São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Dois argumentos monetaristas

JOÃO SAYAD

No brasil , um cafezinho custa R$ 1, nos EUA, US$ 1, e na Europa, 1. Uma camisa esporte custa R$ 40 aqui, US$ 40 nos EUA e 40 na França. A vida está três vezes mais cara no exterior do que no Brasil. Então, por que se afirma que a taxa cambial está errada?
Quando acabou a Primeira Guerra Mundial, em 1918, a "boa doutrina" afirmava que a prosperidade do mundo poderia ser restabelecida apenas com a volta do regime de taxas cambiais fixas. Assim como hoje, a "boa doutrina" propõe que, controlados déficit público e inflação, o país volta a crescer.
Para voltar a crescer, segundo a doutrina de 1918, bastaria medir a inflação ocorrida durante a guerra, corrigir todas as taxas cambiais e pronto: o comércio internacional seria restabelecido, o desemprego diminuiria e a inflação seria controlada.
O resultado foi um desastre -hiperinflação nos países sob a influência do marco alemão, desemprego na Inglaterra, falências bancárias e a Grande Depressão de 1930, que durou dez anos.
No caso da Inglaterra, a taxa cambial ficou sobrevalorizada e o desemprego aumentou. Tanto foi assim que os monetaristas, sempre instigantes, sugeriram que a teoria keynesiana, tão complicada e preocupada em reduzir o desemprego, não precisaria ter sido escrita. Bastaria corrigir a taxa cambial da libra com relação às outras moedas e o desemprego seria corrigido.
O preço de uma moeda reflete não apenas os preços dos produtos nacionais relativamente aos preços internacionais. Depende também dos preços das ações e do interesse em investir no país. Isto é, depende não apenas da balança comercial mas também do balanço de capitais. A Inglaterra saía da guerra com dívidas e problemas no balanço de capitais e precisava ter fixado uma taxa cambial mais alta.
No mundo globalizado, como agora e no início do século 20, a taxa cambial é preço parecido com o preço das ações, dos imóveis ou dos quadros de artistas mortos e consagrados. Depende apenas da demanda, isto é, das expectativas e gostos dos compradores.
Uma parte da taxa cambial é pura aposta, preço do "futuro" que pode ser alto ou baixo se todos compartilham das mesmas expectativas otimistas ou pessimistas. Enquanto acreditam, o preço sobe e todos se acham espertos porque acertaram. Até que um esperto desconfia de que o preço está exagerado, de que os lucros da empresa de internet não vão surgir nunca e resolve vender antes do que os outros. E a bolha explode.
No caso da taxa cambial, é a mesma coisa. O valor depende de dois conjuntos de preço:
a) das mercadorias e do superávit comercial, como o preço das ações depende do lucro ocorrido (nesse caso, o dinheiro brasileiro vai bem);
b) do preço do futuro do país -das perspectivas de crescimento, da evolução da dívida interna (há dez anos que esperamos que caia no ano seguinte), da estabilidade política, da Rocinha e das CPIs.
No início do Plano Real, o Brasil era considerado a "bola da vez" -a inflação tinha acabado, as privatizações estavam por ser feitas e a demanda pelo real era elevada como a demanda por ações de empresas promissoras (como a Amazon.com, ou as empresas da "nova economia", ou as empresas de internet e TV a cabo que prometeram lucros que nunca aconteceram). Entrou muito capital estrangeiro no país, e o real se valorizou. A taxa cambial chegou a US$ 0,85, e o Banco Central não apenas deixou que caísse como aumentou as taxas de juros, acentuando a queda.
Em 2003 e até agora, a taxa cambial caiu porque a taxa de juros americana é de 1% ao ano, porque o mundo está, mais uma vez, nadando em dólares, e a China, comprando de tudo cada vez mais. Mas o país não é o paraíso dos investimentos estrangeiros e está endividado em dólares.
O Banco Central, responsável pela taxa cambial "livre" de mercado, deveria ter especulado, isto é, comprado dólares em 2003, quando estavam baratos, e acumulado reservas para evitar a desvalorização cambial maior quando a taxa de juros americana se elevasse.
O Banco Central fez ao contrário, especulou de forma desestabilizadora -fixou juros muito altos, resgatou pouca dívida indexada em dólares e acumulou poucas reservas. Fez igual a 1994.
Agora, a taxa cambial brasileira está ameaçada pela China, pelos juros americanos e pela sabedoria aflita dos economistas de bancos estrangeiros que escrevem relatórios sobre o país.
Novamente, o professor Friedman, monetarista e da Universidade de Chicago, tem um argumento instigante -a especulação feita pelo mercado é estabilizadora. Porque os especuladores privados perdem dinheiro quando erram e ganham dinheiro quando acertam. Os especuladores que erram pedem falência, desaparecem e não amolam mais. Sobram apenas os bons especuladores, que sempre acertam.
Especuladores oficiais, quando erram, isto é, quando compram na hora de vender e vendem na hora de comprar, não perdem dinheiro e não saem do mercado. Pois os erros dos especuladores oficiais são financiados com dívida pública paga com superávit primário pago por todos nós.


João Sayad, 57, economista, é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail - jsayad@attglobal.net


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