São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

Os acertos de FHC

A crise ajuda, os erros cometidos pelo governo ajudam, o clima de campanha ajuda, assim como o patrulhamento, que costuma afetar analistas de nervos mais frágeis. Mesmo assim, é incompreensível que o debate político não consiga trazer para primeiro plano as conquistas do governo Fernando Henrique Cardoso. Parece que os oito últimos anos foram de estagnação em todos os campos, o que decididamente não é verdade.
Nestes oito anos o país mudou, sim, e para melhor. Poderia ter melhorado mais? É claro, se houvesse mais empenho gerencial por parte do governo e não tivesse sido cometido o extraordinário erro da política cambial do primeiro governo. Mas avançou-se muito mais do que a maioria absoluta dos governos que passaram pelo país no século passado.
No final de 1994 tinha-se um país federativo estropiado, sem regras claras nas relações entre os diversos agentes públicos. Hoje há regras, que permitem cada vez mais o aprimoramento nas relações entre entidades públicas.
No final de 1994, tinha-se ainda uma economia cartelizada, com poucos agentes empenhados em implantar novas formas de negócio. É verdade que as pequenas e médias empresas foram massacradas pelos erros da política monetária e cambial. Mas também há novos setores que surgiram, empresas criadas desde então ou fortalecidas ou que chegaram ao país, trazendo uma enorme sofisticação nos hábitos empresariais.
Em fins de 1994 eram proibitivos os preços de telefones, eletrodomésticos. Hoje telefone virou peça tão banal que as companhias começam a pensar como disputar a classe D. No entanto o que ficam são slogans tipo "queimou nosso patrimônio". Como assim? As empresas foram vendidas a preços incrivelmente elevados, o Estado recebeu pagamento e hoje recebe, em impostos, o equivalente ao faturamento das companhias no período pré-privatização. Ocorreu a universalização da telefonia, os preços despencaram e ainda permitiram aos diversos Estados acertar suas contas, com uma megatributação.
A própria estabilidade inflacionária significou avanço enorme no planejamento público e das empresas. A administração pública e as empresas que continuaram estatais experimentaram, pela primeira vez em 20 anos, continuidade na ação administrativa e profissionalização na gestão. As mudanças no Banco do Brasil criaram quadros estáveis de direção, assim como na Petrobras. A flexibilização na legislação petrolífera foi bombardeada do começo ao fim, sob a acusação de que se pretendia quebrar a Petrobras. Tem-se hoje a empresa se projetando no mundo, como a primeira grande multinacional brasileira. De prima pobre das estatais, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos sofreu enormes mudanças, com gestão profissionalizada.
Na administração direta, o congelamento do salários das funções públicas tradicionais foi compensado pelo surgimento de novas categorias públicas e por uma renovação sem precedentes no serviço público -que vinha sendo desmantelado desde o governo Figueiredo. Renovou-se a burocracia do Banco Central, criaram-se as figuras dos gestores públicos, mudou-se a forma de gerenciar o Orçamento com o Plano Plurianual.
No campo da ciência e tecnologia, criaram-se fundos setoriais e montou-se pela primeira vez, desde o governo Castello Branco, um claro foco na inovação empresarial como fator de competitividade. Hoje se tem uma comunidade científica brotando em todos os cantos do país, discutindo o novo foco das pesquisas e as formas de interação com a área privada. Na área social, definiu-se um novo padrão de relacionamento com a sociedade civil, as ONGs, com Estados e municípios.
Cometeram-se inúmeros erros -e aqui mesmo, na coluna, desmascarei tentativa recente da Secretaria do Tesouro Nacional de reduzir a responsabilidade do governo na criação da dívida interna atual. Mas é importante que todas essas conquistas sejam reconhecidas, assim como os erros do governo sejam devidamente apontados. Até para que as conquistas sejam preservadas pelos sucessores.

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