São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Pacotes do Fundo não elevam o risco moral global

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

E mprestar dinheiro para devedores irresponsáveis é um péssimo negócio e apenas perverte o comportamento de todos os outros devedores, atuais ou potenciais. Em torno dessa hipótese, conhecida como "risco moral", gira boa parte dos debates em torno de como funcionam os sistemas financeiros.
Ela imediatamente voltou ao centro das atenções na semana passada, quando o FMI e o governo dos EUA surpreenderam o mundo com o pacote de US$ 30 bilhões para o Brasil.
Não é por acaso que muitos analistas, a começar pelos burocratas do Fundo e do governo Bush, insistiram tanto na retórica de que o empréstimo se justifica pelo bom comportamento do governo brasileiro e pela qualidade de sua política econômica (supostamente melhor que a praticada pela Argentina).
Os dados disponíveis, no entanto, desmentem que haja aumento do risco moral antes ou depois de pacotes de resgate financeiro organizados pelo FMI. Ao menos é o que demonstra um estudo publicado há pouco mais de um ano por dois técnicos da instituição ("Does IMF Financing Result in Moral Hazard?", disponível no site www.imf.org/external/pubs/ ft/wp/ 2000/wp00168.pdf).
Os técnicos do Fundo estudaram as taxas de juros e descobriram que, entre 1995 e 1999, apenas 2 de 22 episódios de crise financeira em que houve intervenção do FMI restam dúvidas com relação ao risco moral.
Um dos casos duvidosos é o da crise russa, em 1998. Os investidores, antecipando a tese de que a Rússia era grande demais para quebrar, foram surpreendidos quando o FMI afinal não agiu para evitar a moratória.
Mas a instabilidade que se espalhou pelos mercados pode ter sido causada menos pela mudança na percepção da receita do FMI e mais pelo puro e simples contágio da crise russa.
Na prática, os técnicos do Fundo alertam para o tamanho relativamente pequeno dos recursos do Fundo diante do tamanho das crises, especialmente quando elas ameaçam o sistema global. Seria ingenuidade, dizem, acreditar que a intervenção do FMI é forte o suficiente para mudar o comportamento dos investidores.
Se a hipótese do risco moral fosse verdadeira, a dispersão entre as taxas de juros tenderia a diminuir com a montagem de operações amparadas pelo Fundo. A existência de taxas de risco diferenciadas é uma demonstração "dolorosamente simples" de que os investidores não contam com a garantia de que o FMI estará sempre disposto a intervir para evitar a moratória.
Uma das provas mais convincentes de que o risco moral é uma fantasia dos economistas mais conservadores, aliás, está na trajetória das taxas de juros de economias consideradas grandes demais para quebrar. Além da Rússia, o caso mais notório é o do Brasil. Se os mercados de fato aceitassem essa tese, as taxas de juros para créditos oferecidos a essas economias seriam menores e nem sequer existiriam crises de liquidez, pois os mercados antecipariam a intervenção supostamente saneadora do FMI.
Esse estudo é importante porque toma como base um sinal do próprio mercado, as taxas de juros, para desmentir a hipótese de que o funcionamento dos mercados torna-se menos eficiente por causa da ação de órgãos estatais.
A intervenção do FMI pode até piorar a situação das economias que caem sob seus cuidados. Mas a evidência empírica desmente o discurso de que os mercados perdem racionalidade antes, durante ou depois dessa intervenção.


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