São Paulo, sexta, 10 de abril de 1998

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ARTIGO
Polêmica absurda

LUIZ CARLOS ROBORTELLA
Tem sido incompreensivelmente criticada a recente lei 9.601, que possibilita contratar empregados por prazo determinado, por meio de acordo com o sindicato profissional.
Ela é acusada de ser inconstitucional, por instituir tratamento diferente entre trabalhadores, o que feriria o princípio da igualdade. É negada também sua eficácia para combater o desemprego.
As críticas são absolutamente injustas. Partem da falsa premissa de um mercado de trabalho homogêneo, embora seja cada vez mais heterogêneo, exigindo estrutrura legal oposta ao modelo tradicional, que protege todos os trabalhadores da mesma forma, como se fossem iguais. Nossa legislação trabalhista praticamente não faz diferença entre o executivo de alto salário e o humilde operário.
Isso contraria o mais elementar senso de justiça: por meio de uma igualdade puramente abstrata, cria-se uma desigualdade concreta. Ora, com as tendências atuais, até o universalmente respeitado princípio de "trabalho igual, salário igual" vai desaparecer, pois não haverá trabalhos com produtividade e eficiência rigorosamente idênticas, que justifiquem a igualdade salarial.
A desigualdade também se amplia pela tendência à individualização das condições de trabalho; o trabalhador, principalmente nos níveis mais altos, exige cláusulas específicas em seus contratos, assim como a empresa quer ser tratada na lei segundo seu tamanho (micro, pequena, média ou grande).
Nossa estrutura de proteção, que não admite essas desigualdades, gerou como subproduto o mercado informal de trabalho. Só há duas alternativas: contratar com todos os encargos, na forma da lei, ou com encargo nenhum. Entre o tudo e o nada não existem tipos particulares de contrato, com tratamento e custo diferenciados.
O moderno intervencionismo estatal busca reduzir o custo do trabalho, para estimular a geração de empregos e a competitividade, como se vê em muitas economias.
Esse estímulo se dá pela flexibilização dos direitos dos empregados, buscando compatibilizar a proteção com as necessidades de eficiência e competitividade da economia.
Não podemos mais nos aferrar à estabilidade no emprego, às funções rígidas, aos salários irreversíveis, à acumulação progressiva e permanente de conguistas.
A flexibilização se dá principalmente pela negociação entre empresários e sindicatos de trabalhadores. É o mais adequado instrumento de ajuste de todos os interesses.
Com isso, o sindicato deixa de se preocupar apenas com os que têm emprego e passa a zelar pelos desempregados, em verdadeira redistribuição de proteção.
Nesse cenário, o novo contrato por prazo determinado encontra enorme campo de aplicação e se afina com os rumos atuais do mercado de trabalho.
Aliás, contrato a prazo não é novidade nenhuma. Existem há muito tempo na legislação vários tipos: de experiência, de safra, de atividades transitórias etc.. Jamais foi declarada sua inconstitucionalidade, apesar de assinados diretamente entre o empregado e o empregador, sem nenhum controle sindical.
O contrato criado pela lei 9.601, contrariamente, valoriza a negociação coletiva, pois depende de acordo da empresa com o sindicato. Sem a concordância deste, não existe o novo contrato.
A lei promove a livre negociação entre capital e trabalho para criação de empregos. É um convite a que se faça uma real co-gestão do mercado de trabalho; aos sindicatos cabe aproveitá-la. Lembre-se de que só pode ser utilizada essa modalidade contratual para aumentar o quadro de funcionários; jamais para diminuí-lo.
O fato de ser um contrato especial, com redução de alguns direitos do empregado (depósito de 2% para o FGTS, com possibilidade de complemento livremente negociado, supressão da multa e do aviso prévio) e de contribuições sociais (que afetam mais as empresas e o governo federal), não o torna inconstitucional.
A CLT jamais concedeu aviso prévio nos contratos a prazo, por uma razão lógica: a rescisão é prefixada pelas partes.
Além disso, a Constituição autoriza a redução salarial dos empregados em atividade, mediante acordo com o sindicato. Se este pode negociar redução de salários de empregados antigos, com muito maior razão pode barganhar condições especiais de trabalho de empregados novos, para facilitar-lhes a obtenção de emprego. Essa é a verdadeira flexibilização negociada.
Enfim, não há mais lugar para utopias. Se a realidade é o desemprego e o mercado informal, a lei deve conter normas adequadas, combinando justiça e eficácia. Só assim será efetivamente útil à sociedade.


Luiz Carlos Amorim Robortella, 51, é advogado trabalhista, doutor em direito (USP), professor da Faculdade de Direito do Mackenzie (SP) e diretor da Academia Nacional de Direito do Trabalho.



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