São Paulo, quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

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ANÁLISE

Fronteira entre a economia e a política fica mais tênue

Economia brasileira já cresce com vigor, enquanto novos estímulos tributários, seletivos, elevam o desequilíbrio fiscal e aumentam a dívida bruta da União

MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL

Com a proximidade das eleições e o arrefecimento da crise financeira mundial, fica mais tênue a fronteira que separa o esforço do governo para fortalecer a economia da sua preocupação em ganhar as eleições.
É nessa zona, cada vez mais cinzenta, que se situa o pacote anunciado ontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para estimular investimentos e sustentar o crescimento da economia brasileira.
O pacote tem três pilares: mais isenções tributárias, um novo aporte (de R$ 80 bilhões) para o BNDES e a criação de um instrumento para permitir aos bancos privados financiar projetos de longo prazo.
Algumas dessas novidades receberam elogios generalizados. É o caso, por exemplo, da autorização para que os bancos privados emitam ao público letras financeiras, uma espécie de debênture, como alternativa a aplicações de longo prazo.
Hoje os bancos não conseguem investir em grandes projetos, de longa maturação, porque captam seus recursos por meio de certificados de depósito interfinanceiro, no curto prazo. Esse descasamento os impede de entrar, por exemplo, em obras de infraestrutura.
Elogiada por todos, essa novidade só passará a funcionar, diz o presidente de um grande banco, quando for organizado um mercado secundário de letras financeiras que permita ao investidor vender os papéis antes do prazo, se assim o desejar.

Ciclo eleitoral
Outras medidas anunciadas ontem, no entanto, foram recebidas com grande dose de desconfiança. Motivo: como a economia brasileira já recuperou seu tônus, novas ações para acelerar a economia servirão apenas para jogar lenha na fogueira da inflação e deteriorar o equilíbrio fiscal.
Tomem-se, por exemplo, os sucessivos aportes de recursos do Tesouro ao BNDES. Da maneira como têm sido feitos, eles se resumem a criar dinheiro sem, aparentemente, aumentar a dívida líquida do país.
A estratégia é possível porque, sob o ponto de vista contábil, a operação entre duas partes do setor público é neutra em termos de endividamento líquido -embora aumente, e muito, a dívida bruta.
Essa mágica foi recentemente criticada por um dos mais festejados gestores de recursos privados do Brasil, Luís Stuhlberger, da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG).
Segundo ele, trata-se de uma ação "parafiscal", que estaria fragilizando as contas públicas sem chamar a atenção dos contribuintes brasileiros.
"Desde junho de 2008, o volume de crédito do BNDES subiu aceleradamente, e a dívida bruta também. A dívida bruta passou de 54,8% em junho para 66,5% do PIB em setembro, ou seja, um aumento de 12 pontos percentuais", escreveu ele em recente relatório.
Outra crítica diz respeito às desonerações fiscais. Quando elas começaram, no início do ano, apenas para carros e eletrodomésticos, o Brasil estava no olho do furacão da crise financeira internacional. Eram, portanto, justificadas.
Agora, com a economia crescendo mais de 8% na margem, torna-se difícil justificar o benefício fiscal a alguns setores em detrimento de outros. Para analistas, as novas medidas refletiriam apenas o poder de mobilização de alguns setores industriais -os eleitos.
A favor do governo fica a seguinte opinião do professor e ex-ministro Delfim Netto: "Essas medidas são boas não só para o país, mas para o próximo presidente. Seja ele quem for".


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