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OPINIÃO ECONÔMICA
A geladeira do Mercosul
GESNER OLIVEIRA
Lula é o presidente do Mercosul até dezembro. A presidência "pro-tempore" que o Brasil assumiu ao final da 26ª Reunião de
Cúpula de presidentes e ministros
dos países do Mercosul, realizada
nesta semana na cidade argentina de Puerto Iguazú, promete
muita dor de cabeça. A guerra aos
produtos de linha branca do Brasil declarada pelo presidente da
Argentina, Néstor Kirchner, é
apenas mais um episódio de uma
série de disputas comerciais.
Além das licenças especiais de
importação para geladeiras e máquinas de lavar impostas pela Argentina e suspensas até quarta-feira, criou-se tarifa provisória de
21% sobre aparelhos de TV fabricados na Zona Franca de Manaus, bem como a ameaça de restrições para mais produtos, como
frangos e calçados. Somem-se a
isso outros dispositivos, como a
sobretaxa ao açúcar, e a existência de acordos "voluntários" que
impõem cotas na exportação de
produtos da cadeia têxtil.
As dificuldades do Mercosul
têm várias origens. A principal
delas reside naturalmente na fragilidade e na descoordenação
macroeconômica de seus membros. Sem um mínimo de convergência das políticas macro, as relações comerciais ficam sujeitas a
graves desequilíbrios, conforme se
viu quando o Brasil adotou o
câmbio flutuante, em 1998/99, e a
Argentina manteve por algum
tempo o câmbio fixo.
Mas a natureza e as circunstâncias do acordo que deu origem ao
Mercosul explicam parte dos problemas. Em tese, o Mercosul é
uma união aduaneira. Uma
união aduaneira é caracterizada
pelo tratamento uniforme aos
produtos de terceiros países. Isto
é, há uma estrutura comum de
tarifas de importação. No Mercosul, há a TEC (Tarifa Externa Comum).
No entanto, como os países-membros não chegaram a um
consenso acerca de qual deveria
ser o tratamento comercial para
vários itens, há muitas exceções
ou "perfurações" à TEC. Na prática, portanto, o Mercosul ainda
não é aquilo que na teoria de comércio internacional se denomina união aduaneira. Trata-se, na
realidade, de uma união aduaneira em formação que ainda
guarda características de uma
área de livre comércio na qual as
tarifas de importação entre os
membros são eliminadas, mas os
bens de terceiros países são taxados de forma diferenciada.
A inexistência de uniformidade
de tratamento alfandegário na
fronteira impõe um controle interno mais rigoroso, que em tese
deveria ocorrer mediante um código claro de "regras de origem".
Acordos de regras de origem servem para impedir que um bem
importado de um país como a Coréia da Sul não possa entrar com
uma alíquota baixa pelo Paraguai e depois se beneficiar de alíquota zero e ingressar no Brasil.
No entanto, tal sistema impõe
controles onerosos que retiram,
em parte, as vantagens do livre
comércio entre os países-membros.
Além da necessidade de controle interno, as transações entre os
países ainda é prejudicada pela
cobrança múltipla da tarifa externa comum. Isto é, o bem é taxado pela TEC não apenas ao entrar no Mercosul mas ao cruzar
cada fronteira nacional.
Não bastassem as dificuldades
internas, a política de alianças e
acordos também é retardada pelas óticas distintas de cada membro. É surrealista, por exemplo,
que um acordo com a República
Popular da China possa ser de alguma forma dificultado porque o
Paraguai tem interesse em manter relações comerciais com Taiwan. As diferentes perspectivas de
Brasil e Argentina também afetam a marcha das negociações do
acordo Mercosul-União Européia.
Enquanto o Mercosul enfrenta
toda sorte de problemas internos,
o México se encontra em posição
privilegiada. O presidente Vicente
Fox pode fazer uma política de
boa vizinhança ao pleitear a posição de membro associado do
Mercosul, enquanto mantém seu
acesso exclusivo ao rico mercado
dos EUA e do Canadá por meio
do Nafta (sigla em inglês para
Acordo de Livre Comércio da
América do Norte).
Para se firmar enquanto região
promissora para as próximas décadas, o Mercosul precisará de
menos discursos, bravatas e medidas arbitrárias e de mais pragmatismo. A ênfase deveria recair
na integração de fato, mediante
projetos de infra-estrutura e a
adoção de mecanismos próprios
de resolução rápida e desburocratizada de conflitos comerciais.
É precisamente em relação a este último ponto que remanesce
uma esperança, com o anúncio de
que o Tribunal Permanente de
Revisão para Solução de Controvérsias entrará em operação. Se
isso ocorrer, a reunião de Puerto
Iguazú não terá sido uma perda
de tempo.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail: gesner@fgvsp.br
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