São Paulo, quarta-feira, 10 de julho de 2002

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ARTIGO

Presidente apega-se a mudanças menores

DO "FINANCIAL TIMES"

Dois temas emergiram do discurso que o presidente George W. Bush fez ontem sobre a responsabilidade das corporações: a confiança no vigor do capitalismo norte-americano e a indignação contra a conduta pouco ética de certos líderes empresariais. Dessa indignação surgiram planos para punir de maneira muito mais severa as violações das grandes empresas.
Ambos os temas foram corretamente expressos. Mas, apesar da linguagem bastante vigorosa que optou por empregar, Bush continua subestimando a necessidade de mudanças de política para lidar com os conflitos de interesse e os abusos de poder que emergiram depois da bolha nos mercados de ações do final da década de 90.
Uma reafirmação do vigor básico do sistema econômico dos Estados Unidos era realmente necessária. Não devemos permitir que um pessimismo exagerado substitua a euforia injustificada do passado recente.
A impressão de que todos os executivos e profissionais das finanças estavam dispostos a contornar as regras por dinheiro é falsa, corrosiva e prejudicial. Bush tinha todos os motivos do mundo para alegar que "a economia dos Estados Unidos é o sistema mais criativo, empreendedor e produtivo já desenvolvido".
O sentimento de indignação do presidente norte-americano também foi expresso de maneira correta. É evidente que qualquer investimento financeiro funciona sob a presunção de que os riscos correm sempre por conta do comprador.
Mas a contabilidade fraudulenta, os conflitos de interesse e as recompensas fantásticas oferecidas a executivos de empresas que mal demonstravam viabilidade -como mostraram os recentes escândalos envolvendo a Enron, a WorldCom e, mais recentemente, a Merck- representam uma ameaça à base do capitalismo em todo o mundo.

"Nova ética"
A certeza moral exibida por Bush ao "pedir por uma nova ética" entre os líderes empresariais é um sinal de coragem, dadas as questões legítimas que vêm sendo divulgadas quanto à ética de negócios que o presidente e diversos membros do primeiro escalão de seu governo exibiram em seu passado.
A solução proposta por ele é a punição dos executivos envolvidos nos escândalos. Um grupo de trabalho sobre fraudes corporativas será formado com o objetivo de expor e divulgar atos de corrupção. Os funcionários de empresas terão de enfrentar punições severas quando forem considerados culpados de violar a lei. As sentenças máximas de prisão para determinadas fraudes financeiras serão duplicadas.
Mas a punição não basta. Como disse Eliot Spitzer, o secretário de Justiça do Estado de Nova York, "não se trata simplesmente de mandar para a prisão alguns maus elementos, mas também de mudar as regras".
Bush continua apegado a mudanças menores, que ficam bem aquém das propostas sensatas oferecidas pelo projeto de lei de reforma do setor de auditoria do senador Paul Sarbanes.
Bush poderia e deveria ter expressado apoio ao espírito do projeto, mas, em vez disso, sugeriu novas regras a serem impostas pela Securities and Exchange Commission (SEC, a agência federal norte-americana que regulamenta e fiscaliza os mercados de valores mobiliários), em lugar de novas leis.
Uma estratégia como essa teria contido as tentativas dos democratas do Congresso, que pretendem propor emendas ainda mais severas, e talvez até prejudiciais, ao projeto de lei apresentado por Sarbanes.
A resposta regulatória correta à descoberta de abusos nos balanços das empresas é tratar dos conflitos de interesse e dos excessos claros que o presente sistema permite. Punir os poucos que forem considerados culpados por isso não será suficiente.


Tradução de Paulo Migliacci


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