São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Gatos escaldados

BENJAMIN STEINBRUCH

Capital estrangeiro é ótimo. Complementa a falta de poupança interna, estimula a economia e cria empregos, mas é desconfiado, arisco e escapa quando se tenta agarrá-lo.
A crise pré-eleitoral deixou um bom exemplo de como é importante preservar o capital nacional e a empresa genuinamente brasileira. Dados fornecidos pelo Banco Central mostram como foi o comportamento dos bancos estrangeiros durante a crise, que começou em abril e chegou ao ápice em setembro, quando o dólar atingiu R$ 4. Em resumo, os números indicam que esses bancos praticamente se retiraram do mercado de títulos públicos no momento em que o BC mais precisava colocar seus papéis para rolar dívida interna. De julho a setembro, os bancos nacionais compraram mais de 80% dos títulos públicos vendidos. Em setembro, eles ficaram com 87% do total de papéis e com 100% das NTN-C indexadas ao IGP-M.
É bom deixar claro que os bancos estrangeiros não fizeram isso porque são malvados ou antiéticos. Eles apenas seguiram as recomendações dos mais elementares manuais de conduta no setor. O capital internacional tem, por natureza, aversão ao alto risco e foge rapidamente quando há sinais de perigo.
Os bancos estrangeiros estavam assustados com os acontecimentos da Argentina. Lá, quando acabou a conversibilidade que garantia a cotação de um dólar por peso, eles perderam pelo menos US$ 8 bilhões do dia para a noite. Assim, como gato escaldado tem medo de água fria, por via das dúvidas, quando irrompeu a crise brasileira, trataram de se cuidar.
Além de fugir de títulos públicos, por medo de calote, segundo dados publicados pelo jornal "Valor", alguns bancos venderam ativos num total equivalente a R$ 17 bilhões neste ano. Ativo é o conjunto de bens, valores e créditos que constituem o patrimônio de uma empresa. Dessa forma, ao vender esses ativos e repatriar o capital, ajudaram a aumentar a demanda e a alta do dólar. Ao mesmo tempo, seguraram o crédito. A expansão de seus empréstimos foi de apenas 6,27% em 12 meses até setembro, enquanto os bancos nacionais ampliavam a oferta em 17,55%.
Duas coisas precisam ser ditas. A primeira é que houve honrosas exceções entre os estrangeiros, de bancos que mantiveram suas posições mesmo diante do quase pânico instalado no mercado. A segunda é que os bancos nacionais não fugiram, mas cobraram juros altos para continuar participando dos leilões de títulos públicos e, em muitos casos, puseram o pé no freio do crédito, até porque seguem os mesmos manuais que recomendam cuidado absoluto com risco de calote ou inadimplência.
De qualquer forma, há uma diferença fundamental entre um banco nacional e um estrangeiro, evidenciada nessa crise pré-eleitoral. Para um nacional, a desgraça do Brasil seria necessariamente a sua própria ruína. Para um estrangeiro, que opera nos diferentes mercados mundiais, seria apenas um transtorno passageiro. Ficou claro, portanto, como é importante ter bancos locais grandes e sólidos. A Argentina, por conta da maior internacionalização de seu sistema financeiro, não teve a mesma sorte.
A lição não vale apenas para o setor financeiro, mas também para os demais, inclusive o industrial. É claro que o investimento produtivo aplicado em máquinas e equipamentos, por exemplo, tende a reagir mais lentamente. Porém, tanto quanto o capital financeiro, odeia riscos e foge deles.
Fortalecer o empreendedor nacional, independentemente de setor ou tamanho, é tarefa da qual não se pode descuidar quando se sonha com um novo Brasil.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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