São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRANSE

Presidente do BC afirma que o sentimento de pessimismo observado na campanha eleitoral influenciou o mercado

Ação do BC no dólar tem limite, diz Armínio

NEY HAYASHI DA CRUZ
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, disse ontem que há "limites" para o que o BC e o governo podem fazer para conter a alta do dólar, pois, na sua avaliação, o país enfrenta uma crise de confiança. Sem citar diretamente o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Armínio deu a entender que a saída para a crise depende das ações do candidato petista.
"Paira no ar um clima de incerteza, de que está tudo errado, de que tem que mudar tudo, o que gera até um certo complexo de inferioridade no cidadão", afirmou. Armínio disse que o sentimento de pessimismo observado durante a campanha eleitoral acabou influenciando o comportamento do mercado. "Acredito que esse foi um erro de diagnóstico e isso precisa ser corrigido."
Segundo ele, a crise de confiança se deve a um clima de "medos" que pairam no ar. "Existe hoje um clima de medo de que não se vai prosseguir numa trajetória de responsabilidade fiscal e transparência, medo de que não haverá um compromisso firme com taxa de inflação baixa", disse.
O presidente do BC disse ainda que "não é suficiente repetir um discurso ou divulgar um comunicado" para acalmar os investidores. Durante a campanha, Lula apresentou uma carta, batizada de "Carta ao Povo Brasileiro", onde se comprometia com itens como o respeito a contratos, a responsabilidade fiscal e o controle da inflação.
Armínio negou, porém, que estivesse defendendo a candidatura de José Serra (PSDB). "Não admito nem sequer uma insinuação a esse respeito. Nunca houve nenhum viés na atuação do Banco Central, nem para um lado, nem para o outro", disse. Serra já disse, repetidas vezes, que pretende manter Armínio no comando do BC caso vença as eleições.
As declarações foram feitas durante entrevista concedida a jornalistas na sede do BC, em Brasília, após almoço da equipe econômica com o presidente Fernando Henrique Cardoso.
O objetivo da conversa era relatar o resultado de conversas mantidas na semana passada durante o encontro anual do FMI (Fundo Monetário Internacional), nos Estados Unidos.

Decisão técnica
Armínio voltou ao Brasil na quarta-feira da semana passada e afirmou que o fato de conceder uma entrevista três dias depois da definição em torno do segundo turno da eleição presidencial não deve ser entendido como uma tentativa de influenciar no processo eleitoral.
"É uma visão minha, técnica e desapaixonada dessa situação que nós vivemos. Ela tem como preocupação principal não apenas o momento que vivemos, mas, principalmente, o que nós temos pela frente a partir do início de 2003, início de governo novo", disse. "O meu papel neste momento, além da administração das questões monetárias e financeiras, é sim de continuar fazendo parte do debate, sem me envolver na coisa partidária. Acho que isso não é papel de Banco Central", completou.
A entrevista durou cerca de uma hora e, durante esse tempo, Armínio não citou o nome de nenhum presidenciável. "Eu me recuso a comentar sobre candidatos", afirmou.
Armínio disse ainda que falava como "mensageiro" da sociedade, inclusive dos pobres e da classe média. "Eu sou mensageiro do que vejo, do que capto, das empresas brasileiras, das pessoas com quem eu converso nas ruas, autoridades na área acadêmica, financeira, política [...] Falo com muita gente que não é do mercado, pessoas que trabalham no setor real, pessoas que são pobres, pessoas de classe média."

A ação do BC
Nos últimos meses, o governo tomou várias medidas para tentar conter a desvalorização do real. A última delas foi tomada na segunda-feira passada, quando o BC decidiu reduzir o limite imposto para a quantidade de dólares que o bancos podem comprar.
Esse limite varia de acordo com o tamanho do patrimônio de cada instituição. O objetivo era obrigar os bancos a vender parte dos dólares de suas carteiras, o que poderia levar a uma queda na cotação da moeda.
Até agora, porém, o dólar continua subindo. Ontem, a moeda fechou em R$ 3,875. Armínio disse que não considera que a contínua desvalorização do real seja reflexo de erros cometidos pelo BC na condução da política econômica. "Eu continuo insistindo na tese de que nós temos um caminho bom a percorrer, que nós temos de agir acreditando que isso vai acontecer, de maneira realista, cautelosa. Nós não podemos deixar de acreditar na existência desse caminho", afirmou.
Além disso, Armínio negou que a decisão de limitar a atuação dos bancos no mercado de câmbio, anunciada um dia depois do primeiro turno das eleições, tivesse caráter político. "A medida foi tomada no momento que achamos adequado."

Cenário externo
Para o presidente do BC, as causas do nervosismo observado no mercado financeiro estão relacionadas também ao cenário externo, por causa do desaquecimento da economia mundial e da ameaça de uma guerra entre Estados Unidos e Iraque.
No cenário interno, Armínio citou a preocupação com o tamanho da dívida pública e a situação das contas externas. Para ele, porém, ambos os problemas não são tão graves como alguns analistas de mercado enxergam.
Sobre a situação fiscal, Armínio ressaltou que a maior parte do endividamento do governo está nas mãos de investidores nacionais, que aplicaram em títulos públicos. "Nós somos o nosso próprio credor", afirmou.
Sobre a situação das contas externas, Armínio criticou, novamente sem citar nomes, aqueles que defendem a adoção de algum tipo de controle de capitais para conter a disparada do dólar e a fuga de recursos do país. "Isso é uma maluquice", disse. A idéia foi mencionada por investidores estrangeiros durante o encontro do FMI.


Texto Anterior: Vencimento de dívidas cresce e amplia pressão
Próximo Texto: BC é culpado pela alta da moeda, diz Delfim
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.