São Paulo, sexta, 11 de setembro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA

Por que o controle de câmbio seria um retrocesso

MAILSON DA NÓBREGA

A proposta dos economistas do PT, de retorno à antiga intervenção do governo no mercado de câmbio, é velha e confusa. Ora eles falam em controle, ora em centralização cambial.
Antes de mais nada, é preciso assinalar que o Brasil modernizou seu sistema cambial, mas preservou certa capacidade de atuação, que inclui a tributação dos fluxos, os limites para posições dos bancos em moeda estrangeira e as intervenções sob o regime de bandas cambiais.
Além disso, existe a política monetária, como se viu na recente elevação da taxa de juros. No passado era diferente. Os bancos autorizados a operar em câmbio não podiam carregar posições em moeda estrangeira.
No final de cada dia, quem havia comprado mais do que vendido divisas repassava "pronto" ao BC. Quem estava na situação inversa recebia cobertura do BC. Com o mercado zerado, o BC emitia um comunicado estabelecendo a taxa de câmbio do dia seguinte.
Nesse regime, todas as compras e vendas de moeda estrangeira eram previamente autorizadas ou se pautavam por limites fixados pelas autoridades. Um importador podia comprar câmbio se dispusesse de uma guia. Um devedor podia remeter juros e principal se a dívida estivesse registrada no BC. Um pai podia remeter US$ 300 por mês para seu filho estudante.
A centralização cambial, que aconteceu em 1983 e 1989, é uma medida extrema, que se justifica quando as reservas se exauriram ou estão prestes a se exaurir. A centralização se diferencia do controle apenas porque o BC, zerado o mercado, decide para quem remete as divisas. É um racionamento, com fila e tudo, e pressupõe a moratória de parte da dívida externa.
Os economistas do PT se animaram com as idéias de Paul Krugman, que em artigo recente propôs o controle cambial para países do Sudeste Asiático. E se entusiasmaram mais ainda com a adoção, pela Malásia, de medidas na mesma linha.
Eles querem desde o controle cambial até a extinção de mecanismos como a CC-5 e o anexo 4. A CC-5 regula os depósitos de não residentes em reais e o anexo 4 trata dos investimentos estrangeiros em Bolsas de Valores.
A eliminação da CC-5 era uma tese defendida antigamente pela Polícia Federal, que pensava que assim combateria melhor a corrupção, o contrabando e o tráfico de entorpecentes.
O erro é pensar que a fuga de capitais pode ser enfrentada com o fim da CC-5. Além disso, ao permitir o registro das respectivas transações, é melhor ter esse mecanismo do que não tê-lo.
Como dizia um dirigente do Banco Central, querer resolver problemas criminais e cambiais eliminando a CC-5 equivale a proibir a fabricação de motocicletas apenas porque os bandidos as têm utilizado em assaltos a bancos.
A extinção do anexo 4 seria desconectar o Brasil dos mercados internacionais de capitais, com graves consequências para o futuro. Seria como culpar os investidores pela queda das ações e daí extinguir o mercado acionário.
No fundo, a proposta de controle ou centralização cambial transmite a idéia de que o país somente se previne se retroceder.
Restabelecer o controle de câmbio exigiria recompor o quadro institucional antigo, incluindo a reinstituição das guias de importação e do sistema de repasses e coberturas. Jogaríamos fora o enorme aprendizado dos últimos anos.
O controle cambial teve sua época e não pode ser condenado. Trazê-lo de volta é, todavia, desprezar os inequívocos benefícios que a modernização cambial trouxe para o país. Aumentaria a ineficiência e o potencial de descaminho e fraude.
É provável que a Malásia não tivesse alternativa, mas tudo indica que os efeitos negativos do controle cambial serão mais sérios do que seu governo imagina. O preço a pagar pelo isolamento pode ser muito alto. Daí porque Krugman defendeu, em carta aberta, que o seu controle cambial fosse emergencial e temporário.
Uma evolução catastrófica da crise externa poderia também levar o Brasil a adotar o controle de câmbio e até mesmo a centralização. Mas isso somente aconteceria, a meu ver, depois de utilizados todos os instrumentos para a defesa da moeda e das reservas internacionais e para preservar as conquistas institucionais e culturais dos últimos dez anos.
O controle viria no contexto de uma derrota do atual processo de estabilização. E, ao contrário do que pensam os economistas do PT e outros que defenderam as mesmas idéias, o controle afugentaria os capitais, mais do que evitar a sua fuga.
Se esse desastre ocorresse, juntamente com o controle de câmbio retornariam outros velhos conhecidos, como o protecionismo, a inflação, a indexação, a desorganização e as perdas reais de salário. Aí, sim, haveria razão para nos compararmos com a Malásia.


Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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