São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Comentários de Lindsey não são boa profecia

PAUL KRUGMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

Se Milton Friedman não estivesse vivo, estaria se revirando no caixão. Seu legado foi traído -não pelos liberais do governo, mas pelos conservadores que vão assumir o poder.
Hoje, Friedman é visto principalmente como um apóstolo do livre mercado. Mas na maior parte de sua carreira foi mais conhecido como defensor da doutrina conservadora chamada monetarismo.
Basicamente, os monetaristas queriam que o governo deixasse os negócios da administração econômica a curto prazo. Isso significava, antes de tudo, recusar o uso da política fiscal -cortes de impostos ou aumentos de gastos discricionários- para combater as recessões.
De modo geral foi uma discussão que os monetaristas venceram pelas evidências. Poucos economistas hoje aceitam a visão de Friedman de que até a política monetária deve ser colocada sob controle de cruzeiro. Infelizmente, acontece que um abastecimento de dinheiro estável não é garantia de uma economia estável.
Mas hoje quase todos os economistas concordam com a posição de que a política monetária, e não a política fiscal, é a ferramenta ideal para combater as recessões que se abatem sobre a economia.
Quase todos os economistas, isto é, exceto os que foram ou pretendem ser escolhidos para cargos no novo governo. É realmente notável como o pessoal de George W. Bush parece totalmente convertido a uma visão keynesiana da política econômica -visão que, por acaso, lhes oferece mais uma justificativa para um corte de impostos que até os republicanos moderados consideram excessivo.
A última exposição dessa visão foi dada por Bush ao escolher Lawrence Lindsey para seu principal assessor econômico. No último final de semana, Lindsey incorporou Friedman, declarando que a política monetária é ineficaz, e que a política fiscal tem total supremacia.
"Vamos comparar o típico usuário de cartão de crédito em política monetária versus política fiscal. A redução da taxa de juros da última semana (quando o Fed cortou a taxa de 6,5% para 6% ao ano) beneficia o típico usuário de cartão de crédito em cerca de US$ 2 por mês, enquanto o corte de impostos de Bush, para uma família que ganha US$ 40 mil, representa redução de impostos de US$ 1.600 por ano, ou US$ 32 por semana. É uma vantagem muito maior."
Devemos admirar Lindsey. Não é fácil um economista conseguir uma jogada tripla. Mas ele o fez: sua declaração foi tendenciosa em três níveis distintos.
Primeiro, ele exagerou o impacto da redução de impostos proposta por Bush para as famílias comuns. A maioria das famílias ganharia muito menos do que ele indicou. Estimativas independentes indicam que, em média, até famílias com renda de US$ 50 mil receberiam apenas a metade desse desconto nos impostos.
Em segundo lugar, ele exagerou ao comparar o impacto da redução de impostos com apenas um pequeno efeito da redução da taxa de juros. As taxas menores (que, aliás, podem ser reduzidas ainda mais no futuro) também reduziriam os pagamentos de hipotecas -para não falar no peso da dívida sobre as empresas.
Finalmente, e mais importante, ele apresentou erradamente o funcionamento da redução da taxa de juros. Seu principal efeito sobre a demanda não é por meio da redução nos pagamentos que as pessoas fazem sobre dívidas já contraídas.
As taxas de juros menores funcionam estimulando os investimentos, isto é, induzindo as empresas e os indivíduos a pedir mais crédito, ou a colocar seu dinheiro em patrimônio, em vez de estacioná-lo em títulos. Foi assim que a redução da taxa levou à recuperação na última recessão, embora Bill Clinton tenha aumentado os impostos.
Foi uma exibição notável de análise econômica fantasiosa. Seria alarmante se o novo ministro da Economia acreditasse em qualquer das coisas que disse. Mas não precisamos nos preocupar. Foi apenas uma tentativa cínica de alguém que sabe conquistar apoio para o corte de impostos. Afinal, Lindsey teria defendido a redução mesmo que a economia dos Estados Unidos continuasse crescendo.
Ainda assim, os comentários de Lindsey não foram uma boa profecia. Uma virtude pouco percebida mas importante do governo Clinton foi sua honestidade na análise econômica e em sua divulgação. Em geral -e em contraste com alguns de seus antecessores-, os economistas de Clinton evitaram apresentar fatos enganosos, usando argumentos convenientes mas tendenciosos, ou empregar táticas de medo para vender suas idéias.
Mas já está claro que daqui para a frente as coisas serão diferentes. Parece que o governo que entra considera perfeitamente aceitável dizer coisas cuja falsidade é demonstrável, e até abandonar os princípios econômicos conservadores se assim conseguir vender sua política preferencial.



Tradução Luiz Roberto Gonçalves



Texto Anterior: Opinião Econômica - Paulo Nogueira Batista Jr.: Um diplomata brasileiro
Próximo Texto: Panorâmica - Bolsas: Dow Jones e Nasdaq fecham em alta
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.