São Paulo, Quinta-feira, 10 de Junho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA
Autoproteção

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Ao longo da década de 90, a ocorrência de uma série de crises financeiras, de surpreendente virulência, foi mostrando o quanto é frágil e perigosa a situação econômica internacional. Países em desenvolvimento foram mais fortemente atingidos durante os períodos de turbulência e têm motivos de sobra para estar preocupados.
Evidentemente, ninguém sabe quando, onde e como acontecerão as próximas crises financeiras internacionais. Mas há um certo consenso de que novas crises virão.
Qual tem sido a posição do governo brasileiro? De uma forma geral, prevalece uma atitude escapista e passiva. Um exemplo disso são os constantes apelos do presidente da República aos governos do G-7 para que acelerem a reforma do sistema financeiro internacional e estabeleçam mecanismos de controle dos capitais voláteis.
É uma tática conveniente. Ajuda a dar uma impressão de substância às frequentes viagens do presidente ao exterior. E ainda passa à opinião pública nacional a sensação de que o Brasil está participando ativamente da discussão dos grandes temas internacionais.
Nesta semana, tivemos uma variante dessa abordagem escapista. Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem anunciaram que o aprofundamento do Mercosul será um instrumento de proteção contra futuros ataques especulativos. Esse aprofundamento envolveria a coordenação de políticas macroeconômicas -"um pequeno Maastricht"- com o intuito de criar, no médio ou longo prazo, uma moeda comum.
Não valeria a pena nem perder tempo com esses "factóides" diplomáticos, não fosse o fato de que eles acabam desviando a atenção de algo fundamental: a necessidade de o Brasil adotar, no âmbito nacional e sem grande demora, as medidas de autoproteção que estão a seu alcance.
A desvalorização real do câmbio e a passagem para um regime de flutuação administrada já melhoraram bastante a nossa posição. Mas ainda há muito o que fazer para tirar o país da zona de risco e criar condições para a retomada do desenvolvimento.
Essa última depende, em larga medida, da possibilidade de reduzir as taxas de juro internas e estimular a expansão do crédito em moeda nacional. Ora, enquanto a economia estiver vulnerável a saídas abruptas de capitais estrangeiros voláteis ou à fuga de capitais de residentes, o Banco Central poderá se defrontar com excessiva volatilidade da taxa de câmbio. Terá dificuldade de trazer as taxas de juro internas para nível civilizado e mantê-las nesse nível. E a economia brasileira continuará crescendo abaixo do seu potencial.
O que fazer? O tema é complexo, mas vale a pena mencionar, mesmo que brevemente, algumas das áreas em que o Brasil pode e deve atuar para diminuir sua vulnerabilidade.
É preciso, em primeiro lugar, conduzir as políticas cambial, de comércio exterior e tributária com a preocupação permanente de favorecer a competitividade internacional das empresas brasileiras. Só isso permitirá conciliar a diminuição do déficit de balanço de pagamentos em conta corrente com a expansão da demanda interna a taxas significativas nos próximos anos.
Em segundo lugar, é necessário controlar rigorosamente a estrutura temporal dos passivos internacionais do país, reduzindo a participação de obrigações voláteis ou de curto prazo e administrando cuidadosamente o perfil da dívida externa de médio e longo prazos.
Cabe, em terceiro lugar, manter em nível elevado as reservas internacionais no Banco Central, proporcionando ao país uma primeira linha de defesa em momentos de instabilidade.
Quarto, é preciso fortalecer os mecanismos de controle da conta de capitais do balanço de pagamentos, devolvendo ao Banco Central a possibilidade de regular de modo seletivo e criterioso a entrada e saída de capitais.
Finalmente, no campo das finanças e da administração públicas há duas tarefas fundamentais por realizar: o controle do déficit público e do crescimento da dívida pública interna de curto prazo e, menos comentado, mas não menos relevante, a recuperação das condições de funcionamento de órgãos vitais do governo federal, como o Banco Central e a Receita Federal.
Evidentemente, nada disso sai de graça. Algumas dessas medidas têm custos financeiros significativos. E a sua implementação requer determinação e vontade política.
No entanto o Brasil não pode continuar vulnerável a surtos de instabilidade financeira. Afinal, já estamos há quase 20 anos sem crescer de forma sustentada.
Não se deve perder de vista que essa estagnação prolongada, que contrasta de modo marcante com o dinamismo da economia brasileira até 1980, resultou em grande medida da nossa vulnerabilidade a choques financeiros. Está mais do que na hora de mudar o nosso modelo de inserção externa e tomar cuidadosa distância dos turbulentos mercados financeiros internacionais.


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net


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