São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

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Choque de realidade

Ao entrarem no mercado de trabalho, alunos formados em administração por universidade para negros mudam empresas e sentem o peso da diferença

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

O administrador de empresas Luiz Henrique Ferreira, 32, prefere ser chamado simplesmente de Luiz Preto. Ele se lembra bem dos primeiros dias como estagiário no Bradesco, em 2005. "Quando o grupo circulava pelos prédios, as pessoas pensavam que éramos uma comitiva de algum país africano fazendo uma visita", ri, contando como chamava a atenção a turma de 30 estudantes da Faculdade da Cidadania Zumbi dos Palmares que começaram a trabalhar no banco por meio de um convênio firmado com a instituição de ensino. Com orgulho, Preto conta que foi efetivado dois anos depois e agora espera uma promoção.
A sua trajetória representa bem a entrada no mercado de trabalho da primeira turma de administradores formada pela Unipalmares -cuja missão é inserir os negros no nível superior de educação. Graduados em março do ano passado, os ex-alunos relatam que o início da carreira foi marcado por dois choques de realidade: o do mundo corporativo que os recebeu e o deles próprios.
São poucos os negros que ocupam funções administrativas nas empresas brasileiras. Em altos cargos, menos ainda -segundo pesquisa do Ibope e do Instituto Ethos realizada em 2007, mal atingem 3,5%. Daí o estranhamento que surge no ambiente corporativo quando a miscigenação aumenta.
Por isso, devido à parceria com a faculdade -o pioneiro foi o Itaú-, as instituições financeiras passaram a preparar seus funcionários para lidar com a nova realidade de escritórios mais coloridos.
"Tem de haver treinamento, conversa, esforço de comunicação interna para que sejam incorporados novos valores", afirma Mário Sérgio Vasconcelos, diretor de relações institucionais da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
"É interessante observar que, conforme vão entendendo como funciona, os colaboradores se oferecem para ajudar no programa, criando uma onda positiva. Acreditamos que, num prazo de três a cinco anos, essa cultura da diversidade estará razoavelmente desenvolvida", afirma Vasconcelos.

Contabilizando ganhos
José Vicente, reitor da Unipalmares, bateu à porta da Febraban para propor uma atuação conjunta quatro anos atrás. "Procuramos as instituições financeiras porque, se o nosso desejo era incluir os negros, deveríamos começar pelas empresas fortes, que mais empregavam, pois assim elas serviriam de exemplo para as outras. Além disso, também precisávamos entregar os meninos e as meninas a quem pudesse ajudar na sua qualificação."
Houve uma certa resistência, no princípio, porque os gestores não achavam que havia diferenciação entre os profissionais que contratavam.
"Diziam que não importava se o candidato era azul ou verde, o único critério de seleção era a competência. No entanto só havia brancos em suas salas. Convenceram-se, pois perceberam que, seja qual for a sua opinião sobre cotas raciais, ações com o objetivo de diminuir o fosso social são sempre positivas", considera Vicente.
A iniciativa tornou-se uma porta para a entrada de negros nos bancos e é vista pelo Ministério Público do Trabalho como um passo importante para que os quadros de pessoal fiquem mais equilibrados.
Após entrar com cinco ações civis públicas contra os maiores bancos do Distrito Federal (Bradesco, HSBC, Itaú, Real e Unibanco) por discriminação de trabalhadores, em 2007 -e perder nas duas primeiras instâncias-, o procurador-geral, Otavio Brito Lopes, viu a Febrabran aderir, no ano seguinte, ao projeto de promoção de igualdade de oportunidades lançado por ele.

Realidades
Segundo as contas de Ednilson Nascimento Martiniano, 34, que entrou no Citibank por meio do convênio e fez do projeto o tema da sua monografia de conclusão da graduação, 70% de todos os estudantes da faculdade que participaram tinham se tornado funcionários efetivos dos bancos na época da colação de grau.
Cerca de metade dos 123 alunos que se formaram em 2008 passou na seleção -bastante rígida, destacam- e conseguiu virar estagiários das instituições financeiras. Para os demais, a luta por uma boa vaga mostrou-se muito mais dura. Eis aí o baque que os estudantes sentiram, por sua vez. "Ainda é preciso mudar a visão das companhias dos outros setores", comenta Andressa Assunção, 25, há oito meses na Gelre, empresa do setor de recursos humanos.
Mesmo assim, são poucos os que se encontram desempregados. É o curso universitário que faz toda a diferença nesse caso, afirma Lúcia Garcia, especialista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) em mercado de trabalho.
"Na faixa dos 25 aos 39 anos, verifica-se a maior taxa de desemprego, perto de 15%. Analisando o conjunto dos que possuem educação superior, a porcentagem cai para 7%", diz Garcia. "As empresas valorizam a formação. Por esse motivo, o incentivo à escolaridade é uma importante política para a promoção da população negra."
A mudança que o estudo traz irradia pela família que o jovem tem e impulsiona a que vai ter. "Ele pode dar conforto aos pais e planejar um futuro melhor para os seus filhos. Várias gerações se beneficiam."
Em todos os segmentos, a partir do instante em que ocupam um posto, os negros se sentem na obrigação de provar a sua capacidade. "Temos que nos esforçar o dobro dos outros, ser os melhores, para mostrar o nosso talento", afirma Renata da Silva Santos Barbosa, 26, que está no Citibank.


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