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LUÍS NASSIF
O que pensam
os "justiceiros"
Tenho recebido muitos e-mails a respeito das colunas
dos últimos dias, defendendo
um julgamento isento para os
assassinos do índio Galdino.
Qualquer leitura imparcial
constatará que não estou advogando sua absolvição, mas o direito dos jurados de apreciar as
provas serenamente, avaliar
agravantes e atenuantes, sem se
fiar nas versões parciais da mídia. E, depois disso, proferir a
sentença, qualquer que seja ela.
O primeiro impulso do jornalista, nesses casos polêmicos, é
publicar os e-mails de apoio
-que têm sido vários, reconfortantes e equilibrados. Mas a
parte mais interessante para entender esses processos de catarse
são os e-mails contra, dos "indignados".
O que pensa uma pessoa que
não aceita que um criminoso
possa ter um julgamento isento?
Contra quem ela deseja, de fato,
investir para ser tomada de
uma indignação quase irracional quando se depara, em meio
à unanimidade de julgamentos,
com uma só voz dissonante? É
bom tema para cientistas e psicólogos sociais.
O leitor J.K. recorre a uma das
versões mais correntes, de que os
rapazes são filhos de "figurões
de Brasília". Esse elemento está
em praticamente todas as manifestações. "Será que, se os jovens
do caso Galdino não fossem filhos de figurões de Brasília, o senhor estaria tão empenhado em
que a mídia os tratasse com
"neutralidade'?" Fui o primeiro
a defender as vítimas dos episódios Escola Base e bar Bodega,
mas não vem ao caso.
Em muitos e-mails -como é o
caso do leitor P.A.L.-, o sacrifício ritual dos rapazes permite
malhar figurativamente o "governo". "Governo", na maioria
dos casos, é visto como uma entidade abstrata, que sintetiza
todas as mazelas do mundo, toda injustiça, toda opressão. Afinal, nenhum dos rapazes
-nem seus pais- pertence ao
"governo" nem à chamada "elite de Brasília". Ao governo, pertence o presidente FHC, que
-para vergonha do intelectual
FHC- sancionou o linchamento.
Os defensores do direito absoluto das maiorias são, por definição, propensos ao autoritarismo. Alguns disfarçam, outros
são bastante explícitos, como é o
caso do leitor em questão: "É revoltante que um jornal como a
Folha abra seu espaço, por três
dias seguidos, para um senhor
chamado Luís Nassif fazer a
apologia de quatro assassinos!
(...) De minha parte espero uma
posição da Folha a respeito desse episódio, uma vez que penso
seriamente em suspender minha assinatura".
Esse tipo de público não se
prende muito a análises críticas
de fatos. Busca a catarse, e alguns perdem o prumo quando
acontece algo que atrapalhe essa celebração ritual. Em alguns
casos, mais raros, os leitores não
extravasam frustrações nem
buscam outros inimigos na
"malhação dos Judas", mas advogam simplesmente a lei de talião -o famoso "olho por olho",
ultrapassado pelos processos judiciais modernos. É o caso do
leitor G: "Li seu artigo hoje e
gostaria de lhe dizer que, segundo a Bíblia, aqui colhemos o que
semeamos. Podemos (e devemos) perdoar nossos inimigos,
como nos diz Jesus Cristo, mas
Deus não vai deixar de puni-los".
Esse sentimento -de que o
processo judicial, o contraditório (ou seja, contrapor os fatos),
é uma maneira de evitar a punição- está presente em boa parte dos e-mails, demonstrando o
descrédito na Justiça. Diz o leitor C.: "O "coitadismo" não pode
prevalecer sobre a idéia de Justiça. E será que o que você chama
de linchamento não é simplesmente uma reação legítima
diante da verdade incontroversa dos fatos apurados?". Mesmo
sem ter consultado os autos, o
leitor considera a verdade "incontroversa", inclusive acerca
da motivação e dos antecedentes dos jovens, mostrando o excepcional poder de convencimento da mídia.
É evidente -e não poderia ser
diferente- que no meio dos e-mails apareceriam os membros
das torcidas organizadas de futebol. Como o leitor A.C.S., que
mandou o e-mail todo em
maiúsculas: "LUIS NASSIF, CADA VEZ MAIS V. TORNA-SE
UM JORNALISTA CHAPA-BRANCA. DEFENDEU A
CPMF, ESTÁ DEFENDENDO
ASSASSINOS FILHINHOS DE
JUÍZES. AFINAL, QUEM LHE
PAGA? A FOLHA DE SP, PARA
UM JORNALISMO ISENTO,
COERENTE, JUSTO, OU ALGUM PISTOLÃO DO GOVERNO FEDERAL?".
Fazer parte dessas maiorias
autoritárias expõe seus membros a companhias desse naipe.
No fundo, é apenas uma diferença de verniz.
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail - lnassif@uol.com.br
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