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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A oposição e a crise cambial
ALOIZIO MERCADANTE
A conjuntura econômica
sofreu uma rápida e preocupante deterioração. Virou pó o
discurso oficial de crescimento superior a 4%. E não é preciso ser
profeta para vislumbrar que uma
nova crise cambial pode estar se
desenhando no horizonte.
A última crise cambial no Brasil
começou no segundo semestre de
1998, no contexto da campanha
presidencial e da crise russa. Sofremos uma brutal fuga de capitais embalada pela vulnerabilidade cambial e pela fragilidade
fiscal, impostas ao país pelo longo
período de populismo cambial e
de juros elevados. O sistema financeiro organizou um poderoso
ataque especulativo que teve impacto de cerca de R$ 70 bilhões
nas contas públicas. A consequência disso foram o prejuízo público
e os ganhos espetaculares para os
especuladores em episódios como
Marka e FonteCindam e no vazamento de informações para grandes bancos, o que nunca foi investigado. E ainda tivemos, na campanha eleitoral, o terrorismo econômico e a reeleição de Fernando
Henrique Cardoso, que prometia
a estabilidade cambial e o fim da
crise. O ataque final foi efetivado
com o pretexto da moratória de
Itamar Franco.
Estamos correndo o risco de repetir um cenário semelhante? As
oposições podem pouco, mas precisarão de muita competência para tentar evitar que uma nova
crise cambial ocorra, impondo
novos e dramáticos custos econômicos e sociais ao país. E, mais do
que isso, para evitar que sejam
novamente utilizadas como bode
expiatório do fracasso do modelo
e deste governo. O agravamento
da crise não serve às oposições,
mas pode vir a ser a desesperada
tentativa de ressuscitar o desgastado candidato do governo novamente com o discurso da confiança dos mercados e do fim da crise.
A crise cambial potencial que
está se delineando é impulsionada, de um lado, pela mudança no
cenário externo -crise argentina
e desaceleração da economia norte-americana e, de outro, pela
tragédia da crise energética e suas
implicações, que representam
uma brusca desaceleração da
economia e um aumento do desemprego, assim como a deterioração nas contas externas e nas finanças públicas. Além disso, temos uma grave crise política, com
o governo envolvido em denúncias de corrupção e sofrendo fraturas na sua base de apoio.
A desvalorização cambial nos
primeiros cinco meses do ano já
aumentou o estoque da dívida
pública interna em mais de R$ 25
bilhões, aos quais se agregam a
elevação dos encargos financeiros
decorrentes do aumento da taxa
básica de juros para 16,75% ao
ano em maio. Não foram contabilizados ainda os efeitos da crise
energética sobre as receitas tributárias da União e dos Estados, cuja redução pode chegar a R$ 6 bilhões. Nossas necessidades globais
de financiamento externo somam, neste ano, cerca de US$ 66
bilhões, dos quais US$ 28 bilhões
correspondem ao déficit previsto
nas transações correntes. A entrada de investimentos diretos neste
ano é estimada em US$ 18 bilhões, e as dificuldades de rolagem de dívidas de curto prazo e
de captação dos US$ 10 bilhões
adicionais para fechar o déficit de
transações correntes já estão presentes. Essa é a pressão sobre o
câmbio e os juros futuros, e não o
chamado "risco eleição".
Este governo não terá mais condições de enfrentar uma nova crise. Não é aprofundando o atual
modelo, à maneira da Argentina,
ou criando uma blindagem que
preserve sua essência diante de
uma provável vitória da oposição, que o país evitará o agravamento da crise.
É preciso romper a armadilha
da vulnerabilidade cambial e dos
juros altos que promoveu, para
nada, o crescimento de 700% da
dívida pública mobiliária neste
governo. Nosso problema não é o
estoque da dívida, mas seu perfil e
a armadilha dos juros altos para
financiar o elevado déficit de
transações correntes. Portanto as
oposições não devem apresentar
propostas abstratas de renegociação da dívida interna e ruptura
de contratos que só alimentarão
as elevadas taxas de juros e a especulação.
De outro lado, é preciso romper
o acordo com o FMI, em que o
crédito de longo prazo para investimentos é contabilizado como
déficit público e, consequentemente, como ampliação do endividamento. Foi essa ortodoxia
monetarista que impediu investimentos em energia, em um país
que arrecadou US$ 30 bilhões
com privatizações no setor, suficientes para aumentar em 69% a
capacidade de geração instalada.
É evidente que o Banco Central
precisa ser reorganizado. Basta
analisar o Proer e o Proes, que superam R$ 100 bilhões. Porém não
aceitamos uma direção imposta
pelo atual governo para blindar o
novo governo e impedir a mudança do modelo econômico nem
a regulamentação do artigo 192
da Constituição (sistema financeiro nacional) por medida provisória. Não queremos repetir De la
Rúa.
Sempre tivemos o compromisso
com uma reforma tributária e fiscal consistente, mas, neste momento e no início do novo governo, não podemos abdicar de receitas tributárias como a CPMF.
Inclusive porque é a CPMF que
está permitindo à Receita Federal
identificar a sonegação e a evasão
fiscais.
Em um país como o nosso, não
se pode fazer da rigidez da meta
inflacionária a organização de
toda a política econômica. Queremos a estabilidade da inflação e
queremos metas para o crescimento, o emprego e as áreas sociais. Por isso estamos defendendo a Carta de Responsabilidade
Econômica e Social, que abrange
todas as políticas públicas e permite o acompanhamento permanente e transparente pelo Congresso Nacional.
Este país precisa voltar a crescer
a uma taxa sustentável e incorporar 54 milhões de brasileiros que
vivem abaixo da linha de pobreza. Será este novo projeto nacional de desenvolvimento que
atrairá investimentos, inclusive
externos. As oposições têm profundas divergências -provavelmente terão mais de um candidato no primeiro turno-, mas podem representar um papel relevante para evitar que o desgoverno aprofunde a crise ou impeça as
profundas mudanças por que o
país clama.
Aloizio Mercadante, 47, é economista,
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
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