São Paulo, terça-feira, 11 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Vítimas

BENJAMIN STEINBRUCH

O nome dela não é esse, mas vamos chamá-la de Maria, para simplificar as coisas e proteger identidades. Depois de cumprir pena por latrocínio numa penitenciária feminina de São Paulo, chegou o dia que ela esperara com ansiedade durante quase 20 anos: o dia em que seria finalmente solta.
Maria fora informada de que estava prestes a ganhar a liberdade, mas era impossível saber o dia exato. De repente, numa manhã de segunda-feira, soube que deveria deixar a penitenciária no prazo de uma hora.
Ela estava presa havia tanto tempo que nem roupas próprias tinha. Para poder deixar a prisão, pediu ajuda a uma senhora que fazia trabalho voluntário em presídios de São Paulo. Ganhou um vestido novo e foi para a rua.
Os 20 anos de prisão haviam apagado praticamente todos os seus vínculos familiares. "Para onde você quer ir?", perguntou a senhora que fazia o trabalho voluntário, disposta a levá-la no próprio carro para qualquer lugar na cidade.
Maria não sabia direito para onde ir. Primeiro citou uma amiga que morava na Mooca, mas no local não havia ninguém. Depois lembrou-se de uma prima em segundo grau, na Vila Mariana, que uma vez a visitara na prisão. A prima estava em casa, relutou em aceitá-la, mas afinal concordou em que ficasse lá por uma ou duas semanas.
Não se sabe exatamente o que aconteceu a partir desse momento. Mas, um ano depois dessa data, Maria estava novamente presa, acusada de cometer assassinato durante um assalto. Ao sair da prisão, despreparada para exercer qualquer ofício, retomou a única atividade profissional para a qual a vida a havia preparado, e a cadeia, aperfeiçoado: o crime.
Essa história me foi contada por um amigo jornalista, marido da senhora que fazia o trabalho voluntário. Não é uma história incomum. Praticamente não existe reintegração à sociedade de criminosos depois do cumprimento da pena, o que ajuda a manter os índices insuportáveis de criminalidade no país.
Já abordei a criminalidade e a violência neste espaço algumas semanas atrás, mas volto ao tema depois de ler neste fim de semana sobre o bárbaro assassinato do repórter Tim Lopes, da TV Globo. Cada vez mais me convenço de que o combate ao crime organizado se trata de um caso de emergência nacional. Esse é certamente um gravíssimo problema social e econômico, que precisa ser enfrentando com coragem pela sociedade.
Até pouco tempo atrás raramente havia economistas preocupados com essa questão. Recentemente, porém, muitos têm estudado o assunto, como Cláudio Haddad, Naércio Menezes Filho e Márcio Lisboa. Estima-se que o custo do crime no Brasil represente cerca de 10% do PIB (Produto Interno Bruto). Gasta-se, portanto, R$ 100 bilhões por ano com esse problema, sem que os resultados sejam visíveis. Apenas 2% dos crimes violentos cometidos no Brasil acabam em condenação, índice que atinge 50% nos EUA, por exemplo.
O risco de punição, portanto, é baixíssimo no Brasil. Com isso, nossos jovens, já desamparados educacional e profissionalmente, são levados a se engajar no crime. Quando são presos e condenados, aperfeiçoam-se e viram profissionais do crime nas "escolas" das penitenciárias. A morte violenta já é a principal causa de óbito de brasileiros entre 15 e 25 anos de idade, o que impõe sofrimentos terríveis a milhares de famílias brasileiras.
É um equívoco adotar postura radical na identificação das causas da criminalidade crescente que assusta o país. Ela advém de um conjunto de fatores, como a má formação educacional e cultural, desemprego, má distribuição de renda, facilidade de compra de armas, impunidade, corrupção e despreparo da polícia, tráfico de drogas, consumo indiscriminado de álcool e falência da instituição da família.
A história de Maria e o assassinato do jornalista Tim Lopes mostram que somos todos vítimas nessa matéria. Os que estão assustados com a violência e os que a praticam. Ambas as partes precisam de proteção com ações corajosas e tecnicamente estudadas.


Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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