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MERCADO DE TRABALHO
Para especialistas, estímulo pode reduzir vulnerabilidade, mas terá efeito limitado na geração de empregos
Política industrial deve criar poucas vagas
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os R$ 3,61 bilhões reservados
pela política industrial do governo a quatro setores específicos da
economia poderão estimular a
modernização da produção e a redução da vulnerabilidade do país.
No entanto, deverão gerar pouquíssimos empregos.
Essa é a opinião de especialistas
em indústria e mercado de trabalho que analisaram as medidas
anunciadas pelo governo.
No total, foram destinados R$
15,05 bilhões para estimular a
produção. Aos setores de softwares, de semicondutores, de fármacos e de bens de capital foram reservados R$ 3,61 bilhões.
A maior parte do dinheiro virá
de empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social).
Capital intensivo
"A política industrial anunciada
se destina a aumentar a competitividade da indústria, e não a gerar emprego. Os quatro setores
beneficiados são intensivos em
capital, e não em mão-de-obra",
afirma David Kupfer, coordenador do Grupo de Indústria e
Competitividade do Instituto de
Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
No entanto, num país com taxas
recordes de desemprego -na
Grande São Paulo, de cada cinco
trabalhadores um está sem emprego-, os especialistas entendem que a política industrial deveria também levar em conta as
indústrias mais empregadoras.
"Como o governo está perdido
quando se trata de políticas de desenvolvimento, acaba anunciando medidas isoladas. Se dependermos dessa política industrial
para ter mais empregos, estamos
"fritos'", diz Claudio Dedecca,
professor do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do
Trabalho), da Unicamp. "Mas o
país precisa também estimular setores estratégicos".
Para os especialistas, o governo
não erra ao dar atenção aos setores escolhidos porque isso reduz
gastos e a vulnerabilidade das
contas externas do país.
O Brasil gasta por ano, por
exemplo, cerca de US$ 5 bilhões
com a importação de semicondutores. A indústria de remédios importa cerca de 80% dos insumos
que usa. Só com a compra de coquetéis anti-Aids, o governo gasta
mais de R$ 1 milhão por dia. Esses
dois setores têm pressão sobre a
balança comercial.
Mas, segundo eles, o governo falha em não ter políticas mais
agressivas para combater o desemprego. O pacote de medidas
para incentivar o setor de infra-estrutura urbana, que deve absorver investimentos da ordem de
US$ 20 bilhões neste ano, pode resultar em abertura de vagas. Mas
os projetos ainda não foram colocados em prática.
"Não adianta disponibilizar R$
10 milhões, R$ 20 milhões ou R$
50 milhões, se não forem criadas
condições para fazer com que esse
dinheiro seja usado", afirma Artur Quaresma Filho, presidente
do Sinduscon-SP (Sindicato da
Indústria da Construção Civil do
Estado de São Paulo). No setor de
habitação, diz, os juros deveriam
ser mais baixos e a população de
menor poder aquisitivo deveria
receber linhas de financiamento.
Mariano Laplane, professor do
Neit (Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia), da Unicamp, diz que os setores escolhidos pelo governo "têm grande peso no déficit da balança comercial
e são importantes para um país
que quer ser competitivo nessas
áreas". Segundo ele, esses setores
criam poucos empregos, mas empregos qualificados. "A política
industrial está certa, tem de dar
condições competitivas ao país,
mas também é necessária uma
política de geração de emprego."
A Folha apurou que técnicos do
BNDES se surpreenderam com a
escolha pelo governo de somente
quatro setores. Entendem que essas áreas são importantes e precisam de estímulo. Mas criticam o
fato de o governo não ter colocado em prática, até agora, qualquer
projeto para elevar o emprego
num prazo mais curto. Na avaliação dos técnicos, o impacto dessa
política industrial no mercado de
trabalho será "pífio".
Os setores com mais potencial
para criar empregos no país, segundo estudo do BNDES, são os
de serviços (saúde, educação e lazer), o agropecuário, o de madeira
e mobiliário, o de calçados, o de
vestuário e a indústria do café. Já
as indústrias de automóveis, caminhões e ônibus, de equipamentos eletrônicos, de produtos químicos e de artigos plásticos têm
menor potencial para empregar.
Esse estudo considerou 41 setores da economia, a partir de dados
do IBGE de 2001, atualizados em
fevereiro deste ano. O banco considerou a hipótese de cada setor
receber R$ 10 milhões.
Para o coordenador do Dieese
(Departamento Intersindical de
Estudos Sócio-Econômicos), Clemente Ganz Lúcio, os investimentos nos setores escolhidos pelo
governo são importantes porque
têm efeito a longo prazo na renda
dos trabalhadores.
"Quando executados [os investimentos], vão ter impacto na renda, uma vez que esses setores empregam pessoas qualificadas."
Para o especialista do Dieese, a
política industrial pode ser comparada ao tratamento de um
doente em estado terminal.
"Não vai salvar o paciente, mas
vai atuar para investir em tecnologia e em novos recursos que impeçam outros pacientes de morrer da mesma doença", diz Lúcio.
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