São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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NO VERMELHO

Empresas pedem à CVM para dividir as perdas em quatro anos e, assim, melhorar seus balanços financeiros

Escalada do dólar cria buraco de até R$ 14,5 bi

ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

As empresas já perderam, só no segundo trimestre, R$ 3,1 bilhões com a escalada do dólar após a seca da moeda no mercado. Esse montante ainda deve crescer: os dados são dos balancetes publicados pelas próprias companhias, e aquelas que ainda não fizeram as contas irão entregar os números nesta semana. Há expectativa de que o rombo total -das 250 empresas mais negociadas na Bolsa- fique entre R$ 10 bilhões e R$ 14,5 bilhões, segundo auditores ouvidos pela Folha.
Até o momento, o buraco de R$ 3,116 bilhões nada mais é do que a diferença entre a despesa financeira que as 50 empresas que já divulgaram balanço tiveram em junho (R$ 4,438 bilhões) menos a registrada em março (R$ 1,322 bilhão). Essa despesa total que as companhias tiveram em junho já bateu o recorde do acumulado em setembro de 2001 (R$ 4 bilhões). Os dados são da Economática.
Sempre que a dívida em dólares de uma empresa cresce, por causa da desvalorização do real, a companhia precisa declarar o rombo no balanço. O crescimento desse buraco vai parar no item "despesa financeira" da companhia -que ainda inclui os juros pagos sobre o endividamento em dólar.
Havia a expectativa de que as empresas conseguiriam a liberação de um "artifício contábil" que pudesse livrá-las de declarar essa perda. Elas queriam que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que fiscaliza o mercado de ações, desse permissão para jogarem o rombo no chamado "ativo diferido". Assim, o prejuízo não cresceria -quanto maior a despesa, maior a chance de ficarem no vermelho.
A idéia era abater esse buraco em quatro anos e aos poucos, declarando 25% da perda -com a subida do dólar- por ano. Mas não deu certo. Até o momento a CVM não quer saber dessa história. A Folha apurou que ainda há a possibilidade de a comissão voltar a discutir esse tema nesta semana. E liberar o artifício -já usado em 99 e em 2001. Enquanto isso não sai, as empresas seguram seus balanços. Na prática, elas têm até a quinta-feira para apresentar os números, segundo determinação da CVM. Se o órgão der o sinal verde, terão de alterar os números e o prejuízo cairá.
"Isso não é nada saudável. Pode, de forma equivocada, dar a entender que há mais empresas com a conta em dia do que realmente existe", diz Edson Gonçalves, diretor da Trevisan Auditores.

O tamanho do buraco
A disparada do rombo nas contas das empresas, após a decolagem do dólar, atingiu em cheio grupos como Telefônica, Aracruz, Votorantim, Gerdau e Klabin -as cinco empresas com a maior despesa financeira (em valor absoluto), segundo ranking da Economática elaborado para a Folha.
Na Aracruz a despesa bateu em R$ 415 milhões em junho -expansão de 881,3% em relação a março. Na Votorantim, ela passou de R$ 82,6 milhões para R$ 368,8 milhões -crescimento de 272,5%. A Klabin acumulou despesa de R$ 339,1 milhões de abril a junho. E mais de 70% do total refere-se apenas às perdas com a desvalorização do real.
"De uma forma muito rápida, as empresas passaram de um ganho financeiro, em dezembro do ano passado, quando o real se valorizou, para uma disparada na despesa financeira que ainda não se sabe o tamanho", diz Einar Rivero, coordenador da Economática.
Três empresas de auditoria, que pediram sigilo, estimam que o rombo na despesa, por conta do dólar, deve variar de R$ 10 bilhões a R$ 14,5 bilhões no segundo trimestre. Isso corresponde apenas aos dados de 250 empresas no país com ações com liquidez -ou seja, negociadas com frequência nas Bolsas.
Além dessa questão das dívidas, ainda há outra pendência em jogo. As companhias vão ter de declarar nos balanços os calotes que já esperam levar nesses tempos de dinheiro curto. Trata-se da "provisão para créditos duvidosos", item que consta nos balanços e onde são jogadas as perdas com clientes ou fornecedores.
Se a empresa fez uma venda e sabe que não vai receber por isso nos próximos meses, ela joga a perda no item "provisão". A provisão já cresceu no caso dos bancos. Como têm dúvidas de que pessoas jurídicas e físicas vão arcar com as dívidas, Itaú e Bradesco elevaram as provisões.
O Itaú aumentou em 32,1% e o Bradesco em 26% no primeiro semestre, em relação a 2001.
Com medo dos atrasos no pagamento, o grupo Pão de Açúcar elevou o valor total da provisão em quase R$ 3 milhões do primeiro para o segundo trimestre. A Ripasa aumentou menos, em R$ 500 mil, e a Rhodia em R$ 700 mil.
Entre as empresas, as de telefonia têm maiores problemas com perdas de clientes. A Folha apurou que a TIM tem postergado a data de recebimento de equipamentos. A empresa também fez apenas o pagamento parcial da compra já encomendada à Ericsson. As companhias negam.


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