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OPINIÃO ECONÔMICA
Vítimas
BENJAMIN STEINBRUCH
O nome dela não é esse, mas vamos chamá-la de Maria, para simplificar as coisas e proteger identidades. Depois de cumprir pena por latrocínio numa penitenciária feminina de São Paulo, chegou o dia que ela esperara com ansiedade durante quase 20 anos: o dia em que seria finalmente solta.
Maria fora informada de que
estava prestes a ganhar a liberdade, mas era impossível saber o dia
exato. De repente, numa manhã
de segunda-feira, soube que deveria deixar a penitenciária no prazo de uma hora.
Ela estava presa havia tanto
tempo que nem roupas próprias
tinha. Para poder deixar a prisão,
pediu ajuda a uma senhora que
fazia trabalho voluntário em presídios de São Paulo. Ganhou um
vestido novo e foi para a rua.
Os 20 anos de prisão haviam
apagado praticamente todos os
seus vínculos familiares. "Para
onde você quer ir?", perguntou a
senhora que fazia o trabalho voluntário, disposta a levá-la no
próprio carro para qualquer lugar na cidade.
Maria não sabia direito para
onde ir. Primeiro citou uma amiga que morava na Mooca, mas no
local não havia ninguém. Depois
lembrou-se de uma prima em segundo grau, na Vila Mariana,
que uma vez a visitara na prisão.
A prima estava em casa, relutou
em aceitá-la, mas afinal concordou em que ficasse lá por uma ou
duas semanas.
Não se sabe exatamente o que
aconteceu a partir desse momento. Mas, um ano depois dessa data, Maria estava novamente presa, acusada de cometer assassinato durante um assalto. Ao sair da
prisão, despreparada para exercer qualquer ofício, retomou a
única atividade profissional para
a qual a vida a havia preparado,
e a cadeia, aperfeiçoado: o crime.
Essa história me foi contada por
um amigo jornalista, marido da
senhora que fazia o trabalho voluntário. Não é uma história incomum. Praticamente não existe
reintegração à sociedade de criminosos depois do cumprimento
da pena, o que ajuda a manter os
índices insuportáveis de criminalidade no país.
Já abordei a criminalidade e a
violência neste espaço algumas
semanas atrás, mas volto ao tema
depois de ler neste fim de semana
sobre o bárbaro assassinato do repórter Tim Lopes, da TV Globo.
Cada vez mais me convenço de
que o combate ao crime organizado se trata de um caso de emergência nacional. Esse é certamente um gravíssimo problema social
e econômico, que precisa ser enfrentando com coragem pela sociedade.
Até pouco tempo atrás raramente havia economistas preocupados com essa questão. Recentemente, porém, muitos têm estudado o assunto, como Cláudio
Haddad, Naércio Menezes Filho e
Márcio Lisboa. Estima-se que o
custo do crime no Brasil represente cerca de 10% do PIB (Produto
Interno Bruto). Gasta-se, portanto, R$ 100 bilhões por ano com esse problema, sem que os resultados sejam visíveis. Apenas 2% dos
crimes violentos cometidos no
Brasil acabam em condenação,
índice que atinge 50% nos EUA,
por exemplo.
O risco de punição, portanto, é
baixíssimo no Brasil. Com isso,
nossos jovens, já desamparados
educacional e profissionalmente,
são levados a se engajar no crime.
Quando são presos e condenados,
aperfeiçoam-se e viram profissionais do crime nas "escolas" das
penitenciárias. A morte violenta
já é a principal causa de óbito de
brasileiros entre 15 e 25 anos de
idade, o que impõe sofrimentos
terríveis a milhares de famílias
brasileiras.
É um equívoco adotar postura
radical na identificação das causas da criminalidade crescente
que assusta o país. Ela advém de
um conjunto de fatores, como a
má formação educacional e cultural, desemprego, má distribuição de renda, facilidade de compra de armas, impunidade, corrupção e despreparo da polícia,
tráfico de drogas, consumo indiscriminado de álcool e falência da
instituição da família.
A história de Maria e o assassinato do jornalista Tim Lopes
mostram que somos todos vítimas
nessa matéria. Os que estão assustados com a violência e os que a
praticam. Ambas as partes precisam de proteção com ações corajosas e tecnicamente estudadas.
Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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