UOL


São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Europa e Amorim já trocam acusações

DO ENVIADO ESPECIAL A CANCÚN

Nem começou formalmente a conferência ministerial da OMC, o que só acontece hoje, mas Brasil e União Européia já trocam farpas indiretas.
Abriu o fogo o comissário (espécie de ministro) de Agricultura europeu, o austríaco Franz Fischler, que acusou o G20 (iniciativa liderada pelo Brasil e pela Índia) de pretender criar "duas OMCs, uma com compromissos só para os países desenvolvidos e, a outra, com agenda para os países em desenvolvimento".
O troco veio em seguida, na conversa entre o chanceler brasileiro, Celso Amorim, e os jornalistas brasileiros (apenas três desta vez): "Eles [os europeus] é que querem criar duas OMCs, uma para agricultura e a outra, para os demais temas".

Agricultura
De certa forma, Amorim tem razão: os europeus insistem em tratar agricultura de maneira diferente dos demais bens. "Não se pode banalizar o comércio agrícola, tratando-o como um chip", diz Pascal Lamy, o comissário europeu para Comércio.
Lamy define as fronteiras da discussão para a reunião em Cancún: "Basicamente, trata-se de decidir se a agricultura deve ser apoiada ou não".
A União Européia acha que sim, como é óbvio, até porque exatamente a metade do seu orçamento é dedicada ao suporte dos produtores rurais.
O Brasil, também obviamente, acha que não, até porque desde a Rodada Uruguai, iniciada em 1986 (e encerrada oito anos depois), se debate sobre o tratamento a ser dado à agricultura.
A segunda troca de farpas veio em torno de um dos países mais pobres do mundo, Burkina Fasso, na África.
Fischler disse que "Burkina Fasso não pode competir com o Brasil", em alusão ao fato de que o poderio exportador do agronegócio brasileiro não daria chance nenhuma para o pobre país africano, se a agricultura fosse de fato plenamente liberalizada.
"Não pode é competir com os subsídios europeus e norte-americanos", retrucaria depois o chanceler Amorim, que, aliás, acaba de receber em Brasília o presidente do país involuntariamente usado na polêmica com os europeus.

Duelo
A troca de farpas indica que o chanceler brasileiro tem razão ao dizer que "o eixo do jogo em Cancún é, em grande parte, União Européia/Estados Unidos X G21" (o G20, agora reforçado pela adesão do Egito).
"Eles estavam acostumados a mandar no mundo e vêem, agora, surgir um grupo que não pode ser desprezado", completa o chanceler brasileiro.
Os europeus não desprezam o G20, mas, a cada intervenção de seus delegados, procuram mostrar que o debate não pode ser tratado nos velhos termos de o norte rico versus o sul pobre.
"Oitenta por cento dos benefícios do livre comércio viriam da redução de barreiras entre os próprios países em desenvolvimento", afirma, por exemplo, Franz Fischler.
Mesmo alguns aliados tradicionais do Brasil na questão da liberalização agrícola, como a Austrália, dizem agora concordar com a tese européia de que o confronto sul/norte é inadequado.
Mark Vaile, o ministro australiano do Comércio, diz que aceitar a proposta do G20 no item específico de acesso a mercado (tarifas de importação) seria, sim, criar uma situação norte X sul.
É que a proposta, para atender a Índia, país protecionista em agricultura (como em outras áreas), resguarda os mercados do hemisfério sul, jogando todo o peso da abertura agrícola para os países ricos.
(CLÓVIS ROSSI)


Texto Anterior: Comércio exterior: EUA rejeitam o texto do G20, Brasil reage
Próximo Texto: Trabalho: Unidas, CUT e Força pedem 20% de reajuste
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.