São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um diplomata brasileiro

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"E stá morto: podemos elogiá-lo à vontade", comentou Machado de Assis sobre um de seus personagens. Realmente, em geral, nós não somos uns para os outros mais do que reles contemporâneos. Jorge Luis Borges, quando jovem, percebendo que ninguém aceitava as suas metáforas mais ousadas, passou a atribuí-las a algum remoto persa ou nórdico, com o que logo alcançou acolhida mais generosa.
Vamos fugir um pouco da regra. Fiz essa pequena introdução para homenagear um diplomata brasileiro contemporâneo, cuja contribuição à análise das relações internacionais do Brasil, nos campos econômico e político, não tem recebido o merecido destaque. Trata-se do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty.
Esse nosso diplomata trava, há muitos anos, uma batalha praticamente solitária para manter viva a chama de uma política externa independente e alertar a sociedade brasileira para os prejuízos decorrentes da submissão e da aceitação passiva das recomendações que nos vêm de fora.
A solidão pode ser difícil de suportar, mas sem ela o homem apodrece, dizia Ibsen. Diferentemente de muitos dos seus colegas no Itamaraty, o embaixador Pinheiro Guimarães não apodreceu. Continua a produzir, incansavelmente, com uma energia de fazer inveja, análises lúcidas da política externa do Brasil.
A sua mais recente contribuição é uma instigante entrevista ao portal Global 21 sobre a eventual formação da Alca, a Área de Livre Comércio das Américas (ver "Brasil pode dizer "não" à Alca", www.global21.com.br).
Como se sabe, muitos consideram a Alca "irreversível". É o que sempre acontece: quando está em pauta algum tema de interesse dos setores hegemônicos no plano mundial, imediatamente surge aqui no Brasil uma verdadeira multidão de políticos, economistas, intelectuais e jornalistas dispostos a declarar essa ou aquela tendência "irreversível", "inexorável", "inevitável" etc.
Perdeu-se a noção do ridículo. Processos históricos passam a ser apresentados como se fossem governados por leis incontroláveis ou férreas fatalidades, uma atitude mental que lembra, na melhor das hipóteses, o positivismo do século 19 e, na pior, os folhetins baratos de antigamente.
"Não há, na política internacional e no direito internacional, nenhum processo de negociação, em nenhum foro, em nenhuma região, em nenhuma organização que tenha de ser considerado irreversível e aceito passiva e submissamente pela sociedade", lembra o embaixador Pinheiro Guimarães.
Qualquer decisão inicial de negociar pode ser repensada e eventualmente abandonada. Nada obriga o Brasil a assumir compromissos, muito menos um acordo com a abrangência da Alca, que limitaria drasticamente a margem de manobra da política econômica brasileira e inviabilizaria, em definitivo, a formulação de um projeto nacional de desenvolvimento.
Como observa o embaixador Pinheiro Guimarães, a implantação da Alca concluiria o processo de abertura dos mercados latino-americanos para os bens, serviços e capitais norte-americanos. Mais do que isso, adverte ele, a Alca representaria o compromisso formal ou legal de manter esses mercados abertos. O Brasil se veria transformado no mais inerme dos grandes países da periferia.
Os EUA pretendem, como é óbvio, consolidar o seu controle sobre o continente americano. Desde os anos 90, auxiliados pela pusilanimidade da grande maioria dos dirigentes latino-americanos, deram largos passos nessa direção. O Brasil é provavelmente o único país da região que tem condições de conter e inverter essa tendência.

Paulo Nogueira Batista Jr., 45, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas - SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como ela é ..." (Boitempo Editorial, 2000, e-mail: boitempo@ensino.net).

E-mail: pnbjr@attglobal.net


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