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Europa e Amorim já trocam acusações
DO ENVIADO ESPECIAL A CANCÚN
Nem começou formalmente a
conferência ministerial da OMC,
o que só acontece hoje, mas Brasil
e União Européia já trocam farpas
indiretas.
Abriu o fogo o comissário (espécie de ministro) de Agricultura
europeu, o austríaco Franz Fischler, que acusou o G20 (iniciativa
liderada pelo Brasil e pela Índia)
de pretender criar "duas OMCs,
uma com compromissos só para
os países desenvolvidos e, a outra,
com agenda para os países em desenvolvimento".
O troco veio em seguida, na
conversa entre o chanceler brasileiro, Celso Amorim, e os jornalistas brasileiros (apenas três desta
vez): "Eles [os europeus] é que
querem criar duas OMCs, uma
para agricultura e a outra, para os
demais temas".
Agricultura
De certa forma, Amorim tem
razão: os europeus insistem em
tratar agricultura de maneira diferente dos demais bens. "Não se
pode banalizar o comércio agrícola, tratando-o como um chip",
diz Pascal Lamy, o comissário europeu para Comércio.
Lamy define as fronteiras da
discussão para a reunião em Cancún: "Basicamente, trata-se de decidir se a agricultura deve ser
apoiada ou não".
A União Européia acha que sim,
como é óbvio, até porque exatamente a metade do seu orçamento é dedicada ao suporte dos produtores rurais.
O Brasil, também obviamente,
acha que não, até porque desde a
Rodada Uruguai, iniciada em
1986 (e encerrada oito anos depois), se debate sobre o tratamento a ser dado à agricultura.
A segunda troca de farpas veio
em torno de um dos países mais
pobres do mundo, Burkina Fasso,
na África.
Fischler disse que "Burkina Fasso não pode competir com o Brasil", em alusão ao fato de que o
poderio exportador do agronegócio brasileiro não daria chance
nenhuma para o pobre país africano, se a agricultura fosse de fato
plenamente liberalizada.
"Não pode é competir com os
subsídios europeus e norte-americanos", retrucaria depois o
chanceler Amorim, que, aliás,
acaba de receber em Brasília o
presidente do país involuntariamente usado na polêmica com os
europeus.
Duelo
A troca de farpas indica que o
chanceler brasileiro tem razão ao
dizer que "o eixo do jogo em Cancún é, em grande parte, União Européia/Estados Unidos X G21" (o
G20, agora reforçado pela adesão
do Egito).
"Eles estavam acostumados a
mandar no mundo e vêem, agora,
surgir um grupo que não pode ser
desprezado", completa o chanceler brasileiro.
Os europeus não desprezam o
G20, mas, a cada intervenção de
seus delegados, procuram mostrar que o debate não pode ser tratado nos velhos termos de o norte
rico versus o sul pobre.
"Oitenta por cento dos benefícios do livre comércio viriam da
redução de barreiras entre os próprios países em desenvolvimento", afirma, por exemplo, Franz
Fischler.
Mesmo alguns aliados tradicionais do Brasil na questão da liberalização agrícola, como a Austrália, dizem agora concordar com a
tese européia de que o confronto
sul/norte é inadequado.
Mark Vaile, o ministro australiano do Comércio, diz que aceitar
a proposta do G20 no item específico de acesso a mercado (tarifas
de importação) seria, sim, criar
uma situação norte X sul.
É que a proposta, para atender a
Índia, país protecionista em agricultura (como em outras áreas),
resguarda os mercados do hemisfério sul, jogando todo o peso da
abertura agrícola para os países
ricos.
(CLÓVIS ROSSI)
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