São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

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MERCADO DE TRABALHO

Para especialistas, estímulo pode reduzir vulnerabilidade, mas terá efeito limitado na geração de empregos

Política industrial deve criar poucas vagas

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os R$ 3,61 bilhões reservados pela política industrial do governo a quatro setores específicos da economia poderão estimular a modernização da produção e a redução da vulnerabilidade do país. No entanto, deverão gerar pouquíssimos empregos.
Essa é a opinião de especialistas em indústria e mercado de trabalho que analisaram as medidas anunciadas pelo governo.
No total, foram destinados R$ 15,05 bilhões para estimular a produção. Aos setores de softwares, de semicondutores, de fármacos e de bens de capital foram reservados R$ 3,61 bilhões.
A maior parte do dinheiro virá de empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Capital intensivo
"A política industrial anunciada se destina a aumentar a competitividade da indústria, e não a gerar emprego. Os quatro setores beneficiados são intensivos em capital, e não em mão-de-obra", afirma David Kupfer, coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
No entanto, num país com taxas recordes de desemprego -na Grande São Paulo, de cada cinco trabalhadores um está sem emprego-, os especialistas entendem que a política industrial deveria também levar em conta as indústrias mais empregadoras.
"Como o governo está perdido quando se trata de políticas de desenvolvimento, acaba anunciando medidas isoladas. Se dependermos dessa política industrial para ter mais empregos, estamos "fritos'", diz Claudio Dedecca, professor do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), da Unicamp. "Mas o país precisa também estimular setores estratégicos".
Para os especialistas, o governo não erra ao dar atenção aos setores escolhidos porque isso reduz gastos e a vulnerabilidade das contas externas do país.
O Brasil gasta por ano, por exemplo, cerca de US$ 5 bilhões com a importação de semicondutores. A indústria de remédios importa cerca de 80% dos insumos que usa. Só com a compra de coquetéis anti-Aids, o governo gasta mais de R$ 1 milhão por dia. Esses dois setores têm pressão sobre a balança comercial.
Mas, segundo eles, o governo falha em não ter políticas mais agressivas para combater o desemprego. O pacote de medidas para incentivar o setor de infra-estrutura urbana, que deve absorver investimentos da ordem de US$ 20 bilhões neste ano, pode resultar em abertura de vagas. Mas os projetos ainda não foram colocados em prática.
"Não adianta disponibilizar R$ 10 milhões, R$ 20 milhões ou R$ 50 milhões, se não forem criadas condições para fazer com que esse dinheiro seja usado", afirma Artur Quaresma Filho, presidente do Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo). No setor de habitação, diz, os juros deveriam ser mais baixos e a população de menor poder aquisitivo deveria receber linhas de financiamento.
Mariano Laplane, professor do Neit (Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia), da Unicamp, diz que os setores escolhidos pelo governo "têm grande peso no déficit da balança comercial e são importantes para um país que quer ser competitivo nessas áreas". Segundo ele, esses setores criam poucos empregos, mas empregos qualificados. "A política industrial está certa, tem de dar condições competitivas ao país, mas também é necessária uma política de geração de emprego."
A Folha apurou que técnicos do BNDES se surpreenderam com a escolha pelo governo de somente quatro setores. Entendem que essas áreas são importantes e precisam de estímulo. Mas criticam o fato de o governo não ter colocado em prática, até agora, qualquer projeto para elevar o emprego num prazo mais curto. Na avaliação dos técnicos, o impacto dessa política industrial no mercado de trabalho será "pífio".
Os setores com mais potencial para criar empregos no país, segundo estudo do BNDES, são os de serviços (saúde, educação e lazer), o agropecuário, o de madeira e mobiliário, o de calçados, o de vestuário e a indústria do café. Já as indústrias de automóveis, caminhões e ônibus, de equipamentos eletrônicos, de produtos químicos e de artigos plásticos têm menor potencial para empregar.
Esse estudo considerou 41 setores da economia, a partir de dados do IBGE de 2001, atualizados em fevereiro deste ano. O banco considerou a hipótese de cada setor receber R$ 10 milhões.
Para o coordenador do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos), Clemente Ganz Lúcio, os investimentos nos setores escolhidos pelo governo são importantes porque têm efeito a longo prazo na renda dos trabalhadores.
"Quando executados [os investimentos], vão ter impacto na renda, uma vez que esses setores empregam pessoas qualificadas."
Para o especialista do Dieese, a política industrial pode ser comparada ao tratamento de um doente em estado terminal.
"Não vai salvar o paciente, mas vai atuar para investir em tecnologia e em novos recursos que impeçam outros pacientes de morrer da mesma doença", diz Lúcio.



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