São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

O foro especial e o PT

Um ex-secretário do governo Mário Covas responde a mais de uma dezena de ações cíveis. Trata-se de figura pública de ilibada reputação, uma das grandes vocações de administração pública dos últimos anos. Passou pelo governo federal e pelo estadual e não se sabe de um ato suspeito que possa ter cometido.
Todas as ações questionam atos de governo e têm claro viés político. As leis brasileiras punem a chamada "litigância de má-fé" -as denúncias sem embasamento jurídico- com uma condenação equivalente a um percentual do valor da indenização pedida. Para contornar essa punição, os denunciadores recorrem a ações populares ou a valores simbólicos. Mas o que o ex-secretário paga aos advogados, para se defender, nada tem de simbólico.
O ex-secretário provavelmente será absolvido de todas as acusações. Sendo inocente, quem o ressarcirá do dinheiro que precisou colocar do próprio bolso para contratar advogados e fazer frente a essas demandas? O que se obteve com esse conjunto de ações contra ele: justiça ou vingança política?
Indago dos eminentes advogados que se pronunciaram contra o foro especial para ex-autoridades (o direito de serem julgadas apenas por tribunais superiores): a situação relatada com o ex-secretário de São Paulo é específica ou ameaça qualquer integrante de cargo público, inocente ou culpado, deste ou de qualquer governo?
É evidente que esse recurso pode ser utilizado por qualquer adversário político contra quem tenha cargo de governo, quebrando-o financeiramente, mesmo que seja inocente. Bastará a um advogado tachar uma decisão pública de ilegal -mesmo que ela seja absolutamente legal- para que a vítima seja punida, não pela sentença final, que a absolverá, mas pelos custos que terá de arcar com advogados e viagens, repito: mesmo sendo inocente.
Se a ação jurídica pode ser manobrada politicamente tal qual relatado aqui -e os críticos do foro especial sabem disso, porque muitos deles já se valeram "ad nauseam" desse tipo de expediente, no direito ou na mídia-, qual a alternativa que apresentam ao projeto de lei para impedir esses abusos? Tem que ter alguma, ou não?
A lei foi feita para proteger os inocentes. Ao remeter autoridades para julgamento em tribunais superiores, de modo nenhum se estará isentando-as de punição, caso sejam culpadas. Afinal, existem liberdade de imprensa e vigilância permanente para impedir "arreglos".
Erra quem invoca o princípio da igualdade para criticar o foro especial. Igualdade consiste em tratar de maneira diferente os desiguais. Ocupantes de cargos públicos estão muito mais vulneráveis ao uso político de ações judiciais do que qualquer outro tipo de cidadão.
Ao ficar a favor do foro especial, o PT mostra apenas amadurecimento e o reconhecimento de que a arma que utilizou contra tantos -o abuso das ações judiciais- pode se voltar contra ele, porque virou instrumento político, não de justiça.

Lei da Mordaça
A Lei da Mordaça (que impede que procuradores, juízes e imprensa noticiem processos antes da sua conclusão) são outros quinhentos. Há que coibir os abusos, mas a posteriori. E abusos existem, sim, é só analisar quanta baboseira foi dita em torno do dossiê Cayman, tratado como tema sério por tantos durante tanto tempo. Mas há limites e formas de coibir abusos, que não atentem contra a liberdade de divulgação.
Figura insuspeita, por ter posição política francamente a favor de Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-procurador Raymundo Faoro, em capa da revista "Carta Capital", criticou a tentativa de proibir a divulgação dos inquéritos, mas reconheceu que "alguma coisa, sem sombra de dúvida, deve ser feita para evitar a imprudente e irresponsável acusação".
Sua proposta seria criar uma espécie de tribunal de ética, no qual "os (procuradores) mais experientes esfriem os ardores dos iniciados e neófitos. Se o acusador não aceitar a decisão, não estará impedido de falar, mas falará unicamente em seu nome, sem invocar a instituição".
E-mail - LNassif@uol.com.br


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