São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA

Indicado para presidir comissão defende rapidez a casos mais relevantes e diz ser difícil punir "informação privilegiada"

CVM deve ter agilidade seletiva, diz Trindade

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O advogado Marcelo Fernandez Trindade, 39, indicado para presidir a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), quer que a instituição seja mais ágil nos casos com maior repercussão no mercado, que envolvam um maior número de investidores, e tenha um empenho "normal" naqueles que sejam apenas disputa de acionistas. Trindade não citou exemplos, mas sinalizou que um dos casos relevantes, em análise na CVM desde junho de 2002, poderia ser o das perdas dos investidores em seis fundos administrados pelo Bank of America. Já em relação ao inquérito que corre na CVM desde 2001 de denúncia de remessas ilegais de recursos pelo Opportunity, Trindade diz que não sabe até que ponto se trata só de disputa entre acionistas.
Nessa entrevista à Folha, o futuro "xerife" do mercado, cujo nome ainda precisa ser aprovado em sabatina no Senado, fez uma defesa enfática da manutenção das ações preferenciais e diz que é muito difícil julgar os casos de "informação privilegiada".

Folha - Uma das maiores críticas que a CVM sofre é em relação à demora nas decisões. Como o sr. pretende dar mais agilidade à CVM?
Marcelo Trindade
- Não sei se há realmente lentidão. Às vezes, as pessoas acham que os casos não estão andando por não terem sido resolvidos. Isso não significa que eles não estejam andando. A demora dos processos muitas vezes tem a ver com a complexidade deles. A CVM precisa muitas vezes buscar informações de autoridades externas ou ainda analisar centenas de milhares de operações e, por isso, a prova demanda muito tempo. O que posso dizer é que acho, sim, que a gente tem de ser ágil nas respostas das questões que forem apresentadas. Essa agilidade não pode justificar nem superficialidade nem irresponsabilidade nas decisões. Por isso, a CVM tem de ser focada. Focar em alguns processos resultará em maior agilidade sem perda de qualidade. Agora, agilidade nem sempre significa condenação. É um outro clamor muito comum na opinião pública. Só que, muitas vezes, a agilidade da CVM será para dizer que não há nada de errado com a operação. O pior é ter um vácuo de informação.

Folha - Com o sr. classifica os casos em análise na CVM do Bank of America e do Opportunity?
Trindade
- No primeiro caso, há investidores reclamando que teriam sido lesados. Já no outro caso, quem teria sido lesado? Quando eu falo em foco, o importante é focar no caso que for mais importante para o mercado. Ou seja, para os investidores. Não sei se a CVM já está fazendo isso. Se um determinado caso dá mais notícia de jornal ou envolve pessoas mais importantes, não quer dizer que será ele a ser focado pela CVM. Será se tiver relevância para o mercado. Não sei se o caso do Bank of America seria o melhor exemplo. Não quero emitir opinião sobre nenhum caso. Pelo que sei do caso do Bank of America, por meio de leitura dos jornais, trata-se de um caso no qual investidores estão dizendo que foram lesados. O administrador não teria agido de acordo com o que disse que ia agir. Já o outro caso [do Opportunity], não sei até que ponto é o mesmo caso ou é um caso que tem grupos importantes brigando um com outro. A CVM vai ter que ser ágil nos casos mais importantes e normal nos outros.

Folha - Como o sr. enxerga as denúncias de informação privilegiada ("insider information")?
Trindade
- Trata-se de uma matéria muito difícil de ser provada tanto no Brasil como no exterior. A CVM tem todos os mecanismos, todos os meios à disposição para provar "insider information", mas é muito difícil de provar. Muitas pessoas não atuam com o próprio nome. Por isso, muitas vezes não se consegue provar se houve a informação privilegiada, apesar de ter havido um movimento suspeito no mercado.

Folha - O sr. acha que as ações preferenciais deveriam acabar?
Trindade
- Eu, particularmente, não sou a favor de acabar com a ação preferencial. Esse mecanismo que o Brasil tem hoje é um sistema muito bom para o futuro. Em muitos casos, o investidor não quer comprar ação ordinária. Ao mesmo tempo, há também o Novo Mercado da Bovespa, que abre a possibilidade de as companhias só serem negociadas com ações ordinárias. Se a lei proibir a emissão de ações preferenciais, estará evitando inúmeros negócios, inúmeros empreendedores, inúmeros investidores. Estará se matando o emprego, o crescimento.

Folha - O sr. acha a CVM omissa?
Trindade
- Ela julgou Bombril, julgou Boi Gordo. Ela aplicou as maiores multas no Brasil. A CVM tem um histórico de atuação ativa no mercado. Eu não concordo com a afirmação genérica de que a CVM é omissa, de que ela não atua ativamente. Eu, como advogado, sempre tive e continuo tendo muito medo da CVM. Nunca um cliente meu disse que estava tranqüilo porque sabe que a CVM não pune ninguém. O sentimento do mercado, das empresas, dos bancos é de muito respeito pela CVM, muito mais do que há alguns anos. Ninguém hoje peita a CVM. Ninguém faz uma operação sabendo que a CVM é contra.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Mercado de trabalho: Política industrial deve criar poucas vagas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.