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Choque de realidade
Ao entrarem no mercado de trabalho, alunos formados em administração
por universidade para negros mudam empresas e sentem o peso da diferença
DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL
O administrador de empresas Luiz Henrique Ferreira, 32,
prefere ser chamado simplesmente de Luiz Preto. Ele se
lembra bem dos primeiros dias
como estagiário no Bradesco,
em 2005. "Quando o grupo circulava pelos prédios, as pessoas
pensavam que éramos uma comitiva de algum país africano
fazendo uma visita", ri, contando como chamava a atenção a
turma de 30 estudantes da Faculdade da Cidadania Zumbi
dos Palmares que começaram a
trabalhar no banco por meio de
um convênio firmado com a
instituição de ensino. Com orgulho, Preto conta que foi efetivado dois anos depois e agora
espera uma promoção.
A sua trajetória representa
bem a entrada no mercado de
trabalho da primeira turma de
administradores formada pela
Unipalmares -cuja missão é
inserir os negros no nível superior de educação. Graduados
em março do ano passado, os
ex-alunos relatam que o início
da carreira foi marcado por
dois choques de realidade: o do
mundo corporativo que os recebeu e o deles próprios.
São poucos os negros que
ocupam funções administrativas nas empresas brasileiras.
Em altos cargos, menos ainda
-segundo pesquisa do Ibope e
do Instituto Ethos realizada em
2007, mal atingem 3,5%. Daí o
estranhamento que surge no
ambiente corporativo quando a
miscigenação aumenta.
Por isso, devido à parceria
com a faculdade -o pioneiro
foi o Itaú-, as instituições financeiras passaram a preparar
seus funcionários para lidar
com a nova realidade de escritórios mais coloridos.
"Tem de haver treinamento,
conversa, esforço de comunicação interna para que sejam incorporados novos valores",
afirma Mário Sérgio Vasconcelos, diretor de relações institucionais da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
"É interessante observar
que, conforme vão entendendo
como funciona, os colaboradores se oferecem para ajudar no
programa, criando uma onda
positiva. Acreditamos que,
num prazo de três a cinco anos,
essa cultura da diversidade estará razoavelmente desenvolvida", afirma Vasconcelos.
Contabilizando ganhos
José Vicente, reitor da Unipalmares, bateu à porta da Febraban para propor uma atuação conjunta quatro anos atrás.
"Procuramos as instituições financeiras porque, se o nosso
desejo era incluir os negros, deveríamos começar pelas empresas fortes, que mais empregavam, pois assim elas serviriam de exemplo para as outras.
Além disso, também precisávamos entregar os meninos e as
meninas a quem pudesse ajudar na sua qualificação."
Houve uma certa resistência,
no princípio, porque os gestores não achavam que havia diferenciação entre os profissionais que contratavam.
"Diziam que não importava
se o candidato era azul ou verde, o único critério de seleção
era a competência. No entanto
só havia brancos em suas salas.
Convenceram-se, pois perceberam que, seja qual for a sua
opinião sobre cotas raciais,
ações com o objetivo de diminuir o fosso social são sempre
positivas", considera Vicente.
A iniciativa tornou-se uma
porta para a entrada de negros
nos bancos e é vista pelo Ministério Público do Trabalho como
um passo importante para que
os quadros de pessoal fiquem
mais equilibrados.
Após entrar com cinco ações
civis públicas contra os maiores bancos do Distrito Federal
(Bradesco, HSBC, Itaú, Real e
Unibanco) por discriminação
de trabalhadores, em 2007 -e
perder nas duas primeiras instâncias-, o procurador-geral,
Otavio Brito Lopes, viu a Febrabran aderir, no ano seguinte, ao projeto de promoção de
igualdade de oportunidades
lançado por ele.
Realidades
Segundo as contas de Ednilson Nascimento Martiniano,
34, que entrou no Citibank por
meio do convênio e fez do projeto o tema da sua monografia
de conclusão da graduação,
70% de todos os estudantes da
faculdade que participaram tinham se tornado funcionários
efetivos dos bancos na época da
colação de grau.
Cerca de metade dos 123 alunos que se formaram em 2008
passou na seleção -bastante rígida, destacam- e conseguiu
virar estagiários das instituições financeiras. Para os demais, a luta por uma boa vaga
mostrou-se muito mais dura.
Eis aí o baque que os estudantes sentiram, por sua vez. "Ainda é preciso mudar a visão das
companhias dos outros setores", comenta Andressa Assunção, 25, há oito meses na Gelre,
empresa do setor de recursos
humanos.
Mesmo assim, são poucos os
que se encontram desempregados. É o curso universitário que
faz toda a diferença nesse caso,
afirma Lúcia Garcia, especialista do Dieese (Departamento
Intersindical de Estatísticas e
Estudos Socioeconômicos) em
mercado de trabalho.
"Na faixa dos 25 aos 39 anos,
verifica-se a maior taxa de desemprego, perto de 15%. Analisando o conjunto dos que possuem educação superior, a porcentagem cai para 7%", diz Garcia. "As empresas valorizam a
formação. Por esse motivo, o
incentivo à escolaridade é uma
importante política para a promoção da população negra."
A mudança que o estudo traz
irradia pela família que o jovem
tem e impulsiona a que vai ter.
"Ele pode dar conforto aos pais
e planejar um futuro melhor
para os seus filhos. Várias gerações se beneficiam."
Em todos os segmentos, a
partir do instante em que ocupam um posto, os negros se
sentem na obrigação de provar
a sua capacidade. "Temos que
nos esforçar o dobro dos outros, ser os melhores, para mostrar o nosso talento", afirma
Renata da Silva Santos Barbosa, 26, que está no Citibank.
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