São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Brasil, "investment grade"

PAULO RABELLO DE CASTRO

O repto de Armínio Fraga de tornar a economia brasileira um risco considerado baixo (ou seja, "investment grade"), na opinião das principais agências classificadoras de qualidade de crédito, soou, aos ouvidos de muitos, como algo distante ou descompassado das efetivas prioridades de um país endividado, de massas pobres, desigual e já sacrificado por uma severa disciplina fiscal ajustada com o FMI. Até os candidatos a presidente se manifestaram de modo indiferente ou antagônico, lembrando alguns deles que "o país precisa mesmo é crescer e gerar renda".
De fato, às portas das eleições presidenciais de 2002, com os "spreads" de risco sobre os títulos da dívida do Brasil batendo níveis de país que ameaça não pagar suas contas (cerca de 1.500 a 1.700 pontos sobre a taxa básica do Tesouro americano) e diante dos rebaixamentos de notas e de perspectivas de risco de crédito negativos anunciados pelas "rating agencies" -empresas de classificações de riscos sediadas nos EUA-, tudo parece conspirar na direção oposta à pretendida pelo dedicado presidente do Banco Central.
Como um estóico Sísifo carregando pedras morro acima, Fraga não desiste de defender seu ponto de vista: chegou o momento de o Brasil enfrentar a visão externa, nos mercados financeiros, de que o país seria um dos piores riscos do mundo, um país cujo governo e empresas emissoras de títulos de dívida estariam prestes a deixar de honrar seus compromissos de pagamentos. Não se pense, porém, que essa percepção externa de fragilidade financeira é algo trazido pela desconfiança nos rumos da corrida eleitoral; não é o "efeito Lula", que nada disse ou acrescentou, além das esperadas incertezas trazidas pela possível troca da guarda da equipe econômica. São fragilidades e vulnerabilidades crônicas, estruturais, cujas raízes estão fincadas no modo como administramos a moeda, o câmbio e, principalmente, as contas públicas, com os conhecidos e nefastos reflexos sobre os juros e o crédito afetando de modo dramático toda a estrutura produtiva do país.
Se o presidente do BC resolveu lançar o desafio de virarmos país "investment grade" agora, não é porque estamos quase chegando lá. Não é o penta, o caneco quase na mão que motiva Fraga, mas, possivelmente, a ameaça de uma terrível desclassificação ainda na fase eliminatória. Os altíssimos níveis atingidos pelos "spreads" de risco do Brasil lá fora e a indisposição momentânea do mercado, aqui dentro, de comprar e carregar títulos do governo com prazos de maturidade mais dilatados, revelam um certo cansaço dos investidores com as recorrentes surpresas e desapontamentos repetidos, percebidos por eles como sendo uma característica indistinta de todo e qualquer país emergente. Na verdade, os investidores estão decepcionados com o mundo inteiro, especialmente com os mercados ditos avançados onde os prejuízos em Bolsas são monumentais e, na renda fixa, os ganhos com juros são ínfimos.
Por isso, apesar da desconfiança tremenda sobre a segurança de mercado no Brasil, paira também, ao mesmo tempo, uma "dúvida positiva" de que o nosso país possa ainda surpreender favoravelmente no curso dos próximos anos. É essa janela de oportunidade que o presidente do BC pretende deixar aberta, mudando gradualmente, para melhor, a opinião hoje sofrível dos classificadores de risco sobre o "rating" do país.
Se, de um lado, é fato que as agências de "rating" americanas têm tido um desempenho nada brilhante em análises de risco-país -basta lembrar Ásia, Turquia, Rússia e Argentina, cujas dificuldades não foram capturadas a tempo pelos "especialistas"-, por outro, o Brasil ainda apresenta dados estatísticos de dívida e déficit, além de baixo crescimento de renda, que dificultam uma apreciação positiva das perspectivas da nossa economia. Já escaldados de erros crassos anteriores, os classificadores americanos são pesados com o Brasil, não deixando de ressaltar todos os indicadores de nossa efetiva fragilidade.
São, em geral, análises superficiais e repetitivas de indicadores parciais as que condenam o Brasil a uma posição precária de "rating". No entanto tem razão o presidente do BC quando insiste ser esta a hora de enfrentar de vez a questão. Algumas coisas já temos feito. Uma delas é dotarmos o país de maior capacidade de auto-análise, isto é, termos, nós mesmos, a opinião de agência de classificação capaz de dizer como estamos e o que falta fazer, em vez de esperar apenas indicação de fora. Esta, em geral, nunca vem, ou, quando chega, é mero repeteco da própria agenda do FMI ou do governo brasileiro.
A SR Rating (www.srrating.com.br) é uma agência brasileira de classificação que tem acompanhado o risco Brasil desde 1994 e apontado, discretamente, os alvos principais a serem perseguidos. As indicações feitas, ao longo dos anos, têm se mostrado razoáveis e oportunas.
Não só o Brasil, mas toda a região, deveria ter como objetivo comum dominar a técnica e a linguagem das classificações de risco, apresentadas por empresas originárias da América Latina, como a própria SR Rating, uma vez que elas podem ganhar dimensão supranacional.
Fraga sugeriu um prazo de 30 meses para o Brasil chegar ao nível "investment grade". Embora apertado, é um prazo alcançável, se o próximo governo tiver consciência de que a urgência não é a de chegar a um grau de risco melhor ou mais moderado, e sim atingir crescimento sustentado na estabilidade, com efetivo controle da despesa pública e juros muito mais baixos. Essa é a urgência absoluta, que levará o Brasil, se cumpridos seus pressupostos, com toda naturalidade, a atingir também uma apreciação favorável de "baixo risco" pelo exigente mercado financeiro internacional.


Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail - paulo@rcconsultores.com.br


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