São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

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LUÍS NASSIF

A volta do pêndulo no café

Depois de anos de vacas magras, o café poderá ter um período de bonança. Corre-se o risco de repetir pela enésima vez a receita da crise. O preço começa a melhorar, tomam-se medidas para impulsionar as cotações. O aumento viabiliza novamente a produção em países menos competitivos, gerando uma supersafra que, mais à frente, derrubará as cotações, jogando o mercado novamente na crise.
Chegou a hora de romper com esse círculo vicioso e não permitir mais a manipulação do setor pelas mesmas lideranças de sempre.
Em cinco anos, o prejuízo do setor foi de R$ 7,5 bilhões, calculado pelo caixa. Nem se considerou, nessa conta, a depreciação dos cafezais, o envelhecimento dos equipamentos. As cooperativas, de maneira geral, estão quebradas, em parte pela crise, em parte porque poucas delas são administradas profissionalmente.
O que as lideranças de sempre pretendem é utilizar os recursos do Funcafé para salvar cooperativas, sem colocar nenhuma contrapartida. Como a garantia de profissionalização da gestão.
Paradoxalmente, o aumento das cotações implicará aumento do rombo das cooperativas porque estimam-se em 2 milhões as sacas de café vendidas a descoberto -isto é, sem as cooperativas terem o produto.
O jogo do café é de outra ordem, e não se pode restringir a salvar cooperativas que adotaram políticas temerárias. Historicamente, no café a matéria-prima sempre representou 30% do preço final do produto. Hoje, não passa de 5%. A idéia da criação de uma supertrading do setor não enfoca o problema principal. A perda de margem do cafeicultor não está na exportação, mas nas xícaras de café. O investimento a ser feito é em marcas, na distribuição, e não na exportação da commodity.
Propostas mais razoáveis, que circulam no setor, propõem que, se a idéia é criar um Procafé, que pelo menos se eliminem do mercado as cooperativas quebradas. Elas seriam instadas a se incorporar em uma nova cooperativa, aportando passivos e ativos. Poderia ser pensada alguma maneira de o Funcafé apoiar a nova cooperativa, mas aí sob gestão profissional, limpando definitivamente a área do amadorismo que a caracterizou historicamente -com honrosas exceções. A questão é que as cooperativas quebradas querem a ajuda, mas não abrem os números. Seus passivos são desconhecidos.
Outro ponto é a necessidade de uma atuação contracíclica do governo. Em geral, o café é pró-cíclico. Em momentos de crise, os cafeicultores são obrigados a se desfazer de suas safras, acelerando a queda de preços. Em momentos de alta, retêm a produção, ao estimular a elevação das cotações.
Para atuar de forma contracíclica, nos momentos de crise cabe ao governo garantir capital de giro, para que o desespero não force a desova de estoques e a queda das cotações. Em momentos de bonança, pelo contrário, há que cobrar as dívidas, até para forçar os cafeicultores a vender seus estoques, aumentando a oferta, impedindo altas que, no momento seguinte, sempre acabam redundando em inversão.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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