São Paulo, domingo, 10 de junho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

A oposição e a crise cambial

ALOIZIO MERCADANTE

A conjuntura econômica sofreu uma rápida e preocupante deterioração. Virou pó o discurso oficial de crescimento superior a 4%. E não é preciso ser profeta para vislumbrar que uma nova crise cambial pode estar se desenhando no horizonte.
A última crise cambial no Brasil começou no segundo semestre de 1998, no contexto da campanha presidencial e da crise russa. Sofremos uma brutal fuga de capitais embalada pela vulnerabilidade cambial e pela fragilidade fiscal, impostas ao país pelo longo período de populismo cambial e de juros elevados. O sistema financeiro organizou um poderoso ataque especulativo que teve impacto de cerca de R$ 70 bilhões nas contas públicas. A consequência disso foram o prejuízo público e os ganhos espetaculares para os especuladores em episódios como Marka e FonteCindam e no vazamento de informações para grandes bancos, o que nunca foi investigado. E ainda tivemos, na campanha eleitoral, o terrorismo econômico e a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, que prometia a estabilidade cambial e o fim da crise. O ataque final foi efetivado com o pretexto da moratória de Itamar Franco.
Estamos correndo o risco de repetir um cenário semelhante? As oposições podem pouco, mas precisarão de muita competência para tentar evitar que uma nova crise cambial ocorra, impondo novos e dramáticos custos econômicos e sociais ao país. E, mais do que isso, para evitar que sejam novamente utilizadas como bode expiatório do fracasso do modelo e deste governo. O agravamento da crise não serve às oposições, mas pode vir a ser a desesperada tentativa de ressuscitar o desgastado candidato do governo novamente com o discurso da confiança dos mercados e do fim da crise.
A crise cambial potencial que está se delineando é impulsionada, de um lado, pela mudança no cenário externo -crise argentina e desaceleração da economia norte-americana e, de outro, pela tragédia da crise energética e suas implicações, que representam uma brusca desaceleração da economia e um aumento do desemprego, assim como a deterioração nas contas externas e nas finanças públicas. Além disso, temos uma grave crise política, com o governo envolvido em denúncias de corrupção e sofrendo fraturas na sua base de apoio.
A desvalorização cambial nos primeiros cinco meses do ano já aumentou o estoque da dívida pública interna em mais de R$ 25 bilhões, aos quais se agregam a elevação dos encargos financeiros decorrentes do aumento da taxa básica de juros para 16,75% ao ano em maio. Não foram contabilizados ainda os efeitos da crise energética sobre as receitas tributárias da União e dos Estados, cuja redução pode chegar a R$ 6 bilhões. Nossas necessidades globais de financiamento externo somam, neste ano, cerca de US$ 66 bilhões, dos quais US$ 28 bilhões correspondem ao déficit previsto nas transações correntes. A entrada de investimentos diretos neste ano é estimada em US$ 18 bilhões, e as dificuldades de rolagem de dívidas de curto prazo e de captação dos US$ 10 bilhões adicionais para fechar o déficit de transações correntes já estão presentes. Essa é a pressão sobre o câmbio e os juros futuros, e não o chamado "risco eleição".
Este governo não terá mais condições de enfrentar uma nova crise. Não é aprofundando o atual modelo, à maneira da Argentina, ou criando uma blindagem que preserve sua essência diante de uma provável vitória da oposição, que o país evitará o agravamento da crise.
É preciso romper a armadilha da vulnerabilidade cambial e dos juros altos que promoveu, para nada, o crescimento de 700% da dívida pública mobiliária neste governo. Nosso problema não é o estoque da dívida, mas seu perfil e a armadilha dos juros altos para financiar o elevado déficit de transações correntes. Portanto as oposições não devem apresentar propostas abstratas de renegociação da dívida interna e ruptura de contratos que só alimentarão as elevadas taxas de juros e a especulação.
De outro lado, é preciso romper o acordo com o FMI, em que o crédito de longo prazo para investimentos é contabilizado como déficit público e, consequentemente, como ampliação do endividamento. Foi essa ortodoxia monetarista que impediu investimentos em energia, em um país que arrecadou US$ 30 bilhões com privatizações no setor, suficientes para aumentar em 69% a capacidade de geração instalada.
É evidente que o Banco Central precisa ser reorganizado. Basta analisar o Proer e o Proes, que superam R$ 100 bilhões. Porém não aceitamos uma direção imposta pelo atual governo para blindar o novo governo e impedir a mudança do modelo econômico nem a regulamentação do artigo 192 da Constituição (sistema financeiro nacional) por medida provisória. Não queremos repetir De la Rúa.
Sempre tivemos o compromisso com uma reforma tributária e fiscal consistente, mas, neste momento e no início do novo governo, não podemos abdicar de receitas tributárias como a CPMF. Inclusive porque é a CPMF que está permitindo à Receita Federal identificar a sonegação e a evasão fiscais.
Em um país como o nosso, não se pode fazer da rigidez da meta inflacionária a organização de toda a política econômica. Queremos a estabilidade da inflação e queremos metas para o crescimento, o emprego e as áreas sociais. Por isso estamos defendendo a Carta de Responsabilidade Econômica e Social, que abrange todas as políticas públicas e permite o acompanhamento permanente e transparente pelo Congresso Nacional.
Este país precisa voltar a crescer a uma taxa sustentável e incorporar 54 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza. Será este novo projeto nacional de desenvolvimento que atrairá investimentos, inclusive externos. As oposições têm profundas divergências -provavelmente terão mais de um candidato no primeiro turno-, mas podem representar um papel relevante para evitar que o desgoverno aprofunde a crise ou impeça as profundas mudanças por que o país clama.


Aloizio Mercadante, 47, é economista, professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores.




Texto Anterior: Opinião econômica - Rubens Ricupero: Tudo é nevoeiro
Próximo Texto: Luís Nassif: O menino passarinho
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.