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São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Surpresas positivas e seus possíveis usos

ANTONIO BARROS DE CASTRO

No início deste ano a previsão média do mercado para o saldo comercial a ser alcançado em 2003 era de US$ 15,3 bilhões. Neste momento (nos últimos 12 meses), o saldo das transações comerciais encontra-se em US$ 23 bilhões. Poderá cair um pouco, digamos, para US$ 21 bilhões -o que certamente não anula a surpresa.
É bem verdade que a economia como um todo se mostrou mais inerte do que o previsto: a estimativa de crescimento do PIB baixou de 2% para 1% (ou mesmo 0,5%). Mas isso não é suficiente para explicar o grande avanço alcançado no resultado das transações comerciais. Sobretudo se tivermos em conta que a substancial valorização do real (o câmbio poderá fechar o ano no entorno de R$ 3, contra uma previsão inicial de R$ 3,65) atuou contra a ampliação do saldo. Registrada a surpresa, cabe acrescentar que, já em 2002, o modesto resultado previsto para o saldo, de US$ 5 bilhões, havia sido de longe ultrapassado pelos US$ 13 bilhões efetivamente alcançados (nesse caso, porém, a desvalorização seguramente deu uma boa contribuição).
Fica-se, em suma, com a impressão de que algo importante não está sendo compreendido. Os preços têm, sem dúvida, dado um reforço ao aumento das exportações de básicos. Mas a realidade é que as vendas de manufaturados também têm evoluído muito bem: em quantidades, diversificação de produtos, abertura de novos mercados e até mesmo conteúdo tecnológico dos produtos remetidos para o exterior. A rigor, tudo menos expansão do mercado mundial -que continua a dar-se a níveis muito inferiores aos atingidos no passado.
Parte dos resultados alcançados deve ser atribuída às políticas de exportação, tornadas mais atuantes e efetivas nos últimos anos. É muito possível, contudo, que uma parte não desprezível se deva a um motivo jamais referido -que poderá adquirir importância se, como tudo indica, estivermos saindo da recessão e inaugurando uma retomada do crescimento. Refiro-me à reestruturação das empresas e plantas industriais, para a qual tantas vezes chamamos a atenção nesta coluna.
A profunda reestruturação levada a efeito na década passada teve como referências básicas as ameaças trazidas pela abertura da economia e as dimensões do mercado doméstico, reveladas pela explosão de demanda que se seguiu ao lançamento do Plano Real. Em numerosos setores aquele mercado mostrou ser, contudo, uma miragem. Mas, para os projetos de reestruturação (e as novas fábricas), insisto, ele era a referência.
Postas diante de uma realidade bem menos alentadora do que o previsto, as empresas buscaram, de alguma maneira, adaptar-se. Entre as soluções possíveis se encontravam: o mero redirecionamento das vendas para o exterior, sem alteração de produtos e sem investimentos voltados para a conquista de novos espaços no exterior; mudanças de produtos e abertura de novos mercados; e a substituição improvisada (originalmente não prevista) de importações. Teriam contribuído para a alteração dos portfólios de produtos os novos equipamentos, incomparavelmente mais flexíveis que no passado, e as novas formas de organização do trabalho e de gerenciamento, muito mais abertas à mudança. Na medida em que as duas últimas soluções (diferenciação de produtos e criação de novos mercados) tenham contribuído para a surpreendente evolução do saldo comercial, somos colocados ante uma inédita questão: o que ocorrerá com os novos produtos e novos mercados, recentemente conquistados, diante da retomada provável (ainda que moderada) do mercado doméstico?
A resposta a ser dada a essa nova questão deve ter em consideração o fato de que o saldo comercial que rápida e inesperadamente conseguimos obter (sem retração do nível de atividades) não é muito inferior à soma total de juros, lucros e dividendos anualmente remetidos para o exterior. Isso significa que, inicialmente iludidas e, a seguir, premidas pelas circunstâncias, as empresas vieram a explorar possibilidades latentes na reestruturação e nos investimentos levados a efeito por ocasião das mudanças dos anos 1990. À medida que perenizadas e desenvolvidas, essas possibilidades poderiam dar a sua contribuição para a blindagem do nosso balanço de pagamentos.
Em tempo: a questão que acaba de ser levantada também nos obriga a indagar sobre a efetiva capacidade produtiva de uma estrutura muito mais flexível, como a que emerge da reestruturação.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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