São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

"A maldição de Coase" e as promoções de carros

HUGO MAIA

Nos últimos tempos, e mais especialmente em 2001, todos os jornalistas que cobrem a área automotiva queriam encontrar uma lógica para o excesso de promoções de veículos novos no mercado. Essa passou a ser a tônica da maioria das entrevistas solicitadas à Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores no Brasil). O departamento econômico da entidade resolveu, então, fazer uma pesquisa sobre o assunto, e o resultado é o que chamamos de "A maldição de Coase".
A conjectura de Coase, ou teorema de Coase (Coase, Ronald Harry, economista nascido em 1910, em Middlesex, na Inglaterra), analisa os impactos dos aumentos de preços do monopolista/oligopolista do bem durável.
A conjectura mostra que, a exemplo do monopolista/oligopolista do bem durável, a possibilidade de alterar o preço no futuro, aparentemente benéfica para o monopolista/oligopolista, acaba por prejudicá-lo. Isso ocorre porque, na expectativa de um preço mais baixo no segundo período, muitos consumidores racionalmente adiam a sua decisão de comprar o bem. O poder do monopolista/oligopolista sobre os potenciais consumidores no primeiro período diminui drasticamente com a possibilidade de variar o preço no futuro: a sua flexibilidade é a sua maldição!
Em linhas gerais, o argumento principal pode ser explicado do seguinte modo: em equilíbrio, as vendas do monopolista/oligopolista serão distribuídas ao longo do período de vida útil do bem durável. Como o período de variação dos preços é muito curto, os preços entre dois períodos consecutivos deverão ser essencialmente iguais.
Como os preços praticados pelas montadoras estão bem acima do suportável pelos consumidores, os fabricantes praticaram, nos últimos dois anos, o ato de conceder descontos e promoções sobre os preços de tabela. Com isso, acabaram caindo na chamada "maldição de Coase" e entraram num círculo vicioso que está trazendo enormes consequências tanto para as montadoras como para suas redes de distribuição.
Do lado das montadoras, as quatro principais marcas (Fiat, Volkswagen, Chevrolet e Ford) vêm gradativamente perdendo o seu "market share" para as novas marcas. Já a Fiat, que dentre as quatro foi a que praticou o aumento médio "menos" abusivo, teve como recompensa a conquista da liderança do mercado, mas com uma demanda inibida. As montadoras possuem hoje um alto índice de ociosidade nas suas fábricas, o que representa um custo de oportunidade perdido por elas.
Do ponto de vista das concessionárias, o lado financeiro foi o mais sentido. Como todo setor monopolizado/oligopolizado, geralmente medidas como a de promoções e/ou descontos tendem a estourar no lado mais fraco -que, nesse caso, é o lado das concessionárias. As distribuidoras viram suas margens operacionais encolher e passaram a viver, geralmente, de bônus das vendas dos veículos novos. Como consequência, o setor de novos, que na teoria seria o que geraria o maior ganho, não é o que dá resultados.
Mas o pior é que as atuais propagandas vinculadas em TV, jornais e rádios convocam o consumidor a ir às concessionárias apenas nos finais de semana, quando são divulgados os valores promocionais dos carros. As atuais promoções estão, portanto, deslocando todos os potenciais consumidores para comparecer à concessionária em apenas dois dias da semana, sendo que os outros cinco (geralmente de baixo movimento) ficam ao custo do concessionário. E, como em toda promoção, os consumidores mais racionais tardarão o máximo possível a sua compra em busca de uma melhor promoção.
A "maldição de Coase", no entanto, tem várias soluções. Como exemplo, temos o caso de montadoras nos EUA que adotaram a estratégia do "consumidor mais favorecido". Ao anunciar os preços dos novos modelos de automóveis, esses fabricantes comprometeram-se a pagar, aos primeiros compradores, a diferença entre o preço inicial e preços futuros mais baixos. Desse modo, conseguiram reforçar a credibilidade da política da manutenção do preço. Embora com a aparência de proteção dos interesses dos consumidores, essa política acaba por redundar em proveito próprio, como seria de esperar.
Aqui no Brasil existem concessionárias que já praticaram tais medidas. Uma delas consistia em trocar o veículo vendido hoje dentro de um período de um ano por outro modelo de preço igual sem qualquer ônus, bastando apenas ao comprador seguir um determinado número de requisitos na manutenção do veículo. Essa medida demonstra similaridade com o fato ocorrido nos EUA, com resultados igualmente positivos para fugir dessa maldição.
Mas a melhor forma de evitar a chamada "maldição de Coase" é a adoção de uma política correta de preços. Se no Brasil tivesse ocorrido uma elevação de preços racional por parte das montadoras, não teria havido tamanha necessidade de promoções e descontos. Ao contrário, as montadoras, certamente, teriam vendido 1,15 milhão de unidades a mais de automóveis e comerciais leves, diluídos num período de sete anos.
Além disso, teriam tornado as vendas de automóveis, tanto para o consumidor como para o concessionário, muito mais interessantes, já que um não precisaria postergar compras e teria o valor do seu patrimônio protegido e o outro não iria mais viver de bônus, e sim de sua margem operacional, própria de qualquer negócio.
Finalmente, embora a "maldição de Coase" implique problemas que, em teoria, podem levar à perda completa do poder de mercado, um monopólio/oligopólio é sempre um monopólio/oligopólio!
Concentração de poder de mercado, o futuro mostrará.


Hugo Maia é presidente da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores no Brasil) e da Aladda (Associação Latino-Americana de Distribuidores de Automotores da América Latina).


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