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OPINIÃO ECONÔMICA
Dois argumentos monetaristas
JOÃO SAYAD
No brasil , um cafezinho
custa R$ 1, nos EUA, US$ 1, e
na Europa, 1. Uma camisa esporte custa R$ 40 aqui, US$ 40
nos EUA e 40 na França. A vida
está três vezes mais cara no exterior do que no Brasil. Então, por
que se afirma que a taxa cambial
está errada?
Quando acabou a Primeira
Guerra Mundial, em 1918, a "boa
doutrina" afirmava que a prosperidade do mundo poderia ser restabelecida apenas com a volta do
regime de taxas cambiais fixas.
Assim como hoje, a "boa doutrina" propõe que, controlados déficit público e inflação, o país volta
a crescer.
Para voltar a crescer, segundo a
doutrina de 1918, bastaria medir
a inflação ocorrida durante a
guerra, corrigir todas as taxas
cambiais e pronto: o comércio internacional seria restabelecido, o
desemprego diminuiria e a inflação seria controlada.
O resultado foi um desastre
-hiperinflação nos países sob a
influência do marco alemão, desemprego na Inglaterra, falências
bancárias e a Grande Depressão
de 1930, que durou dez anos.
No caso da Inglaterra, a taxa
cambial ficou sobrevalorizada e o
desemprego aumentou. Tanto foi
assim que os monetaristas, sempre instigantes, sugeriram que a
teoria keynesiana, tão complicada e preocupada em reduzir o desemprego, não precisaria ter sido
escrita. Bastaria corrigir a taxa
cambial da libra com relação às
outras moedas e o desemprego seria corrigido.
O preço de uma moeda reflete
não apenas os preços dos produtos nacionais relativamente aos
preços internacionais. Depende
também dos preços das ações e do
interesse em investir no país. Isto
é, depende não apenas da balança comercial mas também do balanço de capitais. A Inglaterra
saía da guerra com dívidas e problemas no balanço de capitais e
precisava ter fixado uma taxa
cambial mais alta.
No mundo globalizado, como
agora e no início do século 20, a
taxa cambial é preço parecido
com o preço das ações, dos imóveis ou dos quadros de artistas
mortos e consagrados. Depende
apenas da demanda, isto é, das
expectativas e gostos dos compradores.
Uma parte da taxa cambial é
pura aposta, preço do "futuro"
que pode ser alto ou baixo se todos compartilham das mesmas
expectativas otimistas ou pessimistas. Enquanto acreditam, o
preço sobe e todos se acham espertos porque acertaram. Até que
um esperto desconfia de que o
preço está exagerado, de que os
lucros da empresa de internet não
vão surgir nunca e resolve vender
antes do que os outros. E a bolha
explode.
No caso da taxa cambial, é a
mesma coisa. O valor depende de
dois conjuntos de preço:
a) das mercadorias e do superávit comercial, como o preço das
ações depende do lucro ocorrido
(nesse caso, o dinheiro brasileiro
vai bem);
b) do preço do futuro do país
-das perspectivas de crescimento, da evolução da dívida interna
(há dez anos que esperamos que
caia no ano seguinte), da estabilidade política, da Rocinha e das
CPIs.
No início do Plano Real, o Brasil
era considerado a "bola da vez"
-a inflação tinha acabado, as
privatizações estavam por ser feitas e a demanda pelo real era elevada como a demanda por ações
de empresas promissoras (como a
Amazon.com, ou as empresas da
"nova economia", ou as empresas
de internet e TV a cabo que prometeram lucros que nunca aconteceram). Entrou muito capital
estrangeiro no país, e o real se valorizou. A taxa cambial chegou a
US$ 0,85, e o Banco Central não
apenas deixou que caísse como
aumentou as taxas de juros, acentuando a queda.
Em 2003 e até agora, a taxa
cambial caiu porque a taxa de juros americana é de 1% ao ano,
porque o mundo está, mais uma
vez, nadando em dólares, e a China, comprando de tudo cada vez
mais. Mas o país não é o paraíso
dos investimentos estrangeiros e
está endividado em dólares.
O Banco Central, responsável
pela taxa cambial "livre" de mercado, deveria ter especulado, isto
é, comprado dólares em 2003,
quando estavam baratos, e acumulado reservas para evitar a
desvalorização cambial maior
quando a taxa de juros americana se elevasse.
O Banco Central fez ao contrário, especulou de forma desestabilizadora -fixou juros muito altos, resgatou pouca dívida indexada em dólares e acumulou poucas reservas. Fez igual a 1994.
Agora, a taxa cambial brasileira está ameaçada pela China, pelos juros americanos e pela sabedoria aflita dos economistas de
bancos estrangeiros que escrevem
relatórios sobre o país.
Novamente, o professor Friedman, monetarista e da Universidade de Chicago, tem um argumento instigante -a especulação
feita pelo mercado é estabilizadora. Porque os especuladores privados perdem dinheiro quando
erram e ganham dinheiro quando acertam. Os especuladores que
erram pedem falência, desaparecem e não amolam mais. Sobram
apenas os bons especuladores,
que sempre acertam.
Especuladores oficiais, quando
erram, isto é, quando compram
na hora de vender e vendem na
hora de comprar, não perdem dinheiro e não saem do mercado.
Pois os erros dos especuladores
oficiais são financiados com dívida pública paga com superávit
primário pago por todos nós.
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net
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