São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Meta antiemprego

MARCIO POCHMANN

Em janeiro deste ano, o governo federal abandonou o mecanismo basilar do Plano Real de combate à inflação, sustentado na âncora cambial. A partir de agora, o país conta com uma nova sistemática, que procura garantir a estabilidade monetária, expressa por meio de meta inflacionária prefixada. Uma vez definido o patamar de inflação para o ano, as autoridades governamentais passam a monitorar o comportamento geral dos preços, dispondo de medidas macroeconômicas a ser usadas no cumprimento da meta inflacionária. Idêntico empenho demonstrado pela equipe econômica no enfrentamento do processo inflacionário durante os últimos cinco anos não pode ser registrado no tratamento de outras questões tão ou mais relevantes para os brasileiros.
A situação do emprego emerge rapidamente como um bom exemplo. Entre julho de 1994 e abril de 1999, embora a economia tenha apresentado evolução positiva do Produto Interno Bruto -ainda que a taxas pouco expressivas-, o volume de emprego assalariado com carteira em todo o país foi reduzido em 1,5 milhão. Esse número aproxima-se do 1,7 milhão de empregos formais perdidos durante o período de janeiro de 1990 a junho de 1994, justamente quando o país passou por três anos de recessão (1990/ 92) e apenas 16 meses de recuperação econômica (1993/94).
Ao todo, os anos 90 consagram a pior conta negativa do emprego formal dos últimos 60 anos, pois o saldo é desfavorável em 3,2 milhões de postos de trabalho. É importante destacar que o posto de trabalho formal é, em geral, o melhor tipo de ocupação que a economia brasileira tem conseguido gerar, pois se trata do "bom emprego", com carteira assinada pelo patrão e com direito à seguridade social.
O aumento na quantidade de trabalhadores sem emprego surge em contrapartida, pois, durante a vigência do Plano Real, a taxa de desemprego foi acrescida em quase 50%. Além disso, a composição do desemprego tem sido alterada drasticamente, pesando também, cada vez mais, para os segmentos que até pouco tempo quase não eram afetados, como os de maior escolaridade e os pertencentes às mais altas faixas etárias.
Da mesma forma, regiões geográficas que até então não conheciam significativamente o problema do desemprego aberto passaram a ter que conviver com essa lamentável realidade. Ao contrário do que chegou a falar um ministro despreparado, quem pode hoje dizer que não conhece um desempregado ou mesmo não tenha entre os familiares alguém que passa ou passou recentemente pela situação do desemprego?
Tudo isso para não falar na evolução das ocupações precárias, que tornam ainda piores as condições e relações de trabalho e ainda menores os rendimentos dos trabalhadores. Mesmo para os 22,5 milhões de trabalhadores assalariados com registro em carteira, que, diante do regime do medo instaurado no interior das empresas pela possibilidade recorrente de perda do emprego, chegam a ter ganhos salariais atuais inferiores, em média, a um terço do que eram na década de 1980.
Para um país que se tornou conhecido mundialmente por ter conseguido implementar -entre as décadas de 1930 e 1970- um projeto avançado de industrialização nacional, porém fundamentado em baixos salários, os anos 90 consagram uma etapa de regressão econômica e social, com queda no produto industrial, desemprego em massa e diminuição nos rendimentos dos trabalhadores. É difícil imaginar, mas há ainda aqueles que, diante desse triste quadro nacional, conseguem identificar sinais de mobilidade social ascendente, justamente quando tem sido a imobilidade social a marca deste final de século para os brasileiros.
Não causa espanto, pois, a confirmação de que, para manter a paz de cemitério, a equipe econômica esteja novamente preparada para fazer o que for necessário para atingir as metas de inflação. Bom mesmo seria conhecer previamente o compromisso das autoridades governamentais com a geração de postos de trabalho, a meta de redução do desemprego e de elevação de postos de trabalho, a meta de redução do desemprego e de elevação do bem-estar social. Mas isso parece estar cada vez mais distante, em face de tanta indiferença governamental. Confirmando-se o prognóstico de um gasto para 1999 estimado em R$ 100 bilhões com encargos financeiros, o Brasil tomará conhecimento de que deixou de criar 7,7 milhões de empregos, levando-se em consideração o pequeno investimento de R$ 13 mil, em média, necessário para a abertura de um posto de trabalho. Dessa forma, percebe-se claramente como a política de combate à inflação ampara-se em uma meta antiemprego.


Marcio Pochmann, 37, economista, é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
E-mail: pochmann@eco.unicamp.br


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