São Paulo, segunda, 11 de maio de 1998

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LUÍS NASSIF
Uma farsa cearense

A pendência entre o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e a Arisa Comercial Exportadora -relatada na coluna de 1º de fevereiro passado- merece uma atenção especial não apenas do Poder Judiciário, em suas instâncias maiores, como do próprio Executivo.
Numa ponta, tem-se o presidente do BNB Byron Queiroz. Em que pese virtudes administrativas, e um trabalho reconhecido à frente do banco, Byron tem uma tendência irresistível à truculência e ao exibicionismo, a ponto de constituir uma associação de funcionários cujo único objetivo parece ser o de promover sua imagem.
O segundo personagem é Antônio José Carvalho da Nóbrega, dono da Arisa - Agroindustrial Reflorestadora Ltda., um empresário atrevido e sem limites.
O terceiro personagem são juízes de primeira instância e um desembargador estadual, que passaram a conceder ganho de causa a todas as ações da Arisa contra o BNB, desrespeitando normas mínimas de bom senso e cautela com o dinheiro público.
Nas últimas semanas, fui exposto a um bombardeio de informações de lado a lado, em relação à ação. Da leitura de dezenas de folhas do processo, sobressai um jogo de foice no escuro, onde não existem heróis, e a única vítima parece ser o dinheiro público.
O enredo
Em 1993, apareceu em Fortaleza um aventureiro de nome Benyamin Dummay, dizendo-se exportador de frutas. Montou uma empresa de nome Enci - Agroindustrial Ltda., e pleiteou um financiamento rotativo junto ao BNB, apresentando como garantia fazendas adquiridas de Nóbrega. Levantou US$ 200 mil e sumiu da praça. Quando o BNB foi executar as garantias, Nóbrega apresentou documentos dizendo que o negócio havia sido desfeito entre eles, por falta de pagamentos de Dummay.
O banco entrou com uma ação de execução. Foi indicado pela Justiça um depositário judicial, que -segundo Nóbrega- teria arrestado bens que não faziam parte das garantias, inclusive inviabilizando comercialmente sua empresa, no período em que ficou sob responsabilidade do depositário.
Aí começa a sucessão de ações contra o banco.
A Arisa era uma empresa em dificuldades enormes. O balanço de 1992 apresenta um prejuízo líquido de US$ 595 mil, para uma receita operacional bruta de US$ 912 mil. As execuções judiciais de que é alvo, antes do arresto, ascendem a R$ 23 milhões, segundo levantou o próprio BNB. Suas exportações foram de US$ 521 mil em 1992, de US$ 736 mil em 1993 e de US$ 260 mil em 1994, segundo registros no Sisbacen.
Em 26 de junho de 1995, o juiz Washington de Oliveira Dias dá a primeira sentença contra o banco, numa ação de prestação de contas, condenando ao pagamento de honorários advocatícios de 20% sobre o valor estimado da causa -US$ 900 mil de honorários, quase o faturamento anual da Arisa.
O banco reagiu. Entrou com uma ação executória contra a empresa baseada em títulos rasurados -segundo sentença do juiz.
Em 6 de julho de 1995, o mesmo juiz condena o banco a uma tutela antecipada de R$ 3,8 milhões -para permitir à empresa se reerguer. O BNB exige que o empresário apresente garantias para liberar o dinheiro. Garantias são aceitas pelo juiz, sem que cubram o valor estipulado.
Em 4 de dezembro de 1995, o mesmo juiz profere nova sentença condenando o banco a indenizar a empresa em R$ 26,8 milhões. No pedido de indenização, o juiz aceitou -sem questionar e sem dar direito de defesa ao banco- a tese de que uma empresa que exportava não muito mais que US$ 700 mil anuais tenha sido impedida de faturar US$ 60 milhões com a safra de 94/95 por culpa da intervenção.
Para o Ministério Público Federal do Ceará, o quadro é claro: "O juiz de primeira instância firmou convicção ao lado da primeira ré, antes da colheita da prova, ou, pelo menos, antes de saber onde se encontrava o dinheiro do empréstimo de 200 mil dólares". Menciona "a incestuosa relação entre as empresas rés, Enci e Arisa. Que no ensejo da tomada do empréstimo os imóveis estavam em nome da Enci, na hora do resgatado débito, já pertenciam à Arisa, num passo de mágica, ou numa metamorfose mais rápida do que o nascimento de uma borboleta".
Retificação
Em relação ao primeiro artigo publicado, apenas uma retificação a fazer: em lugar de heroísmo, a ação de Byron de Queiroz parece ter sido conduzida apenas para enriquecer sua biografia. As manobras do banco para não cumprir as sentenças -ainda que estapafúrdias- geraram multas que ascendem a mais de R$ 70 milhões.
Cabe aos homens de bom senso da Justiça cearense, do Superior Tribunal de Justiça e do governo federal dar um basta a essa aventura, onde a única vítima poderá ser o dinheiro público.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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