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ARTIGO
Grito europeu por mudança cambial na Ásia é inútil
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Os membros europeus do
grupo dos sete "países mais
industrializados" conquistaram
uma vitória em Boca Raton, no final de semana. Mas foi só uma vitória no papel. Isso se deve em
parte ao fato de que a importância
do G7 vem declinando e em parte
à falta de disposição, ou capacidade, de seus membros para tomar
as medidas necessárias a mudar
alguma coisa. O comunicado pode estar repleto de som e de fúria,
mas não significa nada.
O documento parece determinado. "Reafirmamos", declara,
"que as taxas de câmbio devem
refletir os fundamentos econômicos. A volatilidade excessiva e os
movimentos desordenados das
taxas de câmbio são indesejáveis
para o crescimento econômico
(...) Nesse contexto, enfatizamos
que mais flexibilidade cambial é
desejável no caso de grandes países ou áreas econômicas em que
essa flexibilidade não exista, a fim
de promover ajustes suaves e generalizados no sistema financeiro
internacional, com base em mecanismos de mercado."
Para os três membros do G7 que
integram a zona do euro, essa linguagem retifica o equívoco do comunicado divulgado depois da
reunião de Dubai, em outubro.
Agora, ficou muito mais claro que
as acusações são dirigidas não ao
euro mas às moedas às quais falta
"flexibilidade", especialmente as
asiáticas. O G7 defendeu flexibilidade cambial em toda parte. Mas
alguém está escutando? A resposta, quase certamente, é não.
Não é difícil compreender por
que os europeus estão tão agitados. No ano passado, de acordo
com as projeções da OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), a
demanda doméstica na zona do
euro teria expandido o PIB dos
países integrantes em 1,2%, sem
outros fatores. Mas a deterioração
nos resultados líquidos do comércio externo, relacionada à disparada do euro, gerou crescimento
econômico de apenas 0,5%.
Não é difícil para os europeus
identificar os culpados. Entre o final de janeiro de 2002, quando o
dólar começou a cair rapidamente, e outubro de 2003, as reservas
cambiais mundiais foram acrescidas em US$ 831 bilhões. Desse total, US$ 611 bilhões foram acumulados pelos países asiáticos, com
liderança do Japão, com US$ 219
bilhões, China, com US$ 184 bilhões, e Taiwan, com US$ 73 bilhões. O total mundial acumulado
de reservas cambiais, investido
primordialmente em títulos do
Tesouro norte-americano, representava 2,25% do PIB do resto do
mundo e 4,5% do PIB norte-americano para o período de 21 meses
em questão. Esse deve ser o maior
programa de "assistência" de todos os tempos, em proporção ao
PIB mundial. E permitiu que os
EUA travassem guerra sem se privar das vantagens da paz, evitando a necessidade de escolher entre
canhões e comida.
Com o ajuste cambial mundial
bloqueado pela Ásia, toda a força
das mudanças terminou por se fazer sentir nas moedas que flutuam livremente nos mercados,
entre as quais o euro. Os países-membros da zona do euro vêm
sofrendo com o duplo problema
de uma demanda interna fraca e
perda de competitividade nos
mercados mundiais.
Novo sistema
Por que os asiáticos estão se
comportando dessa maneira? O
relato mais esclarecedor foi apresentado em um estudo publicado
em setembro. O velho sistema de
paridades cambiais fixas criado
pelos acordos de Bretton Woods
se desmantelou no começo dos
anos 70. Hoje, um novo sistema
emergiu, parcialmente, com as
economias asiáticas emergentes e,
por motivos algo diferentes, com
o Japão tentando preservar taxas
de câmbio competitivas. É isso o
que o economista australiano
Max Corden classificou como
"protecionismo cambial".
Como afirma o estudo, os países
asiáticos "optaram pela mesma
estratégia periférica que o Japão e
a Europa adotaram no pós-guerra, mantendo taxas de câmbio
subvalorizadas, administrando
intervenções consideráveis nos
mercados de câmbio, impondo
controles [de capital], acumulando reservas e encorajando crescimento conduzido pelas exportações, ao enviar produtos aos países centrais competitivos".
Deixemos de lado o debate
quanto à sensatez dessa estratégia. A questão é determinar se e
quando ela pode ser abandonada.
Parte da resposta é que não deve
haver razão para esperar que
qualquer desses países altere suas
políticas cambiais simplesmente
porque elas são inconvenientes
para os europeus. Se há alguma
coisa quanto à qual os asiáticos,
excetuado o Japão, e os norte-americanos concordam, é o fato
de que os lamurientos europeus,
suas economias decrépitas e seu
sistema político esclerosado estão
recebendo o que merecem. Ninguém sente grande necessidade
de ajudar aqueles que tão pouco
fazem por se ajudar.
Os asiáticos alterarão suas políticas apenas quando o impacto do
acúmulo de reservas sobre o crescimento da base monetária, crédito, inflação e acumulação de dívidas de baixa qualidade gerar riscos altamente adversos. Para os
japoneses, a intervenção ajuda a
superar a maldição da deflação.
Para os chineses, os preços ao
consumidor subiram só 3,2% nos
12 meses até dezembro. O objetivo da China continua a ser o crescimento econômico. Toda mudança de política que ameace sua
realização será rejeitada.
Choque Nixon
Os EUA certamente têm a capacidade de destruir quaisquer âncoras cambiais asiáticas, se decidirem agir assim, como aconteceu com o "choque Nixon", seu
pacote protecionista de 1971. Poderiam fazê-lo impondo barreiras
contra as exportações asiáticas ou
imprimindo dólares, para adquirir moeda asiática. Mas é bastante
improvável que o façam. As boas
relações com a China agora têm
forte importância geopolítica para os EUA. Além disso, a disposição dos países asiáticos quanto a
manter os preços dos bônus e o
dólar norte-americano altos ajuda a financiar a captação vultosa
que o governo e os domicílios
norte-americanos realizam.
A menos que o sentimento protecionista americano se torne esmagador, não há motivo para que
os EUA ataquem as políticas cambiais mercantilistas da Ásia.
Por fim, os europeus poderiam
se ajudar ao aderir ao clube da intervenção. Os administradores de
uma moeda sob pressão de alta
podem sempre derrubá-la, imprimindo mais dinheiro, mas só se
estiverem preparados para perder
o controle sobre a política monetária interna. É muito pouco provável que o BCE (Banco Central
Europeu) esteja disposto a fazê-lo. Talvez tome (como deveria)
certas medidas modestas sentido,
ao reduzir os juros. Mas, devido
ao seu medo infundado da inflação, parece pouco disposto a tentar uma medida modesta como a
sugerida acima.
Portanto a situação é simples.
Os europeus podem querer taxas
de câmbio tanto mais estáveis
quanto mais competitivas. Mas as
forças em ação na economia
mundial hoje -o imenso duplo
déficit dos EUA e o mercantilismo
asiático- tornam esse desejo irrelevante. A menos que sejam
sustentados por medidas determinadas, os comunicados mal valem o papel em que vêm escritos.
Tradução de Paulo Migliacci
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