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OPINIÃO ECONÔMICA
Brasil, "investment grade"
PAULO RABELLO DE CASTRO
O repto de Armínio Fraga
de tornar a economia brasileira um risco considerado baixo
(ou seja, "investment grade"), na
opinião das principais agências
classificadoras de qualidade de
crédito, soou, aos ouvidos de muitos, como algo distante ou descompassado das efetivas prioridades de um país endividado, de
massas pobres, desigual e já sacrificado por uma severa disciplina
fiscal ajustada com o FMI. Até os
candidatos a presidente se manifestaram de modo indiferente ou
antagônico, lembrando alguns
deles que "o país precisa mesmo é
crescer e gerar renda".
De fato, às portas das eleições
presidenciais de 2002, com os
"spreads" de risco sobre os títulos
da dívida do Brasil batendo níveis de país que ameaça não pagar suas contas (cerca de 1.500 a
1.700 pontos sobre a taxa básica
do Tesouro americano) e diante
dos rebaixamentos de notas e de
perspectivas de risco de crédito
negativos anunciados pelas "rating agencies" -empresas de
classificações de riscos sediadas
nos EUA-, tudo parece conspirar na direção oposta à pretendida pelo dedicado presidente do
Banco Central.
Como um estóico Sísifo carregando pedras morro acima, Fraga não desiste de defender seu
ponto de vista: chegou o momento de o Brasil enfrentar a visão externa, nos mercados financeiros,
de que o país seria um dos piores
riscos do mundo, um país cujo governo e empresas emissoras de títulos de dívida estariam prestes a
deixar de honrar seus compromissos de pagamentos. Não se
pense, porém, que essa percepção
externa de fragilidade financeira
é algo trazido pela desconfiança
nos rumos da corrida eleitoral;
não é o "efeito Lula", que nada
disse ou acrescentou, além das esperadas incertezas trazidas pela
possível troca da guarda da equipe econômica. São fragilidades e
vulnerabilidades crônicas, estruturais, cujas raízes estão fincadas
no modo como administramos a
moeda, o câmbio e, principalmente, as contas públicas, com os
conhecidos e nefastos reflexos sobre os juros e o crédito afetando
de modo dramático toda a estrutura produtiva do país.
Se o presidente do BC resolveu
lançar o desafio de virarmos país
"investment grade" agora, não é
porque estamos quase chegando
lá. Não é o penta, o caneco quase
na mão que motiva Fraga, mas,
possivelmente, a ameaça de uma
terrível desclassificação ainda na
fase eliminatória. Os altíssimos
níveis atingidos pelos "spreads"
de risco do Brasil lá fora e a indisposição momentânea do mercado, aqui dentro, de comprar e carregar títulos do governo com prazos de maturidade mais dilatados, revelam um certo cansaço
dos investidores com as recorrentes surpresas e desapontamentos
repetidos, percebidos por eles como sendo uma característica indistinta de todo e qualquer país
emergente. Na verdade, os investidores estão decepcionados com
o mundo inteiro, especialmente
com os mercados ditos avançados
onde os prejuízos em Bolsas são
monumentais e, na renda fixa, os
ganhos com juros são ínfimos.
Por isso, apesar da desconfiança
tremenda sobre a segurança de
mercado no Brasil, paira também, ao mesmo tempo, uma "dúvida positiva" de que o nosso país
possa ainda surpreender favoravelmente no curso dos próximos
anos. É essa janela de oportunidade que o presidente do BC pretende deixar aberta, mudando
gradualmente, para melhor, a
opinião hoje sofrível dos classificadores de risco sobre o "rating"
do país.
Se, de um lado, é fato que as
agências de "rating" americanas
têm tido um desempenho nada
brilhante em análises de risco-país -basta lembrar Ásia, Turquia, Rússia e Argentina, cujas
dificuldades não foram capturadas a tempo pelos "especialistas"-, por outro, o Brasil ainda
apresenta dados estatísticos de dívida e déficit, além de baixo crescimento de renda, que dificultam
uma apreciação positiva das
perspectivas da nossa economia.
Já escaldados de erros crassos anteriores, os classificadores americanos são pesados com o Brasil,
não deixando de ressaltar todos
os indicadores de nossa efetiva
fragilidade.
São, em geral, análises superficiais e repetitivas de indicadores
parciais as que condenam o Brasil a uma posição precária de "rating". No entanto tem razão o
presidente do BC quando insiste
ser esta a hora de enfrentar de vez
a questão. Algumas coisas já temos feito. Uma delas é dotarmos
o país de maior capacidade de
auto-análise, isto é, termos, nós
mesmos, a opinião de agência de
classificação capaz de dizer como
estamos e o que falta fazer, em vez
de esperar apenas indicação de
fora. Esta, em geral, nunca vem,
ou, quando chega, é mero repeteco da própria agenda do FMI ou
do governo brasileiro.
A SR Rating (www.srrating.com.br) é uma agência brasileira de classificação que tem
acompanhado o risco Brasil desde
1994 e apontado, discretamente,
os alvos principais a serem perseguidos. As indicações feitas, ao
longo dos anos, têm se mostrado
razoáveis e oportunas.
Não só o Brasil, mas toda a região, deveria ter como objetivo comum dominar a técnica e a linguagem das classificações de risco,
apresentadas por empresas originárias da América Latina, como a
própria SR Rating, uma vez que
elas podem ganhar dimensão supranacional.
Fraga sugeriu um prazo de 30
meses para o Brasil chegar ao nível "investment grade". Embora
apertado, é um prazo alcançável,
se o próximo governo tiver consciência de que a urgência não é a
de chegar a um grau de risco melhor ou mais moderado, e sim
atingir crescimento sustentado na
estabilidade, com efetivo controle
da despesa pública e juros muito mais baixos. Essa é a urgência absoluta, que levará o Brasil, se cumpridos seus pressupostos, com toda naturalidade, a atingir também uma apreciação favorável de "baixo risco" pelo exigente mercado financeiro internacional.
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
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