São Paulo, Segunda-feira, 10 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Seis reais

JOÃO SAYAD

O que aconteceria se o governo parasse de comprar e vender dólares no mercado e fixasse a taxa de câmbio, por meio de lei, em R$ 1 por dólar?
A lei se transformaria em letra morta, a taxa de câmbio subiria muito além de R$ 1 por dólar.
O que aconteceria se o governo fixasse a taxa de juros em 32% ao ano e o Banco Central não tomasse dinheiro emprestado a esta taxa?
Provavelmente nada. A taxa de juros cairia.
O que acontece quando o governo fixa o salário mínimo em R$ 136 por mês?
O governo não tem "reserva" de operários nem vende horas trabalhadas como faz com o dólar. Também não garante para o trabalhador brasileiro o pagamento de R$ 136 por meio de seguro-desemprego eficaz e suficiente para que o trabalhador consiga fazer valer a lei do salário mínimo.
Os liberais do século passado e os neoliberais do momento afirmam que preferem a "liberdade" dos mercados à demagogia e ao intervencionismo da política.
Mas os preços mais importantes da economia -salário, juros e câmbio- são preços políticos.
É fácil entender a injustiça política cometida contra o salário.
Se os juros forem baixos, o dinheiro foge para bens ou para dólares; por isso o governo garante os juros altos.
Se o câmbio for baixo, o dinheiro compra dólares e foge para o exterior, por isso o governo compra e vende dólares.
Se o salário for baixo, o trabalhador não tem para onde fugir, reclamar ou apelar. O governo não precisa garantir nada.
Governos neoliberais e conservadores, que falam tanto em mercado, se intrometem no mercado de câmbio e de juros. Só não gostam de se meter com o mercado de trabalho, onde preferem as soluções de "mercado", quando há desemprego. Em pleno emprego são estabelecidas as leis salariais para evitar greves e pressões inflacionárias.
Na época da inflação, de 1964 a 1994, a indexação, por exemplo, era proteção quase que perfeita para os juros e muito perfeita para o câmbio.
Os salários eram corrigidos com atraso de um ano ou seis meses, às vezes por índices de preços que refletiam a inflação esperada, sempre menor do que a real.
Há mais de 30 anos se discutem essas coisas. O ministro Paulo Renato, quando estava na universidade, polemizava com o professor Roberto Macedo sobre o assunto. Macedo afirmava que o salário mínimo não servia para muita coisa, pois o mercado não obedecia. Paulo Renato afirmava que os demais salários acabavam sendo influenciados pelo salário mínimo.
A história dá exemplos a favor de Paulo Renato.
Perón começou a ser Perón quando decretou aumento substancial do salário mínimo na Argentina. Getúlio Vargas estabeleceu e aumentou o salário mínimo. Jango Goulart caiu por várias razões, uma delas pelo aumento do salário mínimo prometido para o dia 1º de maio de 1964.
Em economia, as discussões nunca acabam. Apenas saem de moda, ou se repetem indefinidamente sem conclusão alguma.
Afinal de contas, fixar o salário mínimo faz diferença ou não?
O salário mínimo é obedecido no setor público em todos os níveis e pelas empresas juridicamente organizadas que pagam impostos e obedecem a lei. Na economia informal, o impacto é menor e apenas indireto.
Em maio de 1999, o governo deu um aumento de apenas R$ 6 para o salário mínimo. Por quê?
Será por causa da inflação? Será que câmbio não causa inflação e salário mínimo causa?
Será por causa do déficit público? Será que aumento de salários do setor público aumenta o déficit público e juros altos não?
Será que salários maiores aumentam o desemprego? Mas salário é custo para quem paga e receita para quem vende. O aumento de salário mínimo poderia aumentar a demanda e o emprego.
Será que os famosos ganhos de produtividade que justificavam o câmbio fixo e sobrevalorizado não serviriam para argumentar que o aumento de salário mínimo pode ser absorvido pelas empresas?
Seria apenas uma decisão política desastrada?


João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net


Texto Anterior: "A gente deve ter esperança"
Próximo Texto: Evento apresenta novidades de 31 países
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.