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OPINIÃO ECONÔMICA
Meta antiemprego
MARCIO POCHMANN
Em janeiro deste ano, o governo
federal abandonou o mecanismo
basilar do Plano Real de combate
à inflação, sustentado na âncora
cambial. A partir de agora, o país
conta com uma nova sistemática,
que procura garantir a estabilidade monetária, expressa por meio
de meta inflacionária prefixada.
Uma vez definido o patamar de
inflação para o ano, as autoridades governamentais passam a
monitorar o comportamento geral dos preços, dispondo de medidas macroeconômicas a ser usadas no cumprimento da meta inflacionária. Idêntico empenho demonstrado pela equipe econômica no enfrentamento do processo
inflacionário durante os últimos
cinco anos não pode ser registrado no tratamento de outras questões tão ou mais relevantes para
os brasileiros.
A situação do emprego emerge
rapidamente como um bom
exemplo. Entre julho de 1994 e
abril de 1999, embora a economia
tenha apresentado evolução positiva do Produto Interno Bruto
-ainda que a taxas pouco expressivas-, o volume de emprego assalariado com carteira em
todo o país foi reduzido em 1,5
milhão. Esse número aproxima-se do 1,7 milhão de empregos formais perdidos durante o período
de janeiro de 1990 a junho de 1994,
justamente quando o país passou
por três anos de recessão (1990/
92) e apenas 16 meses de recuperação econômica (1993/94).
Ao todo, os anos 90 consagram
a pior conta negativa do emprego
formal dos últimos 60 anos, pois o
saldo é desfavorável em 3,2 milhões de postos de trabalho. É importante destacar que o posto de
trabalho formal é, em geral, o melhor tipo de ocupação que a economia brasileira tem conseguido
gerar, pois se trata do "bom emprego", com carteira assinada pelo patrão e com direito à seguridade social.
O aumento na quantidade de
trabalhadores sem emprego surge
em contrapartida, pois, durante a
vigência do Plano Real, a taxa de
desemprego foi acrescida em quase 50%. Além disso, a composição
do desemprego tem sido alterada
drasticamente, pesando também,
cada vez mais, para os segmentos
que até pouco tempo quase não
eram afetados, como os de maior
escolaridade e os pertencentes às
mais altas faixas etárias.
Da mesma forma, regiões geográficas que até então não conheciam significativamente o problema do desemprego aberto passaram a ter que conviver com essa
lamentável realidade. Ao contrário do que chegou a falar um ministro despreparado, quem pode
hoje dizer que não conhece um
desempregado ou mesmo não tenha entre os familiares alguém
que passa ou passou recentemente pela situação do desemprego?
Tudo isso para não falar na evolução das ocupações precárias,
que tornam ainda piores as condições e relações de trabalho e
ainda menores os rendimentos
dos trabalhadores. Mesmo para
os 22,5 milhões de trabalhadores
assalariados com registro em carteira, que, diante do regime do
medo instaurado no interior das
empresas pela possibilidade recorrente de perda do emprego,
chegam a ter ganhos salariais
atuais inferiores, em média, a um
terço do que eram na década de
1980.
Para um país que se tornou conhecido mundialmente por ter
conseguido implementar -entre
as décadas de 1930 e 1970- um
projeto avançado de industrialização nacional, porém fundamentado em baixos salários, os
anos 90 consagram uma etapa de
regressão econômica e social,
com queda no produto industrial,
desemprego em massa e diminuição nos rendimentos dos trabalhadores. É difícil imaginar, mas
há ainda aqueles que, diante desse
triste quadro nacional, conseguem identificar sinais de mobilidade social ascendente, justamente quando tem sido a imobilidade
social a marca deste final de século para os brasileiros.
Não causa espanto, pois, a confirmação de que, para manter a
paz de cemitério, a equipe econômica esteja novamente preparada
para fazer o que for necessário para atingir as metas de inflação.
Bom mesmo seria conhecer previamente o compromisso das autoridades governamentais com a
geração de postos de trabalho, a
meta de redução do desemprego e
de elevação de postos de trabalho,
a meta de redução do desemprego
e de elevação do bem-estar social.
Mas isso parece estar cada vez
mais distante, em face de tanta indiferença governamental. Confirmando-se o prognóstico de um
gasto para 1999 estimado em R$
100 bilhões com encargos financeiros, o Brasil tomará conhecimento de que deixou de criar 7,7
milhões de empregos, levando-se
em consideração o pequeno investimento de R$ 13 mil, em média, necessário para a abertura de
um posto de trabalho. Dessa forma, percebe-se claramente como
a política de combate à inflação
ampara-se em uma meta antiemprego.
Marcio Pochmann, 37, economista, é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
E-mail: pochmann@eco.unicamp.br
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