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OPINIÃO ECONÔMICA
Tudo é igual, tudo é diferente
RUBENS RICUPERO
Quando a casa pega fogo,
ninguém quer escrever ou ler
sobre política externa: só a crise interna interessa. Como qualquer
brasileiro nascido antes do golpe
do Estado Novo de 1937, sinto-me
especialista em crises e golpes porque eles me pautaram a vida inteira. Não verei tempo melhor, mas
posso ao menos comparar a crise
atual com as que vivi.
Dessa comparação, o que emerge é ser essa uma crise interna em
estado puro, isto é, o produto exclusivo da má qualidade das instituições e da corrupção dos homens. Nos episódios anteriores, esses elementos estavam camuflados
ou diluídos por complicadores que
ora deixaram de confundir o
olhar. Hoje, não existe mais Guerra Fria e polarização entre fascistas e comunistas (como em 1937);
nem paranóia do comunismo, de
Cuba ou instigação do golpe pelos
EUA (como em 1964); nem fiasco
econômico e risco de hiperinflação
(como no impeachment de Collor); nem "partido fardado" pronto a salvar a pátria (como quase
sempre); muito menos oposição de
vocação golpista (como setores da
UDN até 1964). Imagine como estaria o país se, em vez de Fernando Henrique ou Aécio Neves, a
oposição no Parlamento, na rua,
na imprensa fosse neste momento
inspirada por Carlos Lacerda.
Descascadas essas camadas enganadoras, a cebola da crise revela
a causa de sua podridão: um sistema político falido e desmoralizado. Os problemas são conhecidos:
financiamento das campanhas,
proliferação de partidos de aluguel, infidelidade partidária, sistema eleitoral que enfraquece o caráter nacional dos partidos e a responsabilidade dos eleitos ante os
eleitores, politização de cargos administrativos e de estatais que deveriam ser reservados a profissionais de carreira. Há consenso sobre o diagnóstico e convergência
crescente sobre as possíveis soluções. O que faltou até agora é o
senso de urgência e gravidade para conferir à reforma política para
valer, não o simulacro aprovado
em comissão da Câmara, prioridade capaz de vencer a resistência
de interesses contrariados.
Resistentes e corruptos são em
geral os mesmos, pois a remoção
das falhas eliminará ou reduzirá a
possibilidade de corrupção. Por
questão de sobrevivência, os beneficiários do sistema tudo farão para impedir ou desvirtuar reforma
verdadeira. Por isso mesmo a punição dos corruptos é condição indispensável para neutralizar os
principais focos de resistência e
viabilizar a reforma. Seu abandono pelo governo anterior e o atual
demonstrou que a reforma política jamais se fará a frio. Apenas
crise como esta, desde que atinja o
ponto ótimo de gravidade, dará
urgência à mudança. Agenda positiva, déficit zero, tudo isso não
passará de diversão nefasta se
contribuírem para aumentar o
senso de segurança dos corruptos e
enfraquecer a prioridade absoluta
da reforma política. Não é só o patriotismo, a governabilidade também pode ser o último refúgio dos
canalhas.
Será crime transigir com sistema
que gera corrupção como subproduto inevitável de governabilidade duvidosa. A hora não é para diluir ou distrair a atenção do único
que importa neste instante: remover do sistema os fatores que corrompem o princípio da República
-a virtude- em nosso caso, por
meio da apropriação criminosa do
dinheiro público pelos que invocam as falhas das instituições como justificativa da torpeza.
Além de crime, será um erro perpetuar sistema que só assegura governabilidade cada vez mais limitada a custos, inclusive morais, cada vez mais insuportáveis. As crises de corrupção tornaram-se recorrentes e, se não forem atalhadas agora, voltarão com força destrutiva maior: o impeachment de
Collor, por exemplo, foi incomparavelmente mais perigoso que o
escândalo dos anões do Orçamento. Nos tempos da corrupta máquina eleitoral de Tammany Hall,
considerava-se político honrado
aquele que "once bought will stay
bought" ("uma vez comprado,
permanecerá comprado"). Hoje,
já não se compram políticos; alugam-se por mês. Amanhã, será por
semanas, dias, horas. Não merece
sobreviver sistema que só o faz devorando a "res publica", consumindo a democracia.
Rubens Ricupero, 68, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto
Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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