São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A proposta de negociação nacional

LUIZ MARINHO

Antes de mais nada, cabe pedir licença aos articulistas, aos repórteres e aos leitores da Folha para, a partir de outra lógica, outra linguagem, que não a usada rotineiramente por este importante jornal, explicar a proposta de negociação nacional que vem sendo discutida na sociedade. Ou seja, pedir que deixem um pouco de lado conceitos e o pessimismo -confessado em editorial na segunda-feira, 6- com os quais este jornal vem trabalhando, para tentar entender a posição da CUT.
Em 19 de agosto, depois de avaliar como positivas as notícias sobre o desempenho da economia brasileira, a Direção Nacional da CUT, reunida em São Paulo, deu publicidade -por meio de coletiva à imprensa- à resolução política (www.cut.org.br) que avalia a conjuntura econômica do país e faz uma proposta de ampla negociação nacional.
Na avaliação da conjuntura, a CUT alerta a sociedade brasileira para os riscos representados pela possibilidade de que o atual crescimento da economia não seja sustentável, não distribua renda e acabe se mostrando passageiro, como em outros momentos da nossa história recente, em que ciclos de expansão se renderam diante das crises internacionais e da falta de dinamismo interno.
Para a central, o crescimento sustentável exige, de imediato, adoção de medidas como a política de recuperação dos salários, investimentos em infra-estrutura, aumento da capacidade de produção da indústria, garantia de fornecimento de matérias-primas, redução das taxas de juros básicos e na ponta do crédito, entre outras iniciativas. Também é estratégico recompor a ação do Estado nas políticas públicas voltadas para as áreas sociais e recuperar seu papel na promoção do desenvolvimento e dos investimentos, especialmente na área de infra-estrutura.
Em conseqüência dessa avaliação, a resolução propõe ao governo federal aproveitar o momento para liderar um amplo processo de negociação na sociedade brasileira com o objetivo de superar os riscos apontados. Além de dispor-se a participar dessa negociação, a CUT afirma que ela deve envolver também outros movimentos sociais, assim como os empresários dos setores produtivo e financeiro. Os bancos devem ser chamados à necessidade de reduzir taxas de juros na ponta do tomador final, as empresas têm de, nas cadeias produtivas, negociar preços e abastecimento de insumos a longo prazo. O governo tem de -sem reduzir arrecadação- estar disposto a promover a redução da carga tributária com um caráter redistributivo da renda. E conclui: mais que metas de inflação e recordes de arrecadação, o país precisa pensar em desenvolvimento a partir da valorização do trabalho formal e do crescimento da produção de bens de valor agregado e do consumo, do estabelecimento de metas sociais, como a da geração de emprego, metas de aumento de salário médio, de massa salarial e de distribuição de renda.
A resolução da CUT, portanto, fala em aumento de salário, distribuição de renda, pactuação de preços e metas de geração de emprego. Também propõe um processo de negociação nacional. Com esses conceitos, parece natural que o jornal, assim como a imprensa de forma geral, tenha desconhecido até hoje a existência dessa resolução.
No entanto, só depois de duas semanas da divulgação da proposta, a Folha trouxe o assunto em chamada de capa e em duas páginas do caderno Dinheiro (edição do dia 3). A abordagem, naturalmente, traduzia as minhas palavras literais para o discurso do jornal: o exemplo citado por mim, do acordo automotivo de 1992, que vigorou durante três anos e que estabeleceu aumento real de salários em 20%, virou, na chamada de capa da mesma edição, "redução de pressões salariais". Esse conceito passou a ser repetido nas edições seguintes, apesar do desmentido que fiz e o qual a própria Folha publicou no dia seguinte.
Para a CUT, ao contrário, com ou sem negociação nacional, as campanhas salariais devem ter como meta os aumentos reais, a exemplo do que acabaram de conseguir os metalúrgicos das montadoras. Eles conquistaram a inflação integral, ganho real de 3,7% e mecanismo de limitação de horas extras -uma bandeira que, aliás, é um dos objetivos a serem perseguidos pelos trabalhadores em qualquer negociação nacional. São acordos assim que defendemos como meio de elevar a renda e, por conseqüência, o consumo, a produção e o nível de emprego, o que não quer dizer que, a exemplo do que ocorreu em 1992, não se possa negociar aumentos reais a longo prazo.
Em nenhum momento, o documento da Direção Nacional da CUT fala em mudanças no modelo econômico. É, portanto, estranho que a Folha insista em questionar a proposta, por meio de especulações sobre a opinião contrária do ministro Antonio Palocci Filho, justificando a manchete do jornal no dia 8. A CUT prefere acreditar que o ministro da Fazenda esteja fazendo eco com o presidente Lula, que declarou apoio à idéia.
Por fim, reitero ainda o que já explicitei em entrevistas: nem a CUT nem a Fiesp se consideram à altura para liderar a negociação nacional proposta. Para nós, é claro que a liderança deve ser do presidente Lula e que desse processo façam parte as entidades representativas do movimento sindical, empresários e os setores sociais que desejam ver garantido o desenvolvimento sustentável do país. Esse desejo, acredito, é de todos, inclusive da mídia.


Luiz Marinho, 45, é o presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Hoje, excepcionalmente, a coluna de Luiz Carlos Mendonça de Barros não é publicada.


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