São Paulo, domingo, 10 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

EUA concentram poder para evitar declínio global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

No momento em que a geopolítica do presidente Bush financia e dá apoio político à nobreza da Arábia Saudita, que por sua vez é a principal financiadora do terror anti-EUA, o sistema de relações internacionais entra em curto-circuito completo. Os extremos se tocam de modo espantosamente evidente, convergindo na supremacia da violência como principal modo de manutenção da atual ordem internacional.
Sem Guerra Fria, os EUA criaram um novo inimigo que é tão global quanto a sua própria supremacia. Na economia, arma-se o mesmo tipo de situação. Em princípio, o capitalismo não tem mais adversário e portanto se estabeleceu de forma consolidada e irreversível em escala global. No entanto, essa vitória se faz acompanhar de um declínio econômico tão global quanto a vitória do capitalismo selvagem.
Instituições multilaterais como a ONU e o FMI, passando pelos bancos multilaterais e agências de desenvolvimento, tornaram-se inúteis, pois o que vale é o império da força.
Além da inutilidade política, tornaram-se incapazes economicamente. É fato que a dimensão gigantesca dos fluxos livres de capitais globais tornam a capacidade de intervenção até mesmo do FMI parecer pouco mais que uma gota.
Os principais bancos centrais são incapazes de se coordenar. Na semana passada, depois de uma surpreendente redução de juros nos EUA, que jogou as taxas em seu nível mais baixo das últimas quatro décadas, o Banco Central Europeu decidiu que não devia acompanhar o esforço de Alan Greenspan, presidente do Fed (banco central dos EUA). O diferencial entre as taxas induz os capitais a se moverem em busca da proteção e do rendimento oferecidos pelos Estados europeus. O euro se valorizou.
A valorização do euro, no entanto, dificulta as exportações européias, tornando ainda mais nebuloso o futuro de trabalhadores na Alemanha, por exemplo. Os EUA, que reduziram os juros na tentativa de tirar a economia da estagnação iminente, tornam-se nesse contexto mais competitivos. Mas como os EUA vão exportar mais para os europeus, com o câmbio desvalorizado, se o principal problema da União Européia é a falta de crescimento?
Em resumo: sem coordenar suas políticas de juros, EUA e UE dificultam ainda mais a retomada do crescimento econômico mundial (o Japão continua patinando). E a livre movimentação de imensos volumes de capitais internacionais torna-se o mecanismo fiador, o elemento mediador, frequentemente violento e sem compromissos de longo prazo.
Há portanto uma simetria macabra entre o predomínio da violência na geopolítica e a violência que resulta da supremacia das finanças globalizadas sobre o destino de todo o sistema internacional.
Essa proximidade não escapou ao olhar dos melhores analistas da economia mundial, como Michel Aglietta e André Orlean (http://www.cepii.fr/francgraph/publications/
livres/odilejacob/monnaieaglietta.htm
).
Entre a violência e a confiança, a moeda é o fato social total que encerra em si a essência da (des)ordem global.
O anúncio do corte histórico dos juros nos EUA coincide com a acachapante vitória do Partido Republicano nas eleições do meio de mandato do presidente Bush, com base na retórica do medo e da guerra. A maior economia do mundo se esforça para evitar o declínio com o uso simultâneo da força, da política econômica e da convergência das energias nacionais numa liderança conservadora.


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