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ANÁLISE
Fronteira entre a economia e a política fica mais tênue
Economia brasileira já cresce com vigor, enquanto novos estímulos tributários, seletivos, elevam o desequilíbrio fiscal e aumentam a dívida bruta da União
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL
Com a proximidade das eleições e o arrefecimento da crise
financeira mundial, fica mais
tênue a fronteira que separa o
esforço do governo para fortalecer a economia da sua preocupação em ganhar as eleições.
É nessa zona, cada vez mais
cinzenta, que se situa o pacote
anunciado ontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para estimular investimentos e sustentar o crescimento
da economia brasileira.
O pacote tem três pilares:
mais isenções tributárias, um
novo aporte (de R$ 80 bilhões)
para o BNDES e a criação de
um instrumento para permitir
aos bancos privados financiar
projetos de longo prazo.
Algumas dessas novidades
receberam elogios generalizados. É o caso, por exemplo, da
autorização para que os bancos
privados emitam ao público letras financeiras, uma espécie
de debênture, como alternativa
a aplicações de longo prazo.
Hoje os bancos não conseguem investir em grandes projetos, de longa maturação, porque captam seus recursos por
meio de certificados de depósito interfinanceiro, no curto
prazo. Esse descasamento os
impede de entrar, por exemplo,
em obras de infraestrutura.
Elogiada por todos, essa novidade só passará a funcionar,
diz o presidente de um grande
banco, quando for organizado
um mercado secundário de letras financeiras que permita ao
investidor vender os papéis antes do prazo, se assim o desejar.
Ciclo eleitoral
Outras medidas anunciadas
ontem, no entanto, foram recebidas com grande dose de desconfiança. Motivo: como a economia brasileira já recuperou
seu tônus, novas ações para
acelerar a economia servirão
apenas para jogar lenha na fogueira da inflação e deteriorar o
equilíbrio fiscal.
Tomem-se, por exemplo, os
sucessivos aportes de recursos
do Tesouro ao BNDES. Da maneira como têm sido feitos, eles
se resumem a criar dinheiro
sem, aparentemente, aumentar a dívida líquida do país.
A estratégia é possível porque, sob o ponto de vista contábil, a operação entre duas partes do setor público é neutra
em termos de endividamento
líquido -embora aumente, e
muito, a dívida bruta.
Essa mágica foi recentemente criticada por um dos mais
festejados gestores de recursos
privados do Brasil, Luís Stuhlberger, da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG).
Segundo ele, trata-se de uma
ação "parafiscal", que estaria
fragilizando as contas públicas
sem chamar a atenção dos contribuintes brasileiros.
"Desde junho de 2008, o volume de crédito do BNDES subiu aceleradamente, e a dívida
bruta também. A dívida bruta
passou de 54,8% em junho para
66,5% do PIB em setembro, ou
seja, um aumento de 12 pontos
percentuais", escreveu ele em
recente relatório.
Outra crítica diz respeito às
desonerações fiscais. Quando
elas começaram, no início do
ano, apenas para carros e eletrodomésticos, o Brasil estava
no olho do furacão da crise financeira internacional. Eram,
portanto, justificadas.
Agora, com a economia crescendo mais de 8% na margem,
torna-se difícil justificar o benefício fiscal a alguns setores
em detrimento de outros. Para
analistas, as novas medidas refletiriam apenas o poder de
mobilização de alguns setores
industriais -os eleitos.
A favor do governo fica a seguinte opinião do professor e
ex-ministro Delfim Netto: "Essas medidas são boas não só para o país, mas para o próximo
presidente. Seja ele quem for".
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