite para a distribuição de favores e para a corrupção.
Em vez de privilegiar o controle político-governamental das agências reguladoras, melhor faria o governo em reforçar o controle democrático do trabalho das agências pelo Congresso e pela sociedade. A regulação moderna contém mecanismos nesse sentido, e alguns deles estão presentes, ainda que de forma tímida, em algumas das minutas do projeto governamental.
A noção básica é a de que decisões em áreas cruciais de mercados regulados devem ser tomadas por colegiados eminentemente técnicos que atuam fiscalizados pelos três Poderes e em estrita observância da legislação e máxima transparência. Definições sobre disputas envolvendo o compartilhamento de infra-estrutura, fusões e aquisições de empresas em telecomunicações, transportes e eletricidade, entre outros, requerem critérios técnicos claros e estáveis, relativamente imunes aos ciclos político-eleitorais.
A transparência institucional é essencial e pode ser obtida de diversas maneiras. A obrigatoriedade de disponibilização na internet das decisões e os pareceres e estudos técnicos que as sustentam; a prestação de contas sistemática mediante relatórios periódicos por parte dos reguladores; a previsão de audiências e consultas públicas para determinados assuntos; e o apoio técnico e financeiro efetivo às associações dos consumidores são todas maneiras já experimentadas no exterior e, de forma limitada, também no Brasil.
Esse é o controle desejável e legítimo sobre o trabalho dos reguladores. Nada seria mais oportuno na atual conjuntura do que adotá-lo de forma clara, sem subterfúgios, aprofundando e não tolhendo a independência das agências reguladoras.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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