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OPINIÃO ECONÔMICA
Quem controla as agências reguladoras?
GESNER OLIVEIRA
O governo Lula deverá
apresentar sua proposta de
Lei Geral das Agências Reguladoras na segunda-feira. A retomada
do crescimento de forma sustentada requer o aperfeiçoamento do
atual modelo, mas se corre o risco
de grave retrocesso institucional.
A questão central reside na forma de controle a que as agências
estarão submetidas. Embora tenha evoluído em relação às primeiras manifestações sobre o tema, o governo ainda não se livrou
de uma visão centralizadora de
mera subordinação das agências
ao Executivo.
Os anteprojetos submetidos à
consulta pública em 2003 reduziam o poder das agências mediante quatro mecanismos principais. Primeiro, ao estabelecer
contratos de gestão subordinados
à política governamental. Segundo, ao criar uma comissão interministerial que deveria acompanhar e avaliar o trabalho das
agências, configurando na prática uma instância superior.
Terceiro, ao criar um ouvidor
supostamente responsável pela
qualidade de atendimento da
agência, mas, na prática, um subordinado do presidente da República com poderes para interferir nos trabalhos técnicos. E, por
fim, ao transferir o poder concedente das agências para os ministérios setoriais.
Mesmo depois de receber quase
três centenas de sugestões e críticas aos anteprojetos, a maioria
das quais propondo maior independência e fortalecimento dos
reguladores, o governo deu a entender no início desta semana
que a proposta ainda poderia ser
piorada.
Cogitou-se eliminar a estabilidade e o mandato fixo dos presidentes das agências, bem como
criar um esdrúxulo sistema de
prêmios e punições às entidades
reguladoras de acordo com o grau
de cumprimento das metas dos
contratos de gestão.
A gravidade de uma reforma
centralizadora das agências
transcende o sabido efeito econômico de inibição ao investimento.
Um sistema de monopólios privados sem regulação independente
pode ser ainda mais perverso do
que o monopólio estatal do passado. A centralização em instâncias
políticas dos ministérios de decisões cruciais para mercados de
utilidades públicas dominados
por operadores privados é um
convite para a distribuição de favores e para a corrupção.
Em vez de privilegiar o controle
político-governamental das agências reguladoras, melhor faria o
governo em reforçar o controle
democrático do trabalho das
agências pelo Congresso e pela sociedade. A regulação moderna
contém mecanismos nesse sentido, e alguns deles estão presentes,
ainda que de forma tímida, em
algumas das minutas do projeto
governamental.
A noção básica é a de que decisões em áreas cruciais de mercados regulados devem ser tomadas
por colegiados eminentemente
técnicos que atuam fiscalizados
pelos três Poderes e em estrita observância da legislação e máxima
transparência. Definições sobre
disputas envolvendo o compartilhamento de infra-estrutura, fusões e aquisições de empresas em
telecomunicações, transportes e
eletricidade, entre outros, requerem critérios técnicos claros e estáveis, relativamente imunes aos
ciclos político-eleitorais.
A transparência institucional é
essencial e pode ser obtida de diversas maneiras. A obrigatoriedade de disponibilização na internet das decisões e os pareceres e
estudos técnicos que as sustentam; a prestação de contas sistemática mediante relatórios periódicos por parte dos reguladores; a
previsão de audiências e consultas públicas para determinados
assuntos; e o apoio técnico e financeiro efetivo às associações
dos consumidores são todas maneiras já experimentadas no exterior e, de forma limitada, também no Brasil.
Esse é o controle desejável e legítimo sobre o trabalho dos reguladores. Nada seria mais oportuno
na atual conjuntura do que adotá-lo de forma clara, sem subterfúgios, aprofundando e não tolhendo a independência das
agências reguladoras.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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