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LUÍS NASSIF
O foro especial e o PT
Um ex-secretário do governo Mário Covas responde a mais de uma dezena de
ações cíveis. Trata-se de figura
pública de ilibada reputação,
uma das grandes vocações de
administração pública dos últimos anos. Passou pelo governo
federal e pelo estadual e não se
sabe de um ato suspeito que possa ter cometido.
Todas as ações questionam
atos de governo e têm claro viés
político. As leis brasileiras punem a chamada "litigância de
má-fé" -as denúncias sem embasamento jurídico- com uma
condenação equivalente a um
percentual do valor da indenização pedida. Para contornar essa
punição, os denunciadores recorrem a ações populares ou a
valores simbólicos. Mas o que o
ex-secretário paga aos advogados, para se defender, nada tem
de simbólico.
O ex-secretário provavelmente
será absolvido de todas as acusações. Sendo inocente, quem o
ressarcirá do dinheiro que precisou colocar do próprio bolso para contratar advogados e fazer
frente a essas demandas? O que
se obteve com esse conjunto de
ações contra ele: justiça ou vingança política?
Indago dos eminentes advogados que se pronunciaram contra
o foro especial para ex-autoridades (o direito de serem julgadas
apenas por tribunais superiores): a situação relatada com o
ex-secretário de São Paulo é específica ou ameaça qualquer integrante de cargo público, inocente ou culpado, deste ou de
qualquer governo?
É evidente que esse recurso pode ser utilizado por qualquer adversário político contra quem tenha cargo de governo, quebrando-o financeiramente, mesmo
que seja inocente. Bastará a um
advogado tachar uma decisão
pública de ilegal -mesmo que
ela seja absolutamente legal-
para que a vítima seja punida,
não pela sentença final, que a
absolverá, mas pelos custos que
terá de arcar com advogados e
viagens, repito: mesmo sendo
inocente.
Se a ação jurídica pode ser manobrada politicamente tal qual
relatado aqui -e os críticos do
foro especial sabem disso, porque muitos deles já se valeram
"ad nauseam" desse tipo de expediente, no direito ou na mídia-, qual a alternativa que
apresentam ao projeto de lei para impedir esses abusos? Tem
que ter alguma, ou não?
A lei foi feita para proteger os
inocentes. Ao remeter autoridades para julgamento em tribunais superiores, de modo nenhum se estará isentando-as de
punição, caso sejam culpadas.
Afinal, existem liberdade de imprensa e vigilância permanente
para impedir "arreglos".
Erra quem invoca o princípio
da igualdade para criticar o foro
especial. Igualdade consiste em
tratar de maneira diferente os
desiguais. Ocupantes de cargos
públicos estão muito mais vulneráveis ao uso político de ações judiciais do que qualquer outro tipo de cidadão.
Ao ficar a favor do foro especial, o PT mostra apenas amadurecimento e o reconhecimento
de que a arma que utilizou contra tantos -o abuso das ações
judiciais- pode se voltar contra
ele, porque virou instrumento
político, não de justiça.
Lei da Mordaça
A Lei da Mordaça (que impede
que procuradores, juízes e imprensa noticiem processos antes
da sua conclusão) são outros
quinhentos. Há que coibir os
abusos, mas a posteriori. E abusos existem, sim, é só analisar
quanta baboseira foi dita em
torno do dossiê Cayman, tratado
como tema sério por tantos durante tanto tempo. Mas há limites e formas de coibir abusos, que
não atentem contra a liberdade
de divulgação.
Figura insuspeita, por ter posição política francamente a favor
de Luiz Inácio Lula da Silva, o
ex-procurador Raymundo Faoro, em capa da revista "Carta
Capital", criticou a tentativa de
proibir a divulgação dos inquéritos, mas reconheceu que "alguma coisa, sem sombra de dúvida, deve ser feita para evitar a
imprudente e irresponsável acusação".
Sua proposta seria criar uma
espécie de tribunal de ética, no
qual "os (procuradores) mais experientes esfriem os ardores dos
iniciados e neófitos. Se o acusador não aceitar a decisão, não
estará impedido de falar, mas falará unicamente em seu nome,
sem invocar a instituição".
E-mail - LNassif@uol.com.br
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