São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

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Real acompanha o preço de commodities

Desde o fundo do poço, moeda brasileira e índice que mede o preço de 19 matérias-primas obtêm a mesma valorização

Para especialistas, câmbio deixou de refletir o risco e juros brasileiros e passou a espelhar mais questões como poder de compra nos EUA

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais do que a entrada e a saída de recursos externos, a moeda brasileira passou a flutuar nas semanas de recuperação dos mercados ao sabor da variação do preço de commodities minerais e agrícolas que nem fazem parte da pauta de exportação do Brasil.
A variação tem sido tão próxima que o real virou uma espécie de "espelho" do principal índice de commodities do mundo, o CRB da Reuters, indicador criado em 1956 para medir o preço de 19 matérias-primas como cobre, níquel, trigo, petróleo e soja, entre outros.
Desde o "fundo do poço" do real -quando o dólar atingiu o pico de R$ 2,51 (4 de dezembro)- até sexta, a recuperação da moeda brasileira tinha sido de 21,36%. Trata-se praticamente da mesma variação de 21,56% do CRB desde o seu próprio piso, em janeiro.
Ou seja, o principal preço do Brasil -o valor de sua moeda- passou a ser determinado também fora do país, segundo fatores como oferta e demanda por matérias-primas na China e no restante do mundo, que serão utilizados em uma eventual recuperação da economia global.
O movimento contrasta com a história econômica recente, em que a moeda brasileira refletia a solvência do país e a taxa de juros estipulada para enfrentar a situação.
O fato de o Brasil ser um dos maiores produtores mundiais de matérias-primas não explica inteiramente esse relacionamento estreito do real com o preço de commodities, segundo especialistas. O movimento está mais ligado à diminuição do poder de compra do dólar americano em relação a uma cesta de moedas (da qual o Brasil faz parte), que aumenta a procura por ativos reais, como as commodities. No caso, o Brasil recebe dinheiro antes dos demais países -e tem preços de moeda e ações elevados- porque enfrenta bem a crise, deve sair primeiro da recessão e apresenta hoje boas oportunidades de investimento.
"Com juro nominal zero [nos EUA], não tem moeda que resista. Quando o dólar perde valor, o preço da commodity sobe. Se acho que a recessão vai acabar e quero comprar alguma coisa, o Brasil é um excelente candidato. Vide a Bovespa, que está com 37% de alta no ano", diz João Mascolo, professor do Insper (ex-Ibmec-SP).
"Não é a primeira vez que isso acontece. O fumo já foi mais importante do que o ouro no início do século 19. Principalmente em época de alta volatilidade, há procura por commodities. Elas viraram meio que moeda", afirma Nathan Blanche, especialista em câmbio da Tendências Consultoria.
Para Blanche, a solidez do país diminuiu o peso que incertezas em relação à situação fiscal e ao endividamento tinham na taxa de câmbio brasileira.

Previsibilidade
A correlação do real com a variação das commodities é tão alta -e chega a ser tão previsível- que permite aos fundos de hedge globais montarem operações prevendo ganhos apenas com a arbitragem cambial.
Trata-se de uma nova roupagem de uma das operações especulativas mais comuns feitas com foco no Brasil nos anos de bonança, conhecida como "carry trade" -o investidor obtinha empréstimo com juros baixos em países como o Japão e aplicava no Brasil, embolsando o diferencial de juros.
Dessa vez, a maior oportunidade de ganho se dá com a variação cambial. Um investidor que trouxe dólares quando o câmbio estava em R$ 2,44, no dia 2 de março, faturou 18% em pouco mais de dois meses.
"O dólar é uma moeda de "carry trade" hoje em dia porque o juro americano está muito baixo. Faço empréstimo nos EUA, pego dólar, vendo, vou comprar coisas em algum lugar do mundo. O camarada bota dinheiro aqui, o real se aprecia, ele ganha um juro mais alto do que lá fora e ainda ganha na moeda", disse Mascolo.
Para Sidnei Nehme, diretor da corretora NGO, o "carry trade" só acontece porque o país reúne condições únicas, entre os demais emergentes, para propiciar a entrada e a saída de capital estrangeiro com segurança: tem muita liquidez e um mercado de derivativos desenvolvido, o que abre a possibilidade de arbitragens e permite proteger o capital de eventuais variações indesejadas.


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