São Paulo, Terça-feira, 10 de Agosto de 1999
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LUÍS NASSIF

A busca do tempo político


O tempo político do governo acabou. No mercado financeiro, arma-se grossa tempestade, alimentada pela deterioração do ambiente político interno, pela constatação de que se bateu no limite do ajuste fiscal e pelo agravamento das condições internacionais -particularmente EUA e Mercosul.
O megaarrocho fiscal, produzido para atender às metas irreais firmadas com o FMI em fins do ano passado, está abortando as possibilidades da volta do crescimento. E a queda de popularidade de FHC está ameaçando sua base de apoio e a continuidade das reformas.
Nenhum ponto positivo do governo está conseguindo chegar até a opinião pública porque tem-se uma economia em crise profunda, desemprego e inadimplência grassando pesadamente.
Esse desgaste acumulado impede que se percebam algumas questões óbvias. Primeiro, FHC mudou e para melhor. Desfez-se dos acadêmicos que ocupavam postos de comando, entendendo que intelectual foi feito para pensar e gerente, para fazer. Está se voltando para a busca de resultados em questões reais -como promoção de exportações e gerenciamento do orçamento. O episódio do conflito comercial com a Argentina mostrou uma atitude inédita do governo defendendo os interesses do seu povo (posto que comércio é emprego).
Mas as mudanças chegaram tarde e são insuficientes. Tudo isso porque, no essencial, a política econômica não mudou, e a opinião pública sabe disso. Megaarrocho fiscal, privatização, concessões -com exceção da política monetária (que está mudando, mas não se sabe por quanto tempo ainda)-, tudo continua subordinado à lógica férrea de metas fiscais impossíveis, firmadas no acordo com o FMI. Toda a riqueza produzida no país está sendo utilizada exclusivamente para o pagamento de juros, para atender às metas com o FMI.
Não dá para continuar, e nem se trata de bazófia nacionalista, mas de redefinição de prioridades. E a prioridade número um é a recuperação das condições políticas.
Na semana passada, houve o primeiro sinal relevante de mudança de agenda, ao se impedir a escalada imprudente de aumentos de combustíveis.

Pensar grande
É possível perceber que mudou a cabeça de FHC, mas a falta de "timing" para acelerar as mudanças poderá ser fatal. Deveria começar a trabalhar em um plano de contingência para enfrentar a crise que se avizinha. E, desta vez, sem medo de pensar grande.
Um dos pontos cruciais é, desde já, reabrir negociações com o FMI para reavaliar as metas fiscais. Se não fizer por bem, agora, vai ser obrigado a romper mais adiante usando retórica pesada. É tarefa das mais complexas, porque passa pela solvabilidade das dívidas interna e externa.
Do ponto de vista operacional, o governo tem mais foco e está melhor estruturado para tratar das coisas do mundo real. Mas ainda falta o porta-voz com peso político, capaz de transformar esse trabalho em discurso de alcance geral e conferir capacidade de decisão à estrutura que foi montada.
O modelo de privatização precisa urgentemente ser revisto. A estratégia FHC-Malan, de utilizar a privatização exclusivamente para quitar a dívida monetária, não pega mais. O conceito de encontro de contas -inclusive como forma de sanear a Previdência- deve ser recuperado com urgência, para conferir legitimidade ao processo.
Em relação ao Mercosul, há muito tempo deveria existir uma comissão binacional de alto nível -entre Brasil e Argentina- para discutir ou a moeda única ou formas de concatenação da política cambial. Será impossível para a Argentina persistir em sua política cambial atual. A saída do processo tem que ser articulada com o Brasil para que seja bem-sucedida e não implique uma guerra cambial de consequências desastrosas para o continente.

Indexação
Não tem lógica a decisão do STJ, de definir o IPC como índice de correção dos financiamento habitacionais, e a BTNF como índice de correção da poupança. Seja qual for a escolha, o índice tem que ser o mesmo tanto para operações passivas quanto ativas.

Esso
Já que o governo decidiu assumir a defesa de interesses nacionais, no caso da Argentina, chegou a hora de jogar duro contra a Exxon (Esso). A empresa venceu uma demanda fiscal contra o governo -em torno do pagamento do Pis/Cofins- exclusivamente porque os advogados da União perderam o prazo. São R$ 15 milhões por mês, R$ 180 milhões por ano (o mesmo que o subsídio à Ford) em cima de uma questão, no mínimo, malcheirosa.
Essa decisão, além de injusta para com o país, está desequilibrando todo o mercado de distribuição de combustível. Essa mesma empresa vai assinar com a Petrobrás o maior dos contratos de parceria.
É hora de se saber que tem governo. Dever-se-ia condicionar a assinatura do contrato à desistência da ação.
A propósito: quem foi o responsável pela perda do prazo da União?

E-mail: lnassif@uol.com.br


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